Manifestação em Madri denuncia racismo contra brasileiros na Espanha
No domingo (4), a praça Callao, no centro de Madrid, tinha som de palmas, batuques e protestos. Movimentos sociais brasileiros se uniram em solidariedade ao jogador Vinicius Junior, que há duas semanas foi chamado de "macaco" pela enésima vez durante um jogo de futebol.
O protesto é a ponta do iceberg do trabalho desenvolvido por ativistas brasileiros que promovem ações antirracistas na Espanha, onde a discriminação não acaba com o jogo de futebol e também se apresenta no cotidiano tanto de forma discreta quanto descarada.
Demonstrações artísticas talvez surpreendam quem pensa que o atacante do Real Madrid dança para provocar o adversário. Mas há quase 20 anos, a Associação Cultural Maloka tem sido um espaço para enaltecer e desmistificar a cultura afrobrasileira na terra das tapas e do flamenco. Provocação? Só à reflexão.
'Tem um segurança me observando'
A familiaridade da associação com sua identidade negra brasileira foi o que chamou a atenção da ativista e costureira Jeanne Bonfim, que há seis anos se mudou sozinha da Bahia para a capital espanhola por medo da violência policial contra a população preta.
Já em Madri, a sete mil quilômetros de sua terra natal, ela se deparou com o que os especialistas chamam de "microrracismos" - quando no convívio social há discriminação velada.
Enquanto conversava com Ecoa por telefone, a brasileira procurava feijão do tipo carioquinha no supermercado. Acabara de mencionar que só entra em lojas em último caso para não ser intimidada, quando diminui o tom de voz: "Agora mesmo tem um segurança me observando".
Segundo ela, as situações são frequentes, mas com a rede de apoio que encontrou na Maloka se sente amparada para participar da luta antirracista. "Entendem minhas dores e minha cultura", diz. "É [como se fosse um] um pedacinho da Bahia aqui."
Os coletivos seguem a agenda de ações da Coalizão Negra por Direitos no Brasil como, por exemplo, quando denunciaram o racismo ambiental na COP 25. Mas também trabalham questões específicas dos brasileiros na Espanha como a xenofobia, que anda de mãos dadas com o racismo.
A brasileira Tatiana (nome fictício) mora no leste da Espanha há alguns meses e terá de mudar a filha de escola por conta de ataques racistas. A menina de cinco anos foi chamada de "cara de macaco" e "pele de cocô" pelos colegas de classe.
Segundo a mãe, a menina chegou a ser empurrada e golpeada enquanto os pais dos alunos ficaram inertes. Sem solução por parte da instituição de ensino, a menina deve permanecer nessa escola até o final de junho, quando acaba o ano letivo.
O acesso à moradia também tem sido utilizado como termômetro para medir a descriminação nos últimos anos.
Um estudo do ano passado, realizado pelo Observatório Espanhol de Racismo e Xenofobia (Oberaxe), concluiu que o mercado imobiliário é discriminatório com grupos racializados. As causas estão associadas a preconceitos dos proprietários sobre a precariedade econômica de pessoas racializadas.
A família da psicóloga mineira Lúcia Cava, de 40 anos, foi impedida de alugar uma casa em Barcelona. Ela, o filho e o marido são brancos, mas a proprietária, por mensagem de texto, informou que não aceitaria inquilinos latino-americanos. Lúcia tem cidadania europeia, mas o marido não. Segundo a brasileira, uma denúncia foi registrada na polícia catalã, mas alegaram que era um direito da dona do imóvel.
Brasil e Espanha fecham acordo contra o racismo
Em maio deste ano, ativistas da coalizão mediaram o encontro entre Anielle Franco, ministra de Igualdade Racial do Brasil, com Irene Montero, ministra de Igualdade da Espanha, no qual firmaram compromisso para promover a igualdade racial e a luta contra o racismo e outras formas de intolerância.
Para a ativista Gabriela Brochner, do Coletivo Pelos Direitos no Brasil - Madrid, é importante que o governo brasileiro esteja inteirado das problemáticas de seus cidadãos no exterior e que apresente políticas de reparação.
Um dos desafios no enfrentamento ao racismo na Espanha está na falta de estudos que estabeleça se determinados coletivos sofrem discriminação e de que tipo - com exceção dos povos ciganos. Porém, outros informes auxiliam nessa avaliação, ainda que não sejam as ferramentas ideais.
Para se ter uma ideia, dados mais recentes (2021) sobre a evolução dos crimes de ódio na Espanha demonstram que dos 1.802 casos registrados, mais de 35% foram por ataques racistas, os mais numerosos.
O cenário foi semelhante em 2020 e 2019. Porque a grande maioria das vítimas não denuncia, o número deve ser considerado com parcialidade.
Para Maria dos Santos, historiadora e também ativista do Coletivo Pelos Direitos no Brasil, o caso de Vinicius Junior pode ser uma virada de chave para a questão racial na Espanha.
Não para convencer o espanhol de que o racismo existe. Mas como comunidade brasileira, não tínhamos tido um momento que possibilitasse a abertura do tema para nos inserir em outros espaços", Maria dos Santos, historiadora
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