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Anderson Baltar

Falta de repasses faz Mocidade, Mangueira e São Clemente cancelarem ensaios

Desfile da Beija-Flor, campeã do Carnaval 2018 do Rio de Janeiro - Clever Felix/Brazil Photo Press/Folhapress
Desfile da Beija-Flor, campeã do Carnaval 2018 do Rio de Janeiro Imagem: Clever Felix/Brazil Photo Press/Folhapress

30/11/2018 13h29

 Em uma crise financeira sem precedentes, as escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro vivem dias de incerteza por conta da dificuldade em ter os repasses oficiais e da fuga de patrocinadores. Nos últimos dias, três escolas anunciaram a suspensão provisória de atividades em suas quadras: Mocidade Independente de Padre Miguel, São Clemente e Estação Primeira de Mangueira. A Mocidade foi ainda mais radical e anunciou que não se fará presente na festa de lançamento do CD, na próxima segunda-feira (03), na Cidade do Samba.

Com um relacionamento complicado com o prefeito Marcelo Crivella desde o ano passado, quando o governo municipal resolveu cortar R$ 1 milhão da subvenção de cada escola, a Liesa tem encontrado dificuldades para organizar o próximo desfile. Após várias tentativas, até hoje os dirigentes das escolas ainda não foram atendidos pelo prefeito. A cessão da Passarela do Samba, que normalmente ocorre em setembro, se deu com quase dois meses de atraso - o que prejudicou o cronograma de venda de camarotes e frisas e postergou ainda mais o faturamento das agremiações.

Nos últimos dias, duas notícias agravaram ainda mais a situação. Os supermercados Guanabara, uma das maiores redes da cidade, que tradicionalmente patrocinavam os desfiles e detinham um grande camarote na Sapucaí, anunciaram a sua saída do Carnaval. E a Uber, que no ano passado, via edital da Riotur, complementou as verbas das escolas em R$ 500 mil, informou que não investirá neste ano. Comenta-se que a matriz americana não teria ficado nada satisfeita com as denúncias contra Francisco de Carvalho, presidente da Mangueira, preso recentemente por supostamente ter recebido repasses do ex-governador Sérgio Cabral para financiar o desfile da escola.

O clima na Cidade do Samba é de apreensão e muitos barracões trabalham em um ritmo mais lento ao que normalmente se daria nesta época do ano. Em nota oficial, a Mocidade Independente de Padre Miguel informou o cancelamento de rua do próximo domingo (02) e a sua ausência na festa de segunda-feira. Segundo a nota, "a direção da agremiação julga incoerente integrar festejos mediante tamanha indefinição sobre o repasse de verbas da Prefeitura do Rio de Janeiro para o próximo desfile (...). A Mocidade coloca-se ao lado dos funcionários e colaboradores que lhe prestam serviços, e neste momento passam dificuldades para prover o sustento de suas famílias".

Em sua conta no Facebook, o vice-presidente da escola, Rodrigo Pacheco, justificou o cancelamento do ensaio por conta da situação financeira crítica que a Mocidade vive com os atrasos nos repasses: "Um ensaio de rua, por exemplo, custa aproximadamente R$ 10 mil por data, custos que envolvem aluguel de caminhão de som, segurança, equipamentos de rádio e logística do ensaio. Sendo assim, fica inviável manter os custos, uma vez que a Escola já não recebe repasses há quase 3 meses".

A Mangueira, nesta quinta-feira (29), anunciou a suspensão provisória de suas atividades de quadra. Os ensaios dos dias 1º, 8, 15 e 22 de dezembro estão suspensos. A sede só reabrirá ao público no dia 29, com o tradicional ensaio pré-Réveillon. A justificativa da verde e rosa foi de que " a Mangueira precisa da garantia desses recursos para o planejamento financeiro e o desenvolvimento do seu enredo, cumprindo prazos com fornecedores e toda equipe que brilhantemente desenvolve o espetáculo aclamado na Sapucaí e tão divulgado em todo o mundo".

A São Clemente foi outra escola que anunciou a suspensão dos ensaios. A única atividade prevista para o mês é a realização de um evento no dia 9 de dezembro no Clube Guanabara. Como as coirmãs, informou que "como melhor forma de organizar as finanças atuais, retomaremos os ensaios a partir de janeiro".

A situação, sui generis, mostra o quanto as escolas de samba do Rio de Janeiro encontram-se reféns de uma realidade financeira que não se justifica mais, seja pela crise econômica, pela retração dos investimentos públicos e privados e, sobretudo, pela falta de credibilidade que os últimos atos da Liesa trouxe para a festa. O cancelamento dos rebaixamentos nos Carnavais de 2017 e 2018 foram extremamente danosos para a imagem da liga. 

A virada de mesa do último Carnaval, por sinal, traz uma particularidade: a manutenção da Acadêmicos do Grande Rio se deu por conta da gama de patrocinadores que a escola traria para o desfile, além da força de seu tradicional camarote. Como ironia, na semana passada a escola anunciou o fim de seu espaço na avenida. Acabou sendo vitimada pela consequência que o desrespeito ao regulamento trouxe para o Carnaval das escolas de samba.

Há muito divorciadas da vida do carioca comum, com uma visão de marketing ultrapassada e ainda extremamente dependentes de verbas oficiais, as escolas de samba cariocas precisam encontrar um novo caminho. Mesmo reconhecendo a necessidade de manter as contas em dia, é sempre preocupante vermos entidades culturais deixando de abrir suas portas. Neste momento de crise, um dos caminhos para a superação é voltar a abrir pontes com a população. Sem reconquistar a simpatia popular e sem buscar soluções criativas para sua subsistência, alinhadas à realidade das redes sociais e das novas mídias, as escolas de samba estarão condenadas a se tornarem um espetáculo em extinção. 

Anderson Baltar