Ana Canosa

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Opinião

No sexo, susto pode virar surpresa, alimentar fantasias e fortalecer casal

Uma paciente certa vez me disse: "Adoro surpresas, mas detesto sustos." Essa afirmação simples revela uma diferença significativa entre dois conceitos que, à primeira vista, podem parecer semelhantes, mas carregam nuances emocionais distintas.

A surpresa, em geral, está associada a algo positivo, uma quebra de expectativa que traz alegria, encanto e novidade. No entanto, tem gente que a detesta, pois, para algumas pessoas, ser pego desprevenido pode gerar ansiedade e uma sensação de perda de controle.

Por outro lado, o susto é frequentemente percebido como algo negativo, relacionado ao medo e à insegurança. É uma reação instintiva de alerta diante do inesperado, algo que nos faz sentir ameaçados ou desconfortáveis. As reações emocionais diante do susto podem incluir aumento da frequência cardíaca, sensação de pânico, tensão muscular, sudorese e até mesmo comportamentos defensivos como evitar o assunto, julgar e acusar ou se afastar da situação.

Nas relações amorosas e sexuais, essa distinção entre susto e surpresa se torna ainda mais relevante. Devido aos tabus sociais e às dificuldades de comunicação entre os casais, é comum que certos assuntos sejam evitados ou tratados com receio. A simples ideia de descobrir que a parceira ou parceiro tem desejos diferentes ou quer experimentar novas vivências pode ser assustadora.

O medo do julgamento, da rejeição ou mesmo da perda da segurança na relação pode gerar um verdadeiro susto emocional. É como se não fosse possível "dar conta" do desejo alheio, pois a pessoa se sente pressionada a dizer sim, ou dizer não, para agradar, performar, ou se submeter.

Ninguém é obrigado a realizar fantasias alheias, ou concordar com tudo. Aliás, estranhar interesses que não fazem parte do seu dicionário erótico ou que nunca foram explicitados pela parceria é legítimo, é o susto inicial e previsível.

Já presenciei muitos sustos nesse campo, desde alguém que descobre que a parceria se masturba, passando pelo outro que encontrou um vibrador na gaveta, a esposa que achou uma cinta-pau escondida no guarda-roupa do marido, o namorado que percebeu que a namorada amou fazer sexo com a janela escancarada para o prédio ao lado.

Falar sobre desejo, erotismo e fantasias é desafiador para muitos casais e é uma construção. No entanto, transformar esse susto inicial em uma boa surpresa é possível quando existe abertura para visitar o terreno fértil do desejo.

Descobrir que estamos com alguém que tem vontades pode ser incrivelmente interessante e enriquecedor para a relação. Essa perspectiva permite ampliar os horizontes do casal e fortalecer os laços de cumplicidade.

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Infelizmente, muitas pessoas mantêm o sexo nas relações de compromisso em uma espécie de "caixa" que só pode ser aberta em contextos específicos, normalmente a noite, no quarto, de um jeito conhecido. Alguns acrescentam uma performance tradicional, que não resvale na imagem do "bom cônjuge", sendo muito difícil trazer um erotismo mais mundano, sacana e escrachado, como se a imagem valorosa do dia a dia, não pudesse conviver com a outra, libertina.

Por isso, refletir sobre a liberdade sexual individual é fundamental. Mesmo dentro de uma relação a dois, continuamos sendo seres desejantes e autônomos.

Valorizar e respeitar a individualidade é essencial para construir uma relação saudável e satisfatória, onde o inesperado pode ser vivido como uma boa surpresa, e não como um susto paralisante.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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