Noah Scheffel

Noah Scheffel

Opinião

Pitty, quem passa o pano quando você se posiciona contra uma mulher negra?

Antes de mais nada, quero que você entenda que esta coluna não é sobre hierarquia de poder ou sofrimento, e sim sobre um abismo de falta de oportunidades e acessos. Abismo entre mulheres brancas e mulheres negras.

E esses acessos se refletem não só no meio artístico, mas também no mercado de trabalho e em tantos outros espaços da nossa sociedade, pois ela é, estruturalmente, racista.

Ana Diniz, coordenadora do Núcleo de Diversidade e Inclusão no Trabalho no Insper, fala sobre esse abismo: "As mulheres entram no mercado de trabalho, ascendem a cargos gerenciais de nível tático, mas não sobem para cargos executivos. Essas mulheres que enfrentam o teto de vidro são, em sua maioria, brancas. Mas as mulheres negras ainda estão na base da organização ou têm muitas barreiras para a própria entrada no mercado de trabalho formal. Muitas estão na informalidade e não têm acesso a posições com carteira assinada."

Na arte, temos uma rainha para o povo negro. Temos uma Beyoncé, que vem para Salvador - a maior concentração de pessoas pretas num território fora da África - num resgate cultural para as pessoas negras. Ela arca com todos os custos e fomenta o empoderamento que pessoas brancas tentam todos os dias roubar de nós. Beyoncé é criticada pela Pitty, porque, na ótica de uma mulher branca, quem seria ela para "errar o timing" e aparecer sem a permissão de gente branca no seu país?

Quantas "Luísas Sonza" temos e o quanto de pano são passados para elas diariamente quando elas são racistas com mulheres negras e arrastam por anos um processo até chegar num acordo irrisório?

Mas temos também uma Taylor Swift, que vem realizar shows no mesmo país que Beyoncé ousou desembarcar, mas vem para cantar majoritariamente para pessoas brancas. Aqui, Swift tira a grana de muita gente que acampa por dias para vê-la no palco.

Numa das maiores desgraças existentes na história de shows nesse mesmo país, é tirada também uma vida! A morte de uma fã. Taylor não diz nada em nenhuma das apresentações posteriores pois "é difícil demais falar sobre o assunto". Quem morreu? Uma mulher negra. O quanto criticamos Taylor Swift?

Pitty, onde você estava quando a mãe enterrava essa filha? Onde estavam as mulheres brancas quando essa vida negra era tirada?

Gaby Amarantos escreveu uma carta aberta para Pitty, extremamente respeitosa e lúcida, para demonstrar o erro cometido pela amiga. Se posicionou publicamente pois alguém precisa mostrar sim para a sociedade o que é aceitável e o que não é, e os motivos pelos quais algumas coisas não podemos mais deixar passar.

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Racismo não podemos deixar passar. Essa mazela precisa ser excluída do mundo!

Mas as miras se viram contra Gaby, assim como se viram contra outras pessoas negras que se posicionaram criticando Pitty, mesmo que em tom de "ensinamento", sobre quão errada estava a fala dela. Tem alguém passando pano para o povo preto que está sendo atacado por conta do que uma mulher branca disse? E, Pitty, entenda: literalmente, o pano que se passa para uma mulher branca errar está sendo esfregado por uma mulher preta ajoelhada no chão.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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