Tony Marlon

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Opinião

No Carnaval que se aproxima, trate quem irá te atender como alguém

Todos nós somos a invenção de alguém. São as relações que inventam o outro.

Quem escreveu isso foi a comunicadora social especialista em marketing digital Nayara Ruiz. Ler Nayara uma vez por semana faz um bem danado para a cabeça e o coração. Conhecê-la faz a gente e o mundo ao redor um pouco melhor. Eu recomendo.

A frase aí de cima faz parte de um artigo maior, em que ela comenta o mercado da influência no Brasil. Peguei emprestada depois de presenciar dois turistas chegando para o Carnaval do Recife, nesta semana.

Sem bom dia ou um simples oi, apontaram as malas, perguntaram se a porta certa do carro era aquela semiaberta, ajeitaram o chapéu e o óculos e foram. O moço que foi buscá-las ficou olhando sem saber se fazia o que veio fazer como trabalho ou se sentia o que era preciso sentir, como gente. Coisas assim são raras, mas acontecem muito.

Fundado na violência e organizado pela exploração, nosso país opera a vida até os dias de hoje pela lente da servidão. O outro não existe humano, existe pela utilidade e o benefício que me traz. Me relaciono por esses interesses e dentro desses limites. É quando olho para um garçom e vejo um suporte para a minha bebida, não uma pessoa que pode estar num dia difícil e com muitos desafios para se concentrar. Sei lá, a filha pode estar na UTI. A mãe morreu no fim da noite de ontem.

Desumanização é quando o outro não é. Sem bom dia, boa tarde, ou ao menos um oi e, se existe, é aquele protocolar, eu dito a lista de compras que está no meu bolso para o moço ou a moça do outro lado do balcão. E vá rápido, que eu tenho horário. Eu não o percebo como existência. A servidão é quando eu acredito que o outro existe para as minhas vontades, e não como uma pessoa trabalhadora que possui uma atribuição. E humanidade.

Essas são algumas das raízes do pensamento de alguém que mora no 7º andar de um prédio e acredita que a entregadora tem a obrigação de levar o pedido até a porta do seu apartamento. Se questionado, diz: "Mas é o seu dever me entregar o que eu pedi". Convenientemente se esquece que o pacto daquele trabalho é mover do restaurante ao endereço do cliente, não a prestação de um serviço de quarto, que só existe em um hotel.

Para não perder o bloco mais amado, às vezes nos distraímos da nossa presença e olhamos ao nosso redor com a rasa e rápida lente do uso, da utilidade. O motorista não existe, o que existe é minha necessidade de chegar rápido. A moça que vende minha bebida preferida não existe, o que existe é a minha sede.

O convite por aqui é para que nos inundemos de humanidade, uma das 7 mil coisas que o Carnaval é capaz de fazer, mas que façamos isso sem deixar ninguém para trás. A humanidade de ninguém para trás.

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Imagine só como o motorista do ônibus está mais cuidadoso que nunca, atento para não encostar em alguém, mesmo com tanta gente atravessando o seu caminho do nada naquela avenida principal. Imagine só quantas vezes a moça da água teve que descer essa ladeira toda para repor o estoque e você ter a sua água geladinha, justo na hora que você já quase desmaiava.

Todos nós somos a invenção de alguém. São as relações que inventam o outro. Que as palavras sempre inspiradoras da Nayara Ruiz nos lembrem de existir quem está ao nosso redor como essas pessoas de fato são: gente, feito a gente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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