Adiamento do Carnaval: decisão sensata e respeitosa às vítimas da covid-19
No momento em que o Brasil passa da marca de 85 mil mortes pela covid-19 e que, em várias cidades, a vida começa a ser flexibilizada - em muitos setores, no limite da irresponsabilidade - as escolas de samba do eixo Rio-São Paulo dão uma demonstração de respeito à grave situação sanitária que vivemos. Enquanto se cogita a abertura do público em estádios de futebol e templos religiosos, os barracões e quadras permanecem fechados desde o fim do último Carnaval.
A decisão do prefeito Bruno Covas, tomada em conjunto com a Liga-SP é acertada e faz uma ponderação realista e responsável sobre os rumos da nossa maior festa popular. Sabemos que poucas atividades culturais precisam tanto das aglomerações quanto o Carnaval. E, por mais que muitos não reconheçam, a folia, além do traço cultural inegável de nosso país, é fonte de recursos e gera milhares de empregos diretos e indiretos. Em 2020, os festejos injetaram, respectivamente, R$ 3,7 bi e R$ 2,3 bi nas economias das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
No Rio, na semana passada, a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) decidiu, em sua primeira plenária realizada durante a pandemia, que irá esperar até setembro para tomar uma decisão definitiva. De antemão, a entidade não acredita na realização dos desfiles em fevereiro.
À boca miúda, alguns presidentes defendem, inclusive, o cancelamento da festa em 2021 - o que poderia trazer consequências trágicas para a cadeia produtiva.
Nesta semana, duas escolas cariocas, a Mangueira e a São Clemente, anunciaram demissões de funcionários motivadas pela incapacidade de arrecadar. Nas próximas semanas, movimentos semelhantes deverão ocorrer em outras agremiações. Nem mesmo a situação financeira delicada impeliu os dirigentes a uma decisão irresponsável. Ao contrário. As escolas de samba encontram-se ativas em outra frente: já produziram centenas de milhares de máscaras e apetrechos de EPI e distribuíram toneladas de alimentos aos moradores de suas comunidades.
Para quem não vive o dia a dia das escolas de samba, a preocupação com o Carnaval 2021 pode até parecer açodamento. Não é. Um desfile desse porte leva, ao menos, oito meses para ser preparado e prazos precisam e devem ser ajustados.
Durante a quarentena, enquanto as comunidades eram atendidas, carnavalescos e pesquisadores não pararam suas atividades. Enredos foram escritos, fantasias estão sendo riscadas, sambas-enredos já estão sendo compostos.
Das 14 escolas do Grupo Especial de São Paulo, 11 possuem enredos definidos. Das 12 cariocas, 9 já sabem qual tema defenderão na Sapucaí. Em tempos de lives em redes sociais, a Unidos de Padre Miguel, do Grupo de Acesso carioca, inovou com o concurso de samba-enredo virtual, em que o torcedor pode acompanhar e torcer pela sua obra preferida do sofá de sua casa. Em São Paulo, Colorado do Brás e Mancha Verde deverão seguir esse modelo. Em tempos de isolamento social, novas formas de interação e de aproximação com o público estão surgindo e podem fazer das escolas de samba entidades mais vivas e mais antenadas com o mundo atual.
Mais presentes em suas comunidades, conquistando novos adeptos pelas redes sociais e, provavelmente menos opulentas. Essas serão as escolas de samba em sua versão pós-pandemia. Por conta do calendário atrasado e da recessão que virá, os desfiles de 2021, quando ocorrerem, certamente também serão mais enxutos, com menos luxo e parafernálias tecnológicas.
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