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Anderson Baltar

União da Ilha quer "tocar em feridas" com enredo sobre vida nas favelas

Cahe Rodrigues (à direita), posa para foto ao lado de integrantes da Comissão de Carnaval da União Ilha - Paula Reis (divulgação)
Cahe Rodrigues (à direita), posa para foto ao lado de integrantes da Comissão de Carnaval da União Ilha Imagem: Paula Reis (divulgação)

Especial para o UOL, no Rio

14/02/2020 10h53

Apesar de ter legado ao Carnaval sambas clássicos como "O Amanhã" (1978), "É Hoje" (1982) e "De bar em bar, Didi um poeta" (1991) e ter uma quantidade considerável de admiradores, a União da Ilha do Governador nunca foi campeã do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro.

Tida como uma escola que sempre traz enredos leves e coloridos para a Sapucaí, a tricolor prepara um desfile com uma linguagem diferente. Sob o comando do multicampeão Laíla, a Ilha apresentará um enredo sobre a vida nas favelas sob a ótica de uma mulher que se prepara para ser mãe.

Trabalhando ao lado de Laíla e de Fran Sergio na Comissão de Carnaval da União da Ilha, o carnavalesco Cahe Rodrigues estreia na escola e também tem a sua primeira experiência de trabalhar em uma equipe - que também conta com Larissa Pereira, Anderson Netto, Allan Barbosa e Felipe Costa.

Nesta entrevista, Cahe nos passa mais detalhes sobre como será o desfile dessa União da Ilha totalmente repaginada.

A União da Ilha talvez seja uma das escolas que mais causa curiosidade nas pessoas por conta de todas as mudanças na sua direção de Carnaval e de carnavalescos. O que podemos esperar da escola?

Quando cheguei na escola, o Laíla e o Fran Sergio já tinham uma ideia de enredo e de estilo de Carnaval. Eu comecei a me envolver no projeto e a entender a visão do Laíla. Pela primeira vez trabalho com ele e estou aprendendo muito.

Esse enredo é muito importante para ele, tem um quê de recordação dos seus tempos de infância e adolescência no Salgueiro. Tem muito dele, de sua visão de mundo. E a decisão de fazer o enredo a partir do samba fez mudar a nossa dinâmica de trabalho, porque só desenhamos a primeira fantasia após o samba ter sido escolhido. Mas deu tudo certo e percebemos que faremos um desfile muito diferente do que a Ilha vem apresentando.

A Ilha sempre foi uma escola leve e colorida. Mas a estética esse ano será bem diferente, com um toque de realismo.

A proposta é de um Carnaval humanizado, que traz a comunidade da Ilha do Governador. Tanto que não temos alas comerciais, e os moradores estão correspondendo com ensaios lotados e animados. É uma nova Ilha, ousada e impactante, com fantasias bem originais, sem luxo e sem plumas. É um enredo atual dentro de uma escola que sempre cantou a alegria. Nosso desafio foi saber como tocar nas nossas feridas sem que as pessoas deixem de enxergar ali a União da Ilha.

É um desfile otimista?

Tem sua carga dramática forte porque falamos de assuntos do dia a dia, mas trazemos uma mensagem de esperança. É um tema necessário para os dias de hoje, mas mostramos que há uma luz no fim do túnel.

As escolas passaram a apostar nos últimos anos em temas de crítica social e a Ilha sempre teve uma forma peculiar de brincar o Carnaval. Vocês pretendem criar um jeito insulano de criticar, com o bom humor como arma para as dificuldades da vida?

Acho que você matou a charada. A Ilha deixa um pouco a leveza para levantar a bandeira e tocar um pouco nas feridas. Dentro dessa mensagem, que acho necessária, todo cuidado foi pouco sobre como isso será mostrado. Não é o perfil da Ilha entrar em polêmicas, mas existem alguns temas que não tinha como ficar de fora, como a violência e a desigualdade social.

Um desfile ousado pode catapultar ou prejudicar uma escola. A Ilha resolveu apostar todas as fichas?

Desde o momento em que a direção da escola deu carta branca ao Laíla, ela resolveu ir para o tudo ou nada. Eu tenho vivido uma experiência incrível com ele, que carrega a paixão de fazer Carnaval. Ele tem uma liderança muito forte e eu venho com um histórico de carreira solo. Me encontrar em uma comissão é algo diferente para mim, já que são várias pessoas pensando ao mesmo tempo. Mas o clima de trabalho é muito bom e resolvemos amarrar bem as propostas do Laíla. Temos um enredo com início, meio e fim, com mensagem de otimismo.

O samba-enredo da escola tem sido muito criticado pelos especialistas. Como você avalia essa situação?

Acho que o maior problema foi o fato de não termos divulgado uma sinopse. Isso acabou gerando um desconforto nas pessoas, já que não há esse costume. Quando todos já sabem do enredo antecipadamente, fica mais fácil entender o samba. Às vezes a obra não é tão boa, mas todos reparam que ela conta o enredo perfeitamente e passam a aceitá-la.

A não divulgação da sinopse causou uma estranheza dentro da escola e do mundo do samba. E, sem a sinopse, cada um fez o seu julgamento. Nós só divulgamos recentemente o texto, que já existia, mas o Laíla não queria que os compositores o lessem antes de fazer os sambas. Passamos apenas tópicos e demos liberdade para eles.

Qual a grande aposta do desfile da União da Ilha?

O projeto é grandioso, a mensagem é muito forte. Temos momentos incríveis como o carro abre-alas, que é muito verdadeiro e tem uma carga emocional muito forte por sua originalidade. Sempre digo que a grande estrela desse Carnaval da Ilha, além dos efeitos especiais dos carros e do visual das alas, será a comunidade. A grande aposta é o desfilante. O trabalho do Laíla na quadra é para que isso seja o diferencial. Temos perdido pontos em harmonia e evolução e queremos corrigir. E a reação dos ensaios é absurda. Nunca vi a Ilha tão motivada, acreditando tanto em um projeto.

Anderson Baltar