Topo

Pessoas

'Gorda, negra e firme': Ela largou governo para salvar famílias do despejo

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Ed Rodrigues

Colaboração para Ecoa, do Recife (PE)

01/10/2022 06h00

A educadora popular Sarah Marques, 41, é filha da comunidade Caranguejo Tabaiares, localizada na área central de Recife, onde famílias vivem prioritariamente da pesca. Mãe solo dos gêmeos Rafael e Juliana, 16, viu o local onde cresceu precisar de ajuda - e resolveu atender ao chamado.

Quando 76 famílias da região sofreram ameaças de desapropriação para dar espaço a construção de uma avenida, ela sentiu a responsabilidade de resolver a situação.

"Nós que tivemos que sair em defesa daquelas famílias. E aí a gente precisou acionar o Ministério Público para evitar a derrubada das casas", relembra.

Ali, Sarah começou a liderar uma luta em prol da comunidade. De julho a outubro de 2019, o que se viu foram diversas ações para jogar luz no caso.

Oficinas de comunicação e cartografia, cine debates, parcerias firmadas e campanhas importantes realizadas, como a "Revoga Prefeito", que pedia a anulação da ordem de despejo, foram essenciais nesse processo.

"Passamos a discutir o direito à cidade, que é uma coisa muito ampla", conta Sarah.

A iniciativa trouxe a vitória: as famílias foram liberadas para seguir na área. Além disso, durante esse processo todo, foi se formando o coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, que impulsionou Sarah pensar em como poderiam juntos transformar a realidade da comunidade.

Sarah Marques liderou uma luta contra o despejo de 76 famílias da comunidade Caranguejo Tabaiares, e conseguiu a vitória - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques liderou uma luta contra o despejo de 76 famílias da comunidade Caranguejo Tabaiares, e conseguiu a vitória
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Um trabalho que tem como objetivo o empoderamento feminino e a independência financeira.

Até hoje, o Caranguejo Tabaiares Resiste já impactou diretamente mais duas mil famílias, promovendo acesso à informação e cursos que visam dar independência financeira a mulheres chefes de família.

A educadora considera ser uma grande responsabilidade levantar a voz da comunidade e tomar para si a resolução de problemas que deveriam ser de responsabilidade do governo.

"A gente dá a cara para esse mundo que nos oprime, que quer nos matar enquanto mulheres pretas... Enquanto pessoas pretas. Sou uma educadora popular e posso dizer, sim: sou gorda, sou negra, sou mulher e sou firme. E sei dos meus direitos. Quero libertar muita gente, abrir essas mentes para seus direitos."
Sarah Marques, educadora popular

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Embora não quisesse se envolver com causas sociais na adolescência, Sarah não conseguiu fechar os olhos para as dificuldades de sua área.

O pai sempre foi uma liderança forte na região, e o trabalho foi herdado por ela. Antes do coletivo, chegou a trabalhar como assessora parlamentar, mas deixou o cargo ao perceber que o político para o qual trabalhava não tinha interesse em ajudar os moradores.

"Já fiz de tudo nessa vida. Fui faxineira, assessora parlamentar, mas posso dizer com todas as letras que meu lugar é junto dessas mulheres, ajudando no que for preciso. Quando o coletivo começou, estava como assessora. Entreguei o cargo para defender minha comunidade. O parlamentar para quem eu trabalhava viu o problema com a minha comunidade, mas queria que eu ficasse calada", explica.

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

Como educadora popular, realiza oficinas, dá palestras, ouve os anseios dos moradores da Caranguejo Tabaiares e se dedica 100% a essas ações de transformação social.

A vida dela, como ela mesma destaca, é o coletivo e toda a luta que a comunidade enfrenta no seu dia a dia.

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

"A gente nasceu para defender o direito à cidade. E esse o direto é muito amplo. Então, a gente também faz uma luta antirracista. temos um grupo de mulheres que leva informação à comunidade. Eu me dedico a tudo que possa modificar as realidades com as quais convivo. Nas palestras que dou, falo sobre nossa luta. Mas acompanho outras iniciativas, como a Rede de Mulheres Negras. Também faço parte da articulação Recife de Luta e integro redes nacionais como o projeto Gerando Falcões", ressalta.

Sarah lembra que a habitação é um direito básico pouco respeitado no país. Enquanto o poder público patina no atendimento às famílias que ainda vivem sem um teto para morar, ela corre com ações e parcerias que amenizam essa lacuna na comunidade.

Uma parceria com a ONG Habitat para a Humanidade possibilitará melhoria habitacional para dez famílias que perderam tudo com as chuvas que castigaram Pernambuco neste ano. O número pode parecer pequeno, mas só é possível pelo esforço da educadora, que não conta com recursos de órgãos governamentais.

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

"A gente tem um grupo de resistência. Um grupo de mulheres que se juntam para fazer essa luta, juntando forças para que a comunidade siga sobrevivendo", destaca.

Além do cuidado com a habitação, ela considera que a saúde mental dessas mães de família deve estar equilibrada para enfrentar os percalços do dia a dia.

Para tratar dessa questão, criou uma horta comunitária na comunidade. A intenção é cuidar das cabeças das donas de casa que estão com certo tempo ocioso, dando a ocupação terapêutica de mexer com a terra e com a possibilidade de produzir seu próprio alimento. A horta é cuidada pela comunidade, que pode usufruir da colheita.

Sarah Marques - Ricardo Labastier/UOL - Ricardo Labastier/UOL
Sarah Marques
Imagem: Ricardo Labastier/UOL

"Eu penso que essas mulheres precisam estar com corpo e mente afinados para ter força para as lutas do cotidiano. A gente está plantando e colhendo cuidados. Iniciamos oficinas e cursos para que essas pessoas tenham seu próprio dinheiro. Isso faz parte do enfrentamento da violência contra a mulher também. Quando a mulher tem a condição de trabalhar e ter seu próprio dinheiro, ela não vai ficar na mão de ninguém."

Sarah Marques, educadora popular

Pessoas