MP investiga censura da PM em músicas de Chico Science no Carnaval
Artistas de rock contratados para tocar em polos alternativos do Carnaval 2020 em Recife e região metropolitana relataram que foram censurados e sofreram intimidações da Polícia Militar durante os shows ao cantarem músicas de Chico Science, músico e compositor pernambucano criador do movimento Manguebeat. Hoje, o Ministério Público Estadual abriu inquérito civil para investigar "possíveis violações à cultura da população e à liberdade de expressão e artística dos músicos."
As bandas Devotos, de Pernambuco, e Janete Saiu Para Beber, da Paraíba, relataram que sofreram censura de policiais militares ordenando finalizarem apresentações, além de ameaças de serem presos, quando cantaram músicas de Chico Science & Nação Zumbi. Os artistas fizeram relatos em redes sociais após os episódios ocorridos em locais e dias diferentes.
Uma das músicas em questão tocada pelas bandas está "Banditismo por uma questão de classe", do disco Da Lama ao Caos, gravado em 1994, por Chico Science & Nação Zumbi. Trecho que diz "Em cada morro, uma história diferente / que a polícia mata gente inocente / e quem era inocente hoje já virou bandido / Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido / Banditismo por pura maldade / Banditismo por necessidade / Banditismo por uma questão de classe."
Em portaria assinada hoje pelo promotor Westei Conde y Martin Junior, da promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, o Ministério Público informou que os artistas, representantes da Polícia Militar e o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua Vieira, vão ser intimados para prestar depoimentos. O MPE disse ainda que solicitou à PM a relação com os nomes dos policiais que atuaram durante os shows que os artistas relataram problemas.
O Ministério Público explica que decidiu investigar o caso porque considerou que não é de competência da Polícia Militar de Pernambuco "o papel de eleger repertório musical ou mesmo interferir no conteúdo das produções e apresentações artísticas", disse o promotor, destacando que a "eventual interferência constitui, na prática, censura".
A banda Janete Saiu Para Beber afirmou que foi censurada e repreendida pela PM durante uma homenagem a Chico Science em um festival de música alternativa instalado na Rua do Apolo, no Bairro do Recife, em Recife, na segunda-feira de Carnaval. "A polícia acabou com nosso show, cercando o palco e fazendo uma barreira entre nós e o público. O argumento era: não pode tocar Chico Science", disse.
A banda usou três publicações para explicar o ocorrido e destacou que os músicos respeitam o trabalho da Polícia Militar, mas são contra "qualquer tipo de ação que irá inibir manifestações artísticas em suas várias formas". No repertório da banda estavam as músicas "Sangue de Bairro", 'Monólogo ao Pé do Ouvido" e "Banditismo, por uma questão de classe'.
"Essas canções irritaram alguns dos policiais presentes, que foram questionar a produção do evento sobre o teor das músicas. (...) Policiais que estavam dialogando com os produtores, ameaçaram prender o vocalista por desacato e injúria, e pediram o imediato encerramento da apresentação", relatou a banda Janete Saiu Para Beber. Segundo o grupo, logo após a situação, os policiais fizeram uma barreira entre a banda e o público na tentativa de "intimidar todos os presentes."
Outro grupo musical que alegou ter sofrido censura dos militares durante apresentação foi o Devotos. Os artistas estavam tocando no polo Várzea, subúrbio do Recife, no domingo (23), quando policiais militares informaram que o cantor Cannibal iria ser preso e o show seria encerrado caso continuassem a tocar músicas de Chico Science.
A Devotos relatou que a ameaça ocorreu durante uma homenagem a Chico Science, dentro da sequência das músicas "De Andada', do disco mais recente do grupo, "O Fim Que Nunca Acaba", e "Luz da Salvação", do disco "Agora Tá Valendo", que recebem trechos da letra de 'Banditismo por Uma Questão Classe', de Chico Science.
"Foi passada ao nosso roadie, a notícia que a polícia não havia gostado do conteúdo das letras e ameaçou, caso o show continuasse com esses temas que citassem a polícia, iriam acabar o show e levar Cannibal preso. Se isso não for censura, não sabemos o que é. O show continuou, eles (os policiais) não subiram no palco e nem tocaram na banda, mas a ameaça foi feita", destacou a banda.
A Devotos destacou que segue a linha das músicas com letras coloquiais com denúncias como forma de relatos para problemas sociais. "Infelizmente estamos vivendo um regime de repressão velada, que para a maioria é normal, mas para quem trabalha com cultura, e cultura voltada para o resgate social, como é o nosso caso, sabe que estamos sendo minados, perseguidos e ameaçados de não exercer nossas ações e querem calar nossas vozes", afirmou.
O cantor China, ex-vocalista da banda Sheik Tosado, também relatou problemas com a polícia em apresentação ocorrida no polo da lagoa de Araçá, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife. Segundo ele, militares tentaram invadir o palco para encerrar a apresentação por conta do horário excedido, que foi ocasionado porque toda a grade de shows do polo estava atrasada. China afirmou que apesar do problema, a apresentação teve "final apoteótico com a polícia em cima do palco tentando encerrar meu show."
"Não sabia que era a polícia que cuidava do cronos [tempo] dos shows do Carnaval. Só tenho a agradecer muito a minha empresária e produtora que se colocaram a frente da polícia e não deixaram eles invadirem o palco pra encerrar o show. Duas mulheres fortes e incríveis. A cultura jamais pode ser censurada. A cultura tem de ser ovacionada, espalhada por todos os cantos, pois é a cultura que semeia novas flores", destacou China.
A Polícia Militar negou, em nota distribuída à imprensa, que exista proibição de determinadas músicas serem tocadas durante o Carnaval ou em qualquer época do ano e orientou que quem tenha sofrido algum tipo de "abuso deve procurar o batalhão responsável ou mesmo a corregedoria geral para formalizar uma queixa e possibilitar uma detalhada apuração de todos os fatos."
"O efetivo somente orienta a suspensão de blocos que tenham estourado o tempo previsto para o desfile, por causa do planejamento operacional, que provoca o recolhimento da tropa após a dispersão dos foliões", destacou a polícia, informando que "deixar que a festa prossiga sem a presença de policiais colocaria em risco a segurança de todos.
O cantor China, ex-vocalista da banda Sheik Tosado, também relatou censura em apresentação ocorrida no polo da lagoa de Araçá, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, quando o repertório do show começou a tocar músicas de Chico Science. China afirmou que apesar da censura, a apresentação teve "final apoteótico com a polícia em cima do palco tentando encerrar meu show."
Banditismo
Autor: Chico Science
Disco: Da Lama aos Caos
Letra
"Há um tempo atrás se falava em bandidos
Há um tempo atrás se falava em solução
Há um tempo atrás se falava em progresso
Há um tempo atrás que eu via televisão
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabeluda
Biu do olho verde é que fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabeluda
Biu do olho verde é que fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Oi sobe morro, ladeira córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
Quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava muitos hoje ainda falam
"Eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala!"
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabeluda
Biu do olho verde é que fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabeluda
Biu do olho verde é que fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Sobe morro, ladeira córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
Quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava muitos hoje ainda falam
"Eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala!"
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por uma questão de classe
Banditismo por uma questão de classe
Banditismo por uma questão de classe
Banditismo por uma questão de classe"
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