Incêndios nos EUA alertam sobre o clima no mundo - e não estamos preparados

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Os incêndios que tomaram Los Angeles nas últimas semanas originaram por vários fenômenos simultâneos, mas especialistas apontam que as mudanças climáticas podem ter potencializado a intensidade do fogo, acendendo um alerta global.
O que aconteceu
2024 terminou como o ano mais quente já registrado. A temperatura foi 1,6°C acima do período pré-industrial, segundo o observatório europeu Copernicus. Essa mudança influencia em toda a dinâmica da atmosfera — e consequentemente do ecossistema.
Nunca a temperatura esteve tão alta. Todos os fenômenos extremos como secas, ondas de calor, rajadas de ventos e incêndios florestais está acontecendo como nunca foi antes. A ciência já indicava que não poderíamos passar de 1,5ºC e, por isso, [deveríamos] reduzir as emissões de carbono. Mas isso não aconteceu e não tivemos uma adaptação ao novo cenário. A explosão dos incêndios em Las Vegas mostra isso. Carlos Nobre, cientista especialista em mudanças climáticas
Incêndio anterior pode ter provocado chamas da semana passada. Uma análise do Washingnton Post mostrou que um antigo incêndio na véspera do Ano-Novo poderia ter reacendido, mesmo após esforços dos bombeiros para apagá-lo. O fenômeno pode ter ocorrido pelas condições de vento na região. Autoridades disseram que podem levar semanas ou meses para identificar a verdadeira causa do incêndio.
Potência de fogo pode ter ocorrido por "chicotada climática", um fenômeno de oscilação brusca de tempo. Um estudo publicado na Nature Reviews Earth & Environment mostrou que nos últimos dois anos os invernos na Califórnia foram excepcionalmente chuvosos, o que provocou o crescimento de arbustos e grama no território. Com a chegada da primavera, o clima esquentou e tornou a área de Los Angeles muito seca. Na Califórnia, o bioma é o chaparral, cuja vegetação é altamente inflamável.
Essa sequência de 'chicotadas' na Califórnia aumentou o risco de incêndio duas vezes: primeiro, aumentando enormemente o crescimento de grama e arbustos inflamáveis nos meses que antecederam a temporada de incêndios e, em seguida, secando-os a níveis excepcionalmente altos. (...) Quando os ventos fortes se sobrepõem a condições de vegetação extremamente seca, como é o caso atualmente, podem ocorrer condições de incêndio florestal muito perigosas. Daniel Swain, cientista climático da UCLA ao Los Angeles Times
Aquecimento global influenciou o aumento das "chicotadas climáticas". Os pesquisadores identificaram que, com o constante aumento da temperatura da Terra, o fenômeno de oscilação brusca de tempo está mais frequente. Eles examinaram dados meteorológicos do século 20 e concluíram que as "chicotadas climáticas" cresceram de 31% a 66%. A previsão é de que elas mais do que duplicarão nos próximos anos, caso a temperatura média global aumente 3ºC em comparação com os níveis pré-industriais.
Não é apenas nos EUA
Fenômenos estão mais extremos após temperatura média global aumentar. Não é apenas em Los Angeles que incêndios podem ser mais potentes. No estudo sobre a "chicotada climática", os cientistas identificaram o fenômeno ocorrendo em outras partes do mundo, como na África Oriental em 2023, quando chuvas torrenciais antecederam um longo período de seca.
Aumento da temperatura interfere em várias dinâmicas da atmosfera. Outro aspecto que chamou atenção para a propagação rápida dos incêndios em Los Angeles foram os ventos de Santa Ana. Cientistas advertem que as mudanças climáticas são capazes de alterar até os padrões destes ventos — o que torna um risco em casos de incêndios.
Com o aquecimento global, todos os fenômenos meteorológicos sofrem impactos [em todo o mundo], como a velocidade do vento. No caso de Los Angeles, foi uma das maiores velocidades já registradas na história. Carlos Nobre
Nem os ricos estão adaptados para as mudanças climáticas. Historicamente, populações mais vulneráveis são mais afetadas por eventos climáticos extremos, como foi observado em Petrópolis em 2022. Um relatório do Banco Mundial já antecipou que eventos relacionados ao clima podem levar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros à pobreza extrema a partir de 2030. Mas a adaptação ao novo cenário climático não está ocorrendo nem mesmo onde circula o dinheiro.
Os incêndios em Los Angeles afetaram todo mundo, inclusive os super-ricos. Quando houve os incêndios no Chile, uma grande parte de pessoas afetadas eram de classe média. No caso de fogo, o impacto é semelhante para todos. No ano passado, com as queimadas na Amazônia e no interior de São Paulo, os poluentes afetaram a saúde de todo mundo. O incêndio não faz distinção. Carlos Nobre
COP 30 no Brasil é ponto-chave para mudança. Especialistas tendem a concordar que as últimas edições da COP (Conferência das Partes da ONU) não avançaram nos diálogos para frear as mudanças climáticas e adaptar as sociedades ao novo cenário. A expectativa é a de que o evento, realizado este ano em Belém, possa englobar não apenas metas mais urgentes, como também melhorar propostas de financiamento climático e educação ambiental.
Se chegar novembro e a temperatura continuar a aumentar, todos os países terão que concordar em reduzir o mais cedo possível as emissões de carbono. E ainda assim a temperatura estará alta. Vimos em 2024 vários recordes sendo atingidos e que as populações mundiais estão pouco adaptadas, principalmente os países mais pobres. A COP 30 tem que trazer um discurso para que as populações se preparem muito mais. E não é só uma discussão de dinheiro, mas também de cultura e comportamento. Carlos Nobre
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