Eduardo Carvalho

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Opinião

Fabiana Justus e o debate sobre quem fica na enfermidade

Rolando o feed, eis que uma foto me chama atenção. No leito de hospital, um casal foi à cama. Corro para ler a legenda, sem reconhecer de pronto quem está na cena. ''Eu sempre falo que um relacionamento é uma escolha diária. Todo dia você escolhe estar ao lado daquela pessoa e ela te escolhe. E essa é a minha melhor escolha há mais de 20 anos. Essa foto eu achei tão linda que não podia deixar de vir pro feed!''. Clico no arroba: é Fabiana Justus, criadora de conteúdo e youtuber com milhares de seguidores, recentemente diagnosticada com leucemia mieloide aguda, que tem evolução rápida e, infelizmente, violenta.

O post de Fabiana estava repleto de comentários, todos ressaltando o amor e a dedicação dados pelo parceiro durante o período e que, infelizmente, é um ponto solitário no meio nada.

Segundo a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia), "não há estudo ou pesquisa sobre com o índice de mulheres com câncer de mama "abandonadas" ou que sofreram separação conjugal a partir do diagnóstico da doença". Mas a entidade reconhece que "no acompanhamento do tratamento de pacientes com câncer de mama, há inúmeros relatos de mulheres que sofreram com separação do companheiro, mas sem a possibilidade de quantificar o número".

A temática atualmente arregimenta ainda mais pessoas, com depoimentos fortes de quem enfrentou tratamentos de maneira solitária (muitas vezes mais tristes e nocivos que a própria enfermidade). Basta cruzar a entrada de uma emergência ou ver ampliar nas finanças mensais gastos com medicamentos, que parceiros deixam para trás filhos, parentes, casa e vão desenhar uma nova história - quando não trocam sua mulher por outras, como o caso da cantora e empresária Preta Gil, que descobriu uma traição enquanto estava internada para tratamento de câncer.

Nas classes menos abastadas, a violência é maior. É quase um ''fui ali comprar o cigarro'', e nunca mais voltou. A situação acende uma discussão muito importante para, claro, as mulheres e, principalmente, para nós, homens, e sobre o tipo de comportamento replicado enquanto nossas parceiras enfrentam da solidão à luta, quase na reexistência, por dias mais serenos e, enfim, possíveis.

O período de enfermidade é só mais um dos momentos onde há omissão de nossa (me incluo aqui) parte, indo desde a gravidez, passando pela doença dos filhos, quando existe estafa física ou mental, quando ganham peso, perdem o trabalho, têm problemas com a família e...vou parar por aqui, pois a lista só aumenta.

De ''naturalmente cuidadoras'' e ''seres capazes de lidar com uma doença'' a terem que lidar com inabilidade de os homens lidarem com emoções e incertezas que vêm com este período. Existe uma comissão especial da Câmara dos Deputados que acompanha o combate ao câncer no Brasil e chegou a debater o abandono das mulheres durante o tratamento, uma proposta da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).

O que fica como reflexão é mais que a enfermidade em si. É sobre a doação e apreço dados durante uma intercorrência que pode acometer qualquer um de nós, fazendo pensar ''como poderia ou posso reagir a isso'', caso ocorra bem ao lado

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É sobre compaixão, parceria e uma dose de empatia, mesmo quando a beleza deixa de estar em primeiro plano e o que podemos agarrar são bulas, remédios, exames, médicos, uma gangue que não deixa de abraçar. Criando uma rede de apoio que se estende aos amigos e à família.

É possível encontrar (ou reencontrar) o amor com alguém disposto e disponível na saúde e na doença, não só nos momentos de alegria ou felicidade. Que isso aconteça.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • O texto citava uma pesquisa divulgada pela SBM, no entanto, tal pesquisa não foi feita pela sociedade. A informação foi ajustada.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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