Prazer, tabu e pornografia: o que ensinamos (ou não) aos nossos filhos?

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A pornografia é frequentemente tratada como um desserviço. E, de fato, não faltam dados que apontam seus efeitos problemáticos quando consumida de forma precoce, desregulada e sem qualquer orientação. Mas será que não estamos olhando apenas para a metade da história?
Muitos estudos abordam os impactos deletérios do consumo pornográfico entre adolescentes, mostrando ligações com comportamentos sexuais de risco, ansiedade, baixa satisfação sexual e até atitudes agressivas. O tom é de alerta — e com razão.
Afinal, são jovens em processo de formação, construindo seus valores, desejos e referências. A pornografia, nesse cenário, pode ser um modelo distorcido — e perigoso — de sexualidade.
Além disso, do ponto de vista relacional, boa parte da pornografia mainstream é feita por homens, para homens, retratando uma sexualidade que frequentemente explora o corpo feminino, reforça estereótipos e naturaliza a violência. Muitas cenas incluem práticas degradantes, humilhações e dominação explícita.
Em alguns casos, inclusive, há indícios de exploração sexual de adolescentes, pessoas vulneráveis e até filmagens que envolvem animais — sem falar na produção sem transparência, onde não se sabe sob quais condições físicas e psicológicas os envolvidos estavam.
A pornografia pode, sim, ferir a dignidade humana. E precisa ser discutida com seriedade.
Outro ponto importante, que com frequência testemunhamos nas queixas sexuais de adultos é o efeito da pornografia no desenvolvimento da imaginação erótica.
Quando o cérebro é condicionado a buscar excitação por meio de estímulos intensos, rápidos e visuais, como nos filmes pornográficos, pode haver um empobrecimento do campo lúdico da sexualidade — aquela parte mais subjetiva, fantasiosa, que se constrói com o tempo, o toque, o olhar, o desejo que se insinua e não se mostra inteiro.
O erotismo, que deveria ser espaço de descoberta e sensibilidade, vira uma performance moldada por clipes acelerados de prazer imediato. Imaginem se o modelo de excitação seguir sempre esse ritmo, desde a adolescência, o quão árida poderá ficar essa importante dimensão da vida.
Mas é aqui que precisamos fazer uma pausa.
Se criticamos a pornografia como fonte precária de aprendizado sexual, precisamos perguntar: o que estamos oferecendo no lugar?
Onde o adolescente pode aprender sobre prazer, desejo, consentimento, limites, afeto, insegurança e respeito? No Brasil, a escola — que poderia ser um espaço seguro para essa conversa — se esquiva, pois sofre pressão de todos os lados. A família, muitas vezes, também silencia, por vergonha, medo ou falta de preparo.
Nesse vazio, a pornografia acaba ocupando um papel quase "educativo". Muitas pesquisas com jovens universitários norte-americanos revelam que o conteúdo pornográfico teve, na percepção deles, um efeito positivo, na medida em que foi ali que aprenderam sobre práticas sexuais, anatomia e até formas de se relacionar.
E sejamos justos: em um mundo que nega o direito à informação sobre prazer e sexualidade, recorrer à pornografia é um ato de sobrevivência, para quem está no início da sua vida sexual.
A iniciação sexual costuma vir carregada de dúvidas, medo de falhar, comparações e muita insegurança. Esperar que adolescentes saibam lidar com isso sem qualquer orientação é tão ingênuo quanto injusto.
A crítica à pornografia, por si só, não resolve — ela precisa vir acompanhada de alternativas reais, de educação afetiva e sexual que acolha em vez de julgar.
Outro dia me perguntaram se masturbação via estímulo pornográfico era traição - foi mais de 40 minutos de papo, com considerações (algumas bem fervorosas) de todos os lados. É maravilhoso poder abrir esse diálogo com adolescentes.
Deixo aqui a minha questão: que tipo de bússola estamos oferecendo aos nossos jovens para navegarem nesse território tão íntimo quanto complexo? Porque criticar é fácil. Difícil mesmo é fazer o que evitamos há décadas: falar de prazer com seriedade, ética e afeto.
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