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Catador que fez faculdade depois dos 30 é indicado em ministério; conheça

Formado em ciências sociais depois dos 30, Cardoso quer levar o conhecimento à periferia e para os seus colegas de profissão. - Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso
Formado em ciências sociais depois dos 30, Cardoso quer levar o conhecimento à periferia e para os seus colegas de profissão. Imagem: Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, Em São Paulo

09/02/2023 06h00

Depois de Aline Souza, catadora que passou faixa para Lula em sua posse, outro catador e cientista social ganha destaque no governo. Trata-se do gaúcho Alexandro Cardoso, que foi indicado por coletivos e entidades ligados à causa dos catadores e meio ambiente para direção do Departamento de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente.

"A discussão sobre ter um catador no executivo vem desde o ano passado no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e na Expocatadores, onde solicitamos formalmente ao Lula (PT)", diz Cardoso.

Dar atenção e "lugar aos catadores" também foi assunto tratado no discurso de posse de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, que participou no dia 26/1 do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, e recebeu a indicação de Cardoso em mãos.

Cardoso é a terceira geração de catadores de sua família, seus pais trabalharam com catação desde sua infância, seguindo os passos de seus avós. "Com dois meses de idade eu já era levado no carrinho de recicláveis enquanto meus pais trabalhavam. Um dia, ao fim do trabalho, uma caixa caiu e quase fiquei para trás. Minha mãe havia me colocado na caixinha para me proteger do vento", diz.

Liderança da classe catadora

Alexandro Cardoso entrega seu livro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). - Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso - Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso
Alexandro Cardoso entrega seu livro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Imagem: Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso

A trajetória na reciclagem começou cedo para Cardoso, que aos 16 anos foi pai e abandonou os estudos. Dois anos depois fundou a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada (Ascat), da qual faz parte até hoje. Em 2001, participou do congresso que deu origem ao MNCR, representando o Rio Grande do Sul.

"Como na época era um dos poucos que tinha celular acabei sendo o contato do MNCR, fui aprendendo mais e me aproximado do governo e de algumas representações na ONU, nas COPs e levando a pauta sobre a reciclagem dos resíduos", conta

Atualmente, Cardoso representa os catadores de recicláveis na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e tem o cargo de delegado oficial na Aliança Global dos Catadores de Materiais Recicláveis (Globalrec) na Organização das Nações Unidas (ONU).

"Sou um conhecedor da pauta dos resíduos, há tempos me organizo com o Estado, com os catadores, faço logísticas de coleta seletiva e organização de cooperativas. Tenho qualificações como gestor de resíduos pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Então, uno a minha experiência de vida e formação", afirma Cardoso.

Para o grafiteiro e ativista Mundano, percursor do movimento e ONG Pimp My Carroça, é justo que o cargo seja ocupado por um catador com experiência no território nacional, assim como Cardoso, para que possa transformar o problema dos resíduos em oportunidade social e ambiental.

"O Brasil enterra R$ 14 bilhões em materiais recicláveis em lixões e aterros todos os anos, e pior, ainda pagamos mais do que isso para empresas fazerem esse serviço. É inconcebível que isso exista num país com milhões de pessoas em insegurança alimentar", diz o grafiteiro e ativista.

União dos estudos com experiência na carroça

Para assumir o cargo ainda é necessária da nomeação do Governo Federal, mas Cardoso enxerga que a indicação já é um passo e tanto para começar a tratar da proteção ambiental promovida pelos catadores com um olhar mais cuidadoso e respeitoso a esses trabalhadores.

"A reciclagem no Brasil é muito importante, pois gera trabalho para as pessoas que foram excluídas dos ambientes formais", afirma Cardoso.

Alexandro Cardoso afirma ter sofrido preconceito pela falta de ensino formal: "Muitas vezes fui entendido como alguém ignorante por só ter a sexta série do ensino fundamental e isso me incomodava. Então, aos 34 voltei aos estudos e me graduei em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)".

Cardoso é a terceira geração de catadores da sua família. - Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso - Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso
Cardoso é a terceira geração de catadores da sua família.
Imagem: Arquivo pessoal/ Alexandro Cardoso

A conquista do diploma de nível superior não afastou Cardoso da cooperativa de catadores, pelo contrário, o fez querer celebrar as conquistas com seus colegas de trabalho e a defesa do seu trabalho de conclusão de curso foi feita em 2022 no galpão de reciclagem da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada (Ascat), da qual Cardoso faz parte.

"Fiz a defesa em 1º de março, Dia Internacional dos Catadores. Mais de 3.500 pessoas e catadores de vários continentes estavam assistindo de forma online e 80 pessoas presencialmente.", diz.

Atualmente, Cardoso cursa mestrado em antropologia na UFRGS e lançou dois livros que perpassam suas experiências pessoais e reflexões sobre seus estudos e trabalho como catador - 'Do lixo ao bixo' e 'O Eu Catador - reciclando humanidades'.

"Reafirmo nas obras que esses que são frutos da periferia, são frutos da resistência, e acessam o ensino superior têm de voltar à periferia e retornar o seu trabalho para que todos avancem.", diz.

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