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Anderson Baltar

De olho no título, Viradouro traz jovens carnavalescos e enredo inédito

Carnavalescos da Viradouro - Divulgação
Carnavalescos da Viradouro Imagem: Divulgação

Especial para o UOL, no Rio

26/01/2020 04h00

Depois de ter sido uma escola poderosa nas décadas de 1990 e 2000, a Unidos do Viradouro passou por momentos difíceis nos últimos anos, convivendo com dois rebaixamentos para a Série A. No último Carnaval, a escola voltou ao convívio das grandes e, capitaneada pelo carnavalesco Paulo Barros, obteve um comemorado vice-campeonato. Com a saída do artista, que neste ano se divide entre os barracões da Unidos da Tijuca e Gaviões da Fiel, de São Paulo, a vermelha e branca resolveu renovar e trouxe Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira.

O casal de carnavalescos, que já conseguiu individualmente três títulos da Série A (dois de Tarcísio pela Estácio de Sá e um de Marcus pelo Império Serrano), encarou o desafio e propôs um tema extremamente ligado à cultura popular. "Viradouro de alma lavada" levará para a Sapucaí a trajetória das Ganhadeiras de Itapuã, grupo musical que dá voz às centenárias tradições das mulheres negras que comercializavam peixes e outros produtos nas praias de Salvador desde o período colonial. Nesta entrevista, os artistas falam da responsabilidade de manter a Viradouro competitiva e abordam detalhes do enredo.

Vocês estão chegando na Viradouro para substituir Paulo Barros. Como é lidar com essa responsabilidade?

Tarcísio - Eu considero como positiva por chegar em uma escola que ascendeu rapidamente e que tem sede de campeonato. Encontramos uma equipe pronta e nos adequamos a ela. O carnavalesco dá a primeira ideia, mas um time maduro e competente, como o que encontramos aqui, faz toda a diferença e nos traz uma tranquilidade para trabalhar. Paulo é um grande carnavalesco e a Viradouro fez muito bem a ele. Foi um ótimo casamento. E é tudo que queremos ter aqui também, já que a escola nos oferece essas condições.

Tarcísio chegou a iniciar o trabalho na Estácio de Sá, cujo objetivo é permanecer no grupo. Marcus estreia no Grupo Especial. E agora vocês brigam pelo título. Como foi virar essa chave?

Tarcísio - Bate uma ansiedade, não nego. Mas quando você vê o trabalho praticamente pronto, posso dizer que a Viradouro fará um grande desfile. A parte da criação está feita e acreditamos muito no projeto. A expectativa agora é que tudo dê certo e não tenhamos nenhum problema.

Marcus - Esse é um momento que sempre esperei, de trabalhar em uma grande escola, com liberdade artística e carinho da diretoria, que em todo o momento fez questão de dizer que não somos uma aposta e, sim, uma realidade. Afinal, temos três títulos da Série A na bagagem. Não é qualquer artista que chega ao Especial com esse currículo. A maturidade que conseguimos adquirir nos grupos de acesso foi importante. Agora estamos fazendo nosso pós-doutorado. Fizemos o Carnaval com muita tranquilidade e paciência da escola. Fizemos tudo que nos foi proposto: um enredo inédito, que olhe para a cultura brasileira e que traga uma página de nossa história que 99% das pessoas desconhece.

Estamos praticamente a um mês do Carnaval. O desfile está pronto?

Marcus - Estamos com 85% do trabalho concluído. Mas, nossa parte agora é olhar e zelar pelo que está feito. Cobrir as esculturas, finalizar os testes de luz e arrematar algumas coisas de alegorias. A ajuda da prefeitura de Niterói fez com que a Viradouro andasse à frente das coirmãs, mas estamos fazendo um desfile com muita cautela, sem esbanjar dinheiro.

A experiência do Grupo de Acesso ajuda a fazer um carnaval mais econômico?

Tarcísio - Sim, e nosso enredo também possibilitou isso. É um enredo regional, que, por isso, é artesanal. A gente entrou no almoxarifado da escola e reaproveitou muitas coisas. Achamos plumas até dos tempos em que Joãosinho Trinta era carnavalesco. A gente foi reciclando e fazendo arte em cima do que estava guardado. O Carnaval da Viradouro não é caro no sentido de materiais, mas acabou se tornou um pouco mais custoso por envolver mais profissionais no processo, por seu caráter artesanal.

Marcus - Conseguimos minimizar os custos em tecidos e aviamentos e também na parte de mecanismos dos carros alegóricos.

A Bahia sempre foi muito enfocada pelas escolas de samba, mas vocês trazem um tema inédito. De onde surgiu esse estalo para levar para a Sapucaí a trajetória das Ganhadeiras de Itapuã?

Marcus - Nossa cabeça não para e sabemos que o Carnaval precisa do ineditismo. E o tema veio a calhar porque a Viradouro é uma escola de alma feminina, com vários enredos sobre mulheres como Tereza de Benguela, Bibi Ferreira, Dercy Gonçalves... A escola nos pediu um enredo cultural ao extremo e que desse peso ao Carnaval da Viradouro. E esse foi o nosso caminho para refletir o desejo da escola em voltar a ser protagonista. A história da Viradouro se entrelaça com a das ganhadeiras: é marcada por luta e superação.

Tarcísio - Sentimos que o público teve a curiosidade de saber mais sobre a nossa temática. Estou feliz por termos trazido luz a novos personagens, como essas mulheres negras, que lutam pela igualdade e representam muito para a atualidade do país.

Como está a repercussão do enredo na Bahia?

Tarcísio - O enredo foi muito noticiado por lá e todos estão felizes. Vem um grupo grande de Itapuã para cá para desfilar e também para assistir. Artistas como a Margareth Menezes, Mariene de Castro e Saulo apoiaram o nosso enredo. Muitos deles não poderão desfilar por conta de suas agendas no Carnaval de Salvador, mas estão nos divulgando bastante.

Marcus - O primeiro sentimento que bateu foi a emoção. Durante o ano tivemos diversas passagens em que nos emocionamos, como no encontro com as Ganhadeiras no Abaeté. Elas estão muito gratas pela homenagem. Conversamos muito para a pesquisa do enredo e elas nos agradeceram o tempo todo pela visibilidade que a Viradouro está dando para elas. As 22 matriarcas do grupo virão desfilar conosco e estão muito animadas.

Anderson Baltar