Topo

Do pó ao pop: cinzas de florestas queimadas viram arte e ajudam brigadistas

Releitura de Cândido Portinari: "O lavrador de café" pintada com cinzas. - André D"Elia
Releitura de Cândido Portinari: 'O lavrador de café' pintada com cinzas. Imagem: André D'Elia

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, em São Paulo (SP)

21/10/2022 06h00

As queimadas são um problema em diversos biomas do Brasil. Nos últimos anos foram registrados recordes alarmantes. Em agosto deste ano, mais de um milhão de hectares arderam em chamas na Amazônia, seguidos por mais de 47 mil na Mata Atlântica e mais de 19 mil no Pantanal, de acordo com dados do MapBiomas.

Após consumidos pelo fogo, fauna e flora têm como destino desaparecer por completo deixando apenas cinzas de sua existência. Tocado pelo problema ambiental, o artista e ativista, Thiago Mundano, decidiu 'mudar o fim silencioso' da natureza morta - e embarcou em uma expedição em 2021, que tinha como objetivo recolher as cinzas de biomas brasileiros que sofrem com queimadas para usá-las diretamente em sua arte, transformando-as em tintas.

Releitura de Portinari pintada com cinzas das queimadas

As cinzas que viraram pigmentos deram origem a um extenso painel que faz uma releitura da obra "O Lavrador de café", de Cândido Portinari, que Mundano nomeou de "O Brigadista da Floresta".

A pintura, feita em 2021, presta uma homenagem à Rede Nacional de Brigadistas Voluntários, pessoas comuns, que se unem, como podem, contra o fogo que consome a mata em diferentes locais do Brasil.

O brigadista Vinícius Curva de Vento, modelo de Mundano para a criação do mural, posa próximo à obra, que foi inaugurada dia 19 de outubro de 2021 - Chop 'em Down - Chop 'em Down
O brigadista Vinícius Curva de Vento, modelo de Mundano para a criação do mural, posa próximo à obra, que foi inaugurada dia 19 de outubro de 2021
Imagem: Chop 'em Down

Mesmo após a pintura no edifício, ainda restaram cinzas, e o artista distribuiu o excedente a 152 artistas de 11 estados brasileiros, que pintaram mais de 200 obras, que dão vida à exposição 'Cinzas da florestas', que está em São Paulo na Passagem literária da Consolação (esquina da Av. Consolação com a Av. Paulista) até 30 de outubro.

Cinzas enviadas aos artistas ajudam a proteger florestas vivas

"Cada um desses artistas retrata o que sentiu ao usar as cinzas. De forma geral, as obras mostram a floresta queimando, animais e um pouco dessa dor da queimada. Por outro lado, também trazem a beleza de usar as cinzas que são o fim para fazer algo novo", diz Mundano a Ecoa.

Todo o valor arrecadado da venda das obras, que podem ser compradas online, será destinado para apoiar a Rede Nacional de Brigadistas Voluntários.

"A venda das obras ajudará a estruturar e apoiar as brigadas, como na compra de EPIs e outras necessidades. Faltam recursos para esses voluntários, que muitas vezes não têm dinheiro para coisas básicas. Esse valor vai ajudar a preservar os biomas e, ao fim, nós mesmos. Ao todo, já conseguimos R$ 40 mil arrecadados com as vendas", conta.

A artista AFolego (Carolina de Luiz Folego Silva), que faz parte do projeto, trouxe em sua obra o próprio poder de devastação das chamas, que marcam os cantos de sua tela.

"O papel foi queimado e quase destrói a obra, quis passar essa ideia. Fiz minha obra com cinzas da floresta da Amazônia, ao receber o material eu senti muita tristeza. Desenhei uma família tradicional brasileira, que é a família indígena, que já estavam aqui antes dos colonizadores", conta AFolego.

Arte de AFolego (Carolina de Luiz Folego Silva). - Acervo 'Cinzas da Floresta' - Acervo 'Cinzas da Floresta'
Arte de AFolego (Carolina de Luiz Folego Silva).
Imagem: Acervo 'Cinzas da Floresta'

"Um pouco mais distante da família, pintei uma árvore queimada. Tentei passar a ideia de que a árvore é um parente também e faz parte da nossa família, não vivemos plenos sem as árvores", completa a artista.

Para Mundano, a exposição e a ação de coleta das cinzas vai além de uma crítica às queimadas e a ajuda financeira direta à Rede Nacional de Brigadistas Voluntários, serve também como uma forma de estímulo ao trabalho dessas pessoas e na criação de uma consciência sobre esse problema ambiental.

"Estamos estimulando que mais brigadistas se voluntariem. Além disso, não estamos defendendo a natureza, nós artistas - e todos nós - somos a natureza. Espero que essa exposição seja cíclica, pois infelizmente as cinzas das florestas talvez sejam a matéria-prima mais abundante do nosso país", diz o artista.

Serviço

Exposição 'Cinzas da florestas'

Passagem literária da Consolação, esquina da Av. Consolação com a Av. Paulista, São Paulo (SP)

Até 30 de outubro de 2022.