Qual é o papel dos governos e organizações na resolução da crise climática?

Um dos maiores desafios do século, a resolução da crise climática exige ações coordenadas em nível global. Nesse cenário, governos e organizações internacionais assumem um papel crucial na busca por soluções, acordos e implementação de medidas capazes de frear o avanço das mudanças climáticas.
Quais as principais ações que os governos podem adotar na crise climática?
No âmbito internacional, a principal ação é estabelecer uma NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) alinhada com as metas de descarbonização estabelecidas no Acordo de Paris. É essencial que a meta seja capaz de mobilizar os diferentes setores da sociedade e direcionar recursos para atingir as metas propostas. A NDC se refere ao compromisso dos países de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
No âmbito doméstico, é fundamental que os governos deem um direcionamento claro sobre as ações necessárias para descarbonizar sua economia. Isso inclui comunicar à sociedade os desafios a serem enfrentados e as oportunidades que surgem nesse processo, garantindo que a transição seja justa e equitativa, não deixando ninguém para trás.
Os governos também podem alocar os recursos públicos de forma adequada, ao mesmo tempo em que criam mecanismos e incentivos para atrair capital privado nos setores e atividades em que isso for mais estratégico para o país.
Qual o papel da ONU na luta contra a crise climática?
Se pensarmos que todos nós compartilhamos uma mesma atmosfera, não é possível enfrentar a crise climática sem mobilizar todos os países na solução. Não adianta um país reduzir suas emissões se os outros continuarem emitindo em larga escala. A crise climática não será resolvida com acordos bilaterais ou pelas empresas, ela precisa de um acordo entre as nações.
Nesse sentido, a ONU é o principal fórum de multilateralismo global, servindo como um espaço de diálogo e cooperação entre países para abordar desafios comuns.
Na prática, a ONU exerce esse papel através da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) que coordena as negociações climáticas globais promovendo o compromisso coletivo, a transparência e o monitoramento dos avanços em relação ao Acordo de Paris. Vale ressaltar que cada país tem direito a um voto e as decisões são adotadas quando há um consenso entre todos.
Com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o agravamento da crise climática e seus impactos cada vez maiores é fundamental:
Aumentar a ambição das metas climáticas dos países (NDCs), garantindo políticas robustas para sua implementação.
Ampliar o financiamento climático, hoje muito aquém do US$ 1,3 trilhão anuais necessários, garantindo transparência e eficácia na sua utilização.
Promover a cooperação tecnológica, facilitando a transição energética global.
Qual o papel do Banco Mundial no financiamento de ações climáticas?
O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional que oferece assistência de longo prazo para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza, por meio de apoio técnico e financeiro para ajudar os países a implementarem reformas ou projetos.
Em 2024, o Banco Mundial destinou US$ 42,6 bilhões para ações de combate às mudanças climáticas, um aumento de 10% em relação ao ano anterior. Para 2025, o banco se comprometeu que 45% do financiamento total seja direcionado à adaptação climática.
Embora o montante de recursos seja expressivo, o Banco Mundial não suprirá sozinho toda a necessidade de recursos para financiamento climático, estimado em US$ 1,3 trilhão ao ano. Por isso, é essencial que outros atores públicos e privados, como fundos filantrópicos e bancos comerciais e de fomento, atuem para ampliar os recursos disponíveis para essa agenda, ao mesmo tempo em que criam processos para desburocratizar e facilitar o acesso a eles.
Quais são os desafios para o financiamento climático?
Atualmente, o principal desafio do financiamento climático é que o valor de US$ 300 bilhões por ano definido na última COP (COP29 em Baku, Azerbaijão) está muito aquém do US$ 1,3 trilhão anual estimado como necessário para apoiar países em desenvolvimento na transição para economias de baixo carbono e na adaptação aos impactos das mudanças climáticas.
Um dos pontos negativos na última COP foi o enfraquecimento da responsabilidade dos países desenvolvidos no financiamento climático.
Além disso, existe um desafio relacionado à própria definição de financiamento climático, uma vez que cada governo utiliza seus próprios critérios para avaliar o que considera como tal, atraindo, muitas vezes, críticas de grupos da sociedade civil organizada e dos países em desenvolvimento. A falta de uma definição universalmente aceita torna a verificação da meta de financiamento desafiadora.
Como as instituições financeiras poderiam participar dele?
As instituições financeiras internacionais poderiam trabalhar de forma conjunta na construção de uma taxonomia — conjunto de regras amplamente aceito pelo setor financeiro internacional do que pode ser considerado como financiamento climático. Isso poderia influenciar governos e o debate internacional a padronizar as regras, oferecendo maior segurança jurídica aos provedores de capital em relação aos projetos que apoiam ações de mitigação e adaptação.
- Grande parte do financiamento climático é provido na forma de empréstimos, o que agrava o problema de endividamento externo dos países que mais precisam desses recursos por serem os mais vulneráveis às mudanças climáticas. Seria necessário um núcleo de financiamento público dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Esse dinheiro poderia vir de doações ou de empréstimos com juros muito abaixo do mercado.
- No aspecto operacional, provedores de capital em geral poderiam adotar novas métricas de avaliação de investimento que incorporem o risco sistêmico de longo prazo trazido pela crise climática em suas análises de risco e retorno de investimento.
- Para atrair mais investimentos em projetos climáticos, é preciso diminuir o risco para os investidores. Uma forma de fazer isso é usar o "blended finance", que combina diferentes fontes de capital para tornar os projetos mais seguros para os investidores comerciais.
Quais os desafios para implementar políticas climáticas em escala global?
- As divergências geopolíticas e econômicas, como, por exemplo, os conflitos de interesse entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre as responsabilidades históricas e o financiamento necessário para combater a crise climática.
- A falta de ação coordenada entre as nações para a implementação dos acordos na velocidade necessária. Por exemplo, em 2023 os países reconheceram que precisam se afastar dos combustíveis fósseis de maneira justa, mas nenhum país quer ser o primeiro a deixar de produzir petróleo, pelo contrário, muitos, como o próprio Brasil, querem ampliar sua exploração. Nesse sentido, seria necessário uma espécie de cronograma sinalizando quais países serão os primeiros e quais serão últimos a abandonar os combustíveis fósseis, visando tirar esse compromisso do papel.
- A assimetria de infraestrutura e tecnologia impossibilita que todos os países possam enfrentar ações de resiliência e combate à questão climática na mesma escala.
- É imprescindível o engajamento do setor empresarial e da sociedade civil para pressionar por decisões e também pela implementação dos acordos feitos no âmbito de discussões, como as que ocorrem nas COPs de clima.
Como equilibrar ação climática e as demandas por desenvolvimento e justiça?
Os governos devem garantir a proteção dos direitos humanos durante o processo de transição energética, assegurando o respeito aos direitos trabalhistas, sociais e culturais.
- Os trabalhadores impactados pela transição (como os que atuam em setores de combustíveis fósseis) devem ter acesso a novas oportunidades de emprego, qualificação profissional e proteção social.
- Os benefícios da transição climática devem ser distribuídos de maneira equitativa, garantindo a participação de comunidades locais, trabalhadores, povos originários e grupos marginalizados na formulação e implementação de políticas climáticas.
- Não há incompatibilidade entre ação climática e desenvolvimento econômico, mas é necessário fazer investimentos inteligentes estratégicos visando essa nova revolução verde. Por exemplo, é fundamental investir em infraestruturas resilientes projetadas para suportar os extremos climáticos. A construção de infraestruturas obsoletas que não resistem a essas condições representa um desperdício de recursos.
Fonte: Lucas Grilo, gerente de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável); Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.