Do estrelado ao velho conhecido: comer bem em NY passa por mãos brasileiras
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Por mais batido que pareça, Nova York continua sendo a capital gastronômica do mundo. Plural de fato, a cidade abriga todo tipo de culinária, entre cantos exuberantes ou escondidos, de ponta a ponta em Manhattan, Brooklyn ou Williamsburg.
Não à toa, é nela que muitos cozinheiros e restaurantes do mundo buscam seu lugar ao sol (ou às estrelas Michelin). Nessa infinidade de profissionais, o Brasil já exportou muitos talentos e, com eles, continua impressionando quem fincou os pés na Big Apple, ou está só de passagem.
É o caso de três casas completamente distintas visitadas pela reportagem: há Brasil entre a novidade, o velho conhecido e o estrelado.
Clemente, um bar de alta cozinha

Ao chegar ao número 11 da Madison Avenue, sua escolha pode ser o completo luxo do três estrelas Michelin Eleven Madison Park ou seu irmão mais novo, o bar Clemente (@theclementebar), aberto no fim de 2024.
A reportagem optou por uma noite no segundo espaço, uma parceria do chef Daniel Humm com o artista italiano Francesco Clemente. Mas não bastava provar o menu de drinques, cujo autor, Sebastian Tollius, também conduz as bebidas da renomada casa-mãe.
Precisava mesmo é de um menu-degustação plant-based (como o Eleven) harmonizado com a coquetelaria autoral do lugar.
Ao sentar na mesa para apenas oito pessoas, o clima é de uma elegância altiva. De um lado, chef e sous-chef organizam a primeira etapa. Do outro, o bartender exibe seus maquinários para uma criação carbonatada e uma clarificação certeira (quem sabe, faz ao vivo).

Entre a primeira e segunda etapa, entre picles de rabanete e shisô (combinado ao Fennel Martini, de gin, licor de salsão, Armagnac Blanche, Saler Aperitif e bolhas de suco de salsão e rabanete) e handroll de tofu com mostarda e capuchinha (com o highball de whisky japonês, saquê infusionado em yuzu, Tarragon e soda de pepino), entre um par de amigas americanas e um casal japonês, chef e esta comensal percebiam dividir o mesmo idioma e origem.
Mariana Schurt, paranaense de Prato Branco e sous-chef do Eleven, foi convocada a liderar a diminuta e impressionante cozinha e só parece sofrer ao ter que traduzir, do inglês ao português, tudo o que desenvolveu.
"Pode ser uma cidade difícil, mas eu amo", deixa escapar numa rara descontração entre pratos.
Seguimos com cogumelos grelhados no carvão, com seitan e zimbro ralados (harmonizado com tequila, shochu, chartreuse e uva concord).
Depois, um rico sobá com shiitake, maitake,espinafre salteado e cebola branca, finalizado com olho trufado de cogumelos, gengibre e trufas negras ao lado do Manhattan — "espetaculoso" na execução e discreto no resultado — de bourbon, Amaro Nardini e missô.

Por fim, The Banana Chocolate Sundae: bananas bruleè com caramelo de missô, finalizadas com sorvete de banana e chocolate, granita de banana, creme de baunilha e pó de chocolate amargo, acompanhado da impressionante saideira de vodca e licor de chocolate clarificadas no whey de côco e matcha.
"Tchau, tchau. A gente se vê no Brasil ou aqui!"
O Fasano de lá

Assim como tantas megalópoles no mundo, o viajante econômico pode, na esquina, se deparar com o mais alto luxo. Foi a poucas quadras do hotel econômico, recomendado aqui, que a reportagem conheceu o Fasano*. Sim, aquele de São Paulo. Só que em Nova York (@fasanorestaurantny).
Sob comando do chef Nicola Fedeli, muitos pratos da matriz paulista se repetem na filial nova-iorquina (como os clássicos ossobuco com risoto milanês e tortelli di vitello com fonduta de Parmigiano Reggiano), assim como o padrão de serviço luxuoso e formal que fazem da marca uma das mais sólidas do Brasil no quesito gastronomia italiana e hospitalidade internacional.

Mesmo assim, o espaço inaugurado em 2022 tem personalidade própria - e carrega traços que Gero Fasano conhece bem e entrega em referências nas casas brasileiras, como o serviço do Martini no Baretto. Às 18h30 da noite, o salão já estava lotado, entre famílias com bebês de colo, encontros de negócios, noites românticas e até uma jornalista em voo solo.
O que abalou as estruturas, porém, foram os rótulos de vinho apresentados por Denis, um animado sommelier italiano que apresenta "joias, porque ama o que faz".
Emocionados do vinho, aí vai:
Para começar no frescor de frutas vermelhas, Champagne Laurent-Perrier Rosé N.V, o mais reconhecido entre os champagnes rosés de luxo, 100% Grand Cru Pinot Noir. Depois, o chileno Amelia Chardonnay 2021, o primeiro ultra premium do país, elegante e rico até alma.
Se estava em italiano, não ia faltar Barolo. Mas nada perto dos sisudos e mais tradicionais. Nessa noite, o Famiglia Anselma 2011, direto da seleta "biblioteca" vintage da casa que já conta 30 anos de preciosidades.
Também não faltaria Brunello di Montalcino. Nessa noite, o La Fornace 2019 que com toda sua intensidade e aura classicona me convenceu aos goles a me deixar levar pela gula de comer mais Tortelli do que deveria.
Por fim, Bukkuram 'Sole D'Agosto' 2020, um vinho de sobremesa 100% uvas Zibibbo, cultivadas em solo vulcânico, metade secas ao sol, maturadas em barris de carvalho por seis meses e eu estava convencida. Foi uma noite de vinhos que talvez não prove tão cedo.
Só faltou mesmo aquele senhor Martini feito por Bolinha. Isso só São Paulo tem.
A sensação de NY
Em Nova York, não é difícil se deparar com arte e como ela se mistura com outras expressões culturais e humanas. No Village, um dos bairros mais cool da cidade, isso é ainda mais corriqueiro.

Ainda assim, uma discreta galeria, em que estavam somente duas recepcionistas, um par de velas acesas, quadros e poesia ("When we bloom" = "Quando florescemos"), de David "Mr StarCity" White, surpreende. É nela, atrás da segunda porta, com ares de speakeasy, que se vive o Frevo*.
Fundado pelo chef brasileiro Franco Sampogna e o diretor de operações português Bernardo Silva, em 2019, o restaurante é o que o nome entrega e intenciona: alguma coisa ferve nas mesas e, principalmente no balcão de apenas 16 lugares, debruçado na cozinha aberta - e abençoado por uma foto de Jimi Hendrix logo ao lado das praças.

Uma Estrela Michelin desde 2022, 50 Best Discovery em 2024, além de indicado ao James Beard Awards 2023 e na lista do New York Times em 2019, o Frevo já conquistou a cidade e boa parte do país - ao meu lado, um casal da costa oeste comemorava o aniversário da união, do outro, um jornalista de Wisconsin deixava soltar "that was something" ("isso foi especial") a cada prato.

Capixaba que desde os 17 anos está longe da terra-natal, Franco acolhe ares de sua passagem pela França, em técnicas e organização, para puxar o mundo em um menu-degustação harmonizado, executado e servido (entre uma marcha coordenada e, ao longo do serviço, sorrisos) por italianos, franceses, portugueses e mais um brasileiro, Gean Sampogna, irmão de Franco, outro que já não troca Nova York por nada no mundo.

A Franco, também atribuíram prêmios específicos, como o de um dos melhores chefs do mundo pelo Best Chef Awards 2024, e ao head sommelier da casa, o bretão Quentin Vauléon, também a honraria de melhor lista de vinhos orgânicos da América do Norte, pelo World of Fine Wine.
O menu, em evolução constante, foi uma viagem sem fronteiras na noite daquele 6 de março.
Abrindo as taças, Montlouis-sur-Loire Brut Nature 2020, de Francois Chidaine.
O Oriente estava no handroll de cavalinha, com shiso, ovas de truta e nori, que logo depois encontrava uma espécie de macarron salgado com creme de abóbora, parmesão e trufas raladas. Numa taça coupé, um pequeno tartar de lagostim norueguesa, pimenta branca e alga kombu.

Harmonizados com o selvagem Vin de France Le Grand Blanc 2022, da Maison Stephan, e o fresquíssimo Vin des Allobroges Silice 2023, da Maison des Ardoisières.
Um pão de leite com o milenar fonio africano, macio e escuro, é partido com as mãos para ser chuchado (não há palavra melhor) no tofu defumado.
Na etapa seguinte, o refrescante amberjack faz parte de uma tela líquida de caju, jalapeño e folhas de curry.
Aspargos brancos, "como exige a temporada", como diz o chef, se cruzam em uma espuma de coco e molho ponzu. Aqui, a escolha de Quentin foi o ancestral Vino de Tavola Le Banchetto 2022, de Le Coste.
O goraz grelhado ao shimeji, swarnadwipa, guajillo chili e o pato com repolho e creme de lavanda e azeitonas completam a experiência salgada, num esforço conjunto entre a reportagem e Gean para traduzir, em palavras, o que só o paladar entende.

E uma viagem a Mendoza, com Valle de Uco Viejos Vinedos Pie Franco 2020, de Matias Riccitelli.
Na etapa doce, o queijo Comte maturado por 36 meses ganha companhia de Honeycombs (crocantes de mel) e uma cerveja maturada em carris de Pinot Noir, a Bière Vivante de Pinot Noir 2022, da francesa Brasserie Des Voirons.
Por fim, surpresa: a mousse de chocolate é combinada a cogumelo Porcini e wasabi. Com o Jurançon Crème de Tête 2017, de Clos Cancaillau. Se tem algo mais charmoso que um "creme da cabeça"...

Agora, ao final, o casal ao lado oferece um Fernet, só pelo brinde. As boas comidas e bebidas têm esse feito mesmo. Fazem desconhecidos ficarem amigos, compatriotas se entenderem poliglotas e, como disse o jornalista ao lado, that was something. Foi mesmo. Foi especial.
*A jornalista jantou a convite dos restaurantes Frevo, Fasano New York e RBPress.
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Jose Geraldo Brito Filomeno
Parabéns aos brasileiros em NY. Mas sei não. Acho que São Paulo e NY estão ali, quase empatados, com relação à variedade gastronômica internacional. Mas e principalmente no caso da nossa diversidade de pratos regionais.