Topo

Pessoas

Manifestação em Madri denuncia racismo contra brasileiros na Espanha

 Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha - Natália de Oliveira Ramos/UOL
Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha
Imagem: Natália de Oliveira Ramos/UOL

Natália de Oliveira Ramos

Colaboração para Ecoa, em Madri

06/06/2023 06h00

No domingo (4), a praça Callao, no centro de Madrid, tinha som de palmas, batuques e protestos. Movimentos sociais brasileiros se uniram em solidariedade ao jogador Vinicius Junior, que há duas semanas foi chamado de "macaco" pela enésima vez durante um jogo de futebol.

O protesto é a ponta do iceberg do trabalho desenvolvido por ativistas brasileiros que promovem ações antirracistas na Espanha, onde a discriminação não acaba com o jogo de futebol e também se apresenta no cotidiano tanto de forma discreta quanto descarada.

Demonstrações artísticas talvez surpreendam quem pensa que o atacante do Real Madrid dança para provocar o adversário. Mas há quase 20 anos, a Associação Cultural Maloka tem sido um espaço para enaltecer e desmistificar a cultura afrobrasileira na terra das tapas e do flamenco. Provocação? Só à reflexão.

'Tem um segurança me observando'

A familiaridade da associação com sua identidade negra brasileira foi o que chamou a atenção da ativista e costureira Jeanne Bonfim, que há seis anos se mudou sozinha da Bahia para a capital espanhola por medo da violência policial contra a população preta.

Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha - Natália de Oliveira Ramos/UOL - Natália de Oliveira Ramos/UOL
Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha
Imagem: Natália de Oliveira Ramos/UOL

Já em Madri, a sete mil quilômetros de sua terra natal, ela se deparou com o que os especialistas chamam de "microrracismos" - quando no convívio social há discriminação velada.

Enquanto conversava com Ecoa por telefone, a brasileira procurava feijão do tipo carioquinha no supermercado. Acabara de mencionar que só entra em lojas em último caso para não ser intimidada, quando diminui o tom de voz: "Agora mesmo tem um segurança me observando".

Segundo ela, as situações são frequentes, mas com a rede de apoio que encontrou na Maloka se sente amparada para participar da luta antirracista. "Entendem minhas dores e minha cultura", diz. "É [como se fosse um] um pedacinho da Bahia aqui."

Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha - Natália de Oliveira Ramos - Natália de Oliveira Ramos
Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha
Imagem: Natália de Oliveira Ramos

Os coletivos seguem a agenda de ações da Coalizão Negra por Direitos no Brasil como, por exemplo, quando denunciaram o racismo ambiental na COP 25. Mas também trabalham questões específicas dos brasileiros na Espanha como a xenofobia, que anda de mãos dadas com o racismo.

A brasileira Tatiana (nome fictício) mora no leste da Espanha há alguns meses e terá de mudar a filha de escola por conta de ataques racistas. A menina de cinco anos foi chamada de "cara de macaco" e "pele de cocô" pelos colegas de classe.

Segundo a mãe, a menina chegou a ser empurrada e golpeada enquanto os pais dos alunos ficaram inertes. Sem solução por parte da instituição de ensino, a menina deve permanecer nessa escola até o final de junho, quando acaba o ano letivo.

O acesso à moradia também tem sido utilizado como termômetro para medir a descriminação nos últimos anos.

Um estudo do ano passado, realizado pelo Observatório Espanhol de Racismo e Xenofobia (Oberaxe), concluiu que o mercado imobiliário é discriminatório com grupos racializados. As causas estão associadas a preconceitos dos proprietários sobre a precariedade econômica de pessoas racializadas.

A família da psicóloga mineira Lúcia Cava, de 40 anos, foi impedida de alugar uma casa em Barcelona. Ela, o filho e o marido são brancos, mas a proprietária, por mensagem de texto, informou que não aceitaria inquilinos latino-americanos. Lúcia tem cidadania europeia, mas o marido não. Segundo a brasileira, uma denúncia foi registrada na polícia catalã, mas alegaram que era um direito da dona do imóvel.

Maria dos Santos, ativista durante manifestação em Madri com arte feita pelo proprio filho - Natália de Oliveira Ramos/UOL - Natália de Oliveira Ramos/UOL
Maria dos Santos, ativista durante manifestação em Madri com arte feita pelo proprio filho
Imagem: Natália de Oliveira Ramos/UOL

Brasil e Espanha fecham acordo contra o racismo

Em maio deste ano, ativistas da coalizão mediaram o encontro entre Anielle Franco, ministra de Igualdade Racial do Brasil, com Irene Montero, ministra de Igualdade da Espanha, no qual firmaram compromisso para promover a igualdade racial e a luta contra o racismo e outras formas de intolerância.

Para a ativista Gabriela Brochner, do Coletivo Pelos Direitos no Brasil - Madrid, é importante que o governo brasileiro esteja inteirado das problemáticas de seus cidadãos no exterior e que apresente políticas de reparação.

Um dos desafios no enfrentamento ao racismo na Espanha está na falta de estudos que estabeleça se determinados coletivos sofrem discriminação e de que tipo - com exceção dos povos ciganos. Porém, outros informes auxiliam nessa avaliação, ainda que não sejam as ferramentas ideais.

Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha - Natália de Oliveira Ramos/UOL - Natália de Oliveira Ramos/UOL
Manifestação de brasileiros em apoio a Vini Jr. na Espanha
Imagem: Natália de Oliveira Ramos/UOL

Para se ter uma ideia, dados mais recentes (2021) sobre a evolução dos crimes de ódio na Espanha demonstram que dos 1.802 casos registrados, mais de 35% foram por ataques racistas, os mais numerosos.

O cenário foi semelhante em 2020 e 2019. Porque a grande maioria das vítimas não denuncia, o número deve ser considerado com parcialidade.

Para Maria dos Santos, historiadora e também ativista do Coletivo Pelos Direitos no Brasil, o caso de Vinicius Junior pode ser uma virada de chave para a questão racial na Espanha.

Não para convencer o espanhol de que o racismo existe. Mas como comunidade brasileira, não tínhamos tido um momento que possibilitasse a abertura do tema para nos inserir em outros espaços", Maria dos Santos, historiadora

*

Siga Ecoa nas redes sociais e conheça mais histórias que inspiram e transformam o mundo
https://www.instagram.com/ecoa_uol/
https://twitter.com/ecoa_uol

Pessoas