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Anderson Baltar

Tradicional inimiga dos sambistas, chuva pode atrapalhar os desfiles

Foliões aguardam sob chuva o primeiro desfile da segunda noite de Carnaval no Anhembi, em 2016 - Leonardo Benassatto/Estadão Conteúdo
Foliões aguardam sob chuva o primeiro desfile da segunda noite de Carnaval no Anhembi, em 2016 Imagem: Leonardo Benassatto/Estadão Conteúdo

Especial para o UOL, no Rio

21/02/2020 04h00

A jornalista e escritora Eneida de Moraes, autora do livro "História do Carnaval carioca" já dizia que um dos maiores inimigos da folia é a chuva. Os sambistas das escolas do Rio e de São Paulo estão desde o início da semana assustados com a possibilidade de tempo fechado durante os desfiles do Anhembi e da Sapucaí. De acordo com a meteorologia, o período entre sexta-feira e domingo deverá registrar chuvas de intensidade nas duas cidades. E a preocupação é fundamentada: debaixo d'água, os desfiles passam a ser completamente imprevisíveis.

De imediato, o primeiro grande problema que se apresenta acontece ainda no deslocamento dos carros alegóricos para a passarela. Se, em São Paulo as alegorias costumam ficar dias antes do desfile em um terreno descoberto, próximo à pista de desfiles, no Rio de Janeiro as alegorias saem da Cidade do Samba na madrugada anterior ao cortejo e fazem um trajeto de aproximadamente 3 Km por várias ruas da do centro da cidade. A operação, normalmente tensa, se torna ainda mais perigosa com chuva. Principalmente se houver a formação de bolsões d'água - muito comuns no chuvoso verão carioca.

Mesmo protegidas por lonas, as alegorias correm risco. Grande parte de sua decoração é formada de materiais pouco resistentes à água, como miçangas e fitilhos e é afixada com cola. Ainda que cheguem intactas à área de concentração, as alegorias terão de ser descobertas em algum momento, já que muitos retoques e encaixe de esculturas e adereços se dá poucas horas antes do desfile.

Se desfilar com chuva é complicado, pior ainda é ficar na área de concentração esperando a sua vez para evoluir. As fantasias, sob a ação da água, além de encharcar e correr risco de perder detalhes da decoração, correm grande risco de sujar - as saias das baianas dificilmente escapam de ficar com as barras imundas.

Fantasias específicas como as de porta-bandeira e as dos destaques, tradicionalmente pesadas, se tornam ainda mais incômodas. O dano só não é maior porque, por um misto de economia e consciência ecológica, a maiorias das escolas substituiu plumas naturais por artificiais - estas não murcham sob chuva.

No coração da escola, a bateria, a chuva também causa estragos. A água faz a afinação dos instrumentos se perder. Na concentração, ainda é possível cobrir as peças, mas, durante o desfile, o problema é insolúvel. Com a pista escorregadia, a evolução da escola também torna-se mais delicada.

A chuva já foi vilã em alguns momentos cruciais da história do Carnaval carioca. Em 1952, o desfile foi cancelado por causa de um temporal que caiu incessantemente durante toda a noite. Já em 1986, a Beija-Flor de Nilópolis enfrentou um aguaceiro enquanto apresentava o enredo "O Mundo é uma bola", de Joãosinho Trinta.

Com água nas canelas, os componentes deram um show de empolgação, mas ficaram com o vice-campeonato. O desfile que deu o primeiro título à Vila Isabel, em 1988, "Kizomba, festa da raça", não foi bisado na noite das campeãs, que foi cancelada por conta das intensas chuvas que castigaram o Rio de Janeiro no pós-Carnaval. No Carnaval passado, toda a primeira noite da Série A (Grupo de Acesso) do Rio foi prejudicada pela água que caiu durante todos os desfiles.

Enquanto esperam a hora do desfile, os sambistas olham para o céu e fazem suas rezas para que nada aconteça nesses dias de folia. E, para manter a fé, vale até apelar para a superstição. A crença popular afirma que o tempo que faz no dia 20 de janeiro, de São Sebastião, se repete durante o Carnaval. Neste ano, no feriado do padroeiro carioca, o tempo ficou nublado e até chegou a abrir um mormaço pelo meio da tarde. Aguardemos.

Anderson Baltar