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Leo Dias

Escolas de samba deixam a ousadia de lado e só querem ganhar o Carnaval

Desfile da Beija-Flor, em 1989, quando foi vice-campeã - Reprodução/Youtube
Desfile da Beija-Flor, em 1989, quando foi vice-campeã Imagem: Reprodução/Youtube

04/02/2020 10h44

Toda arte requer liberdade criadora. Certo? Mais ou menos. O Carnaval do Rio de Janeiro vive um grande dilema: ousar ou ganhar o Carnaval? As duas coisas é algo praticamente impossível, baseado nas notas dos jurados nos últimos anos.

Leandro Vieira, da Mangueira, é hoje o maior carnavalesco do Brasil, o cara mais ousado do momento, aquele que procura um assunto tradicional e conservador e vira de cabeça pra baixo. Faz a gente pensar, faz a gente se questionar. Mas a arte dele incomoda muita gente. O tema desse ano da escola promete deixar muito cristão de cabelo em pé. Ele vai usar Jesus Cristo para falar do brasileiro oprimido. É preciso chocar para chamar a atenção. É preciso desagradar alguns para fazer muitos pensarem.

O problema é que os jurados precisam deixar de lado as suas convicções e terem a real consciência da função da arte. Ninguém quer que o jurado dê a nota pensando em seu gosto pessoal, mas sim no que a ousadia representa para o espetáculo.

Por conta disso temos tido, cada vez mais, desfiles óbvios. As escolas apostam no tradicional para apenas "fazer o dever de casa". Não dá. O desfile das escolas de samba precisam provar que a arte popular tem ainda relevância na sociedade.

Até Paulo Barros, o carnavalesco que sempre surpreendeu com seu carnaval americanizado, teve que apresentar um enredo óbvio para a Viradouro no ano passado. Parece piada, mas a escola falou de cinderela, lobisomem, gato de botas e soldadinho de chumbo.

Os jurados só conseguem aceitar a ousadia quando há uma comoção popular. Foi o caso da Tuiuti em 2018: a escola colocou Michel Temer, o então presidente de vampiro, numa crítica pesada ao governo da época. Imediatamente, foi o assunto mais comentado na internet. Era o primeiro dia de desfiles, o jurado foi pra casa e viu que o Brasil só falava nisso. Por isso, a agremiação foi vice-campeã.

A Grande Rio esse ano finalmente resolveu mudar radicalmente e trazer um tema religioso para o Carnaval. Falar de religião, política e outros assuntos "intocáveis" é mexer em vespeiro, e isso faz bem ao cérebro.

Mais vale fazer um desfile revolucionário do que ganhar o Carnaval.

Você sabe quem ganhou o Carnaval de 1989? Imperatriz. A vice-campeã foi a Beija Flor com o desfile mais revolucionário da história: "Ratos e urubus, larguem minha fantasia".

Por isso, essa modesta coluna pede aos jurados, deixem a ousadia tomar conta do Carnaval.

Leo Dias