Habemus... fome! Quem faz pasta, vinho e até o rótulo próprio do Vaticano

Um pequeno pastifício familiar, de produção artesanal, na Itália. Esse poderia ser só mais um entre milhões de pequenos negócios que seguem esse enredo no País da Bota — e sem ser storytelling como o resto do mundo faz.

A "única" diferença é: eles foram eleitos para servir a Santa Sé: sim, a fama do Antico Pastificio Colasanti, criado em 1959, por Alvaro Colasanti e sua mulher Enza, em Terni, na Úmbria, chegou ao Vaticano, no Natal e 2012.

Para a ceia da grande noite, o jantar do então papa Bento 16, reinou o tortellini — a massa ícone da empresa e um prato de tamanha importância na chamada de "Vigilia di Natale" — ceia do dia 24; em algumas regiões da Itália, como o Lácio, que abriga Roma.

Ali, a fama ultrapassou os corredores e fez com que o negócio estivesse também no pontificado de Francisco, só que com um passinho a mais, pois a santidade instituiu a Colasanti como a fornecedora oficial das massas utilizadas no refeitório do Vaticano.

Fachada do Antico Pastificio Colasanti
Fachada do Antico Pastificio Colasanti Imagem: Divulgação

Nesse período, a gestão do pastifício tinha passado para as mãos de Marco e Matteo, filhos dos fundadores. A dupla continua no comando e busca mesclar tradição com inovação a partir dos fluxos que o mercado gastronômico vive, de tendências e aparatos tecnológicos a descobertas de variedades de trigo autóctones.

E, na prática cotidiana, seguem a máxima da cultura italiana de valorizar produtos e produtores locais: farinha e ovo orgânicos e dos arredores, porco criado solto, mortadela IGP, parmesão DOP. Fatos que fizeram com que o pastifício tenha alcançado o feito de entrar para a lista do Slow Food de "melhores estabelecimentos italianos do setor".

Balcão do Antico Pastificio Colasanti
Balcão do Antico Pastificio Colasanti Imagem: Divulgação

Pastifício recebeu doação

Em tempo, vale ressaltar o quanto a arte e o ofício de um pastaio era algo importante para Francisco, que fez questão de deixar mais um legado: doou todo o dinheiro que havia na conta bancária, cerca de 200 mil euros, ao pastifício do presídio de Casal del Marmo, na periferia de Roma.

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O fato só foi revelado alguns dias após a sua morte, que ocorreu no último dia 21 de abril, e foi comunicado por Benoni Ambarus, responsável pela pastoral carcerária, atestando que o argentino o incumbiu deste anúncio poucos dias antes de vir a óbito.

O beneficiado é o Pastifício Futuro, aberto em 2023, atende detentos menores de 18 anos que tentam a reintegração na sociedade e é um projeto coordenado por Alberto Mochi Onori, da Gustolibero Società Cooperativa Sociale Onlus.

Em seus 500 m², emprega 20 jovens e tem capacidade de produzir até duas toneladas de pasta por dia — mas, por questões várias e que envolvem também finanças, ainda não opera com tal capacidade.

Entre os principais clientes, estão supermercados e restaurantes — a qualidade da pasta tem a chancela de grandes nomes da cozinha romana, como os chefs Arcangelo Dandini e Luciano Monosilio, que cozinharam no evento de lançamento do local.

Vinhos divinos

Montefalco Sagrantino Semèle
Montefalco Sagrantino Semèle Imagem: Divulgação
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A Úmbria, região central do Bel Paese, é conhecida como o "coração verde da Itália" e, como tal, concentra grandes produções agrícolas e parece mesmo ter seduzido a Santa Sé. Além da pasta, um dos vinhos preferidos dos últimos pontífices, vem dali.

Trata-se do Montefalco Sagrantino Semèle, um passito produzido pela vinícola Cesarini Sartori, em um vinhedo autóctone, mas cuja origem é secular e ligada aos monges beneditinos.

Um vinho das missas e uma especialidade que era sempre escolhida para viagens internacionais das autoridades vaticanas: a história começou em 2011, no voo que o papa Bento 16 fez para Benin, na África, na qual provou a bebida e o fez lembrar a primeira missa celebrada em Assis, então como jovem sacerdote. Como forma de agradecimento, enviou à vinícola um terço e uma medalha de ouro.

Assim como aconteceu com a pasta, o passito percorreu o pontificado de Bergoglio, com adição de produtos como azeite de oliva extravirgem e a geleia de uva 100% Sagrantino. E, como era clássico de sua personalidade, o argentino não era bairrista e privilegiava outros países do mapa vitivinícola.

Em 2023, para a celebração de uma missa em Marselha, no sudoeste do país, escolheu um rótulo da francesa Domaine de la Bénisson-Dieude: o Côte Roannaise de 2002, feito com a variedade Gamay e que foi selecionado pela sommelière brasileira Maria Guberti, proprietária da Divinno, loja e wine-bar com dois endereços em Paris.

Domaine de la Bénisson-Dieude
Domaine de la Bénisson-Dieude Imagem: Reprodução
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A vinícola tem produção orgânica, em 2,6 hectares, um dos menores em superfície da região e foi criada pelo casal Audé-Reine e Régis Anouil, parisienses que até então novos no mundo do vinho: ele chanceler de uma diocese de Nanterre, nos arredores da capital; e ela editora de uma revista católica.

Os empresários também ofertaram vinhos para a reabertura da Catedral de Notre-Dame, em Paris, em dezembro de 2024.

Rótulo com selo Vaticano de qualidade

A ligação vinho e igreja, que carrega tantos significados que dispensam explicações, agora caminha para uma novidade e tanto: o Vaticano está prestes a ter o seu rótulo!

Palazzo Pontificio em Castel Gandolfo, Itália
Palazzo Pontificio em Castel Gandolfo, Itália Imagem: murasal - stock.adobe.com

O projeto é todo feito dentro de uma propriedade da Santa Sé, mas aquela de Castel Gandolfo, distante 25 km de Roma e que abriga o Palazzo Pontificio, historicamente a residência de verão dos papas, "mimo" abdicado por Francisco, que transformou o local em museu.

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Apesar da região ser mais adaptada para vinhos brancos, muitos testes foram realizados com uvas colhidas nos dois hectares dos vinhedos próprios e a escolha foi por um tinto de Cabernet Sauvignon. A bebida passará por envelhecimento em barris de carvalho e tem previsão para ser engarrafado em 2026.

Como comeu o conclave

Esta semana, Roma — e o mundo — viveram a euforia da escolha de Leão 14 como novo pontífice e uma das curiosidades que mais circula na capital italiana é sobre a alimentação seguida no conclave.

Nada é confirmado oficialmente pelo Vaticano, mas há lendas que permeiam esse tempo em que os cardeais ficam fechados, a premissa é de refeições leves e que não afetem a digestão e concentração.

As refeições seriam feitas por freiras e profissionais que trabalham na cozinha vaticana — e que assinam contratos severos de sigilo; e servidas na Casa Santa Marta, que era a residência de Francisco. O vinho é permitido, mas em pequenas doses e não são permitidos os que têm altas doses de álcool.

A receita mais icônica deste período e que invadiu as redes sociais da Itália nesta semana, é a "pasta del conclave", que remete ao papa Gregório 10 e que seria simplesmente massa, manteiga e parmesão.

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Mas, o ''menu del conclave', que teria nascido nos idos de 1300, com Clemente 6º, seria composto por café da manhã com pão e geleia; almoço com primeiro prato — massa ou risoto; segundo prato com carne branca e verduras, seguidos de fruta. Sobremesa somente aos domingos.

O jantar seria algo frugal, ou seja, bom e saboroso, mas muito reduto à sopa, um sanduíche com verduras ou saladas.

Essa medida foi necessária para criar regras depois do conclave que durou três anos e, para acelerar sua conclusão do próximo, Gregorio 10 ordenou que a eleição de um novo papa que passasse de oito dias, seria somente à base de pão e água.

Já o mais farto dos conclaves teria sido o que elegeu Giulio 3º, em 1550, e que teve grandes banquetes assinados por um cozinheiro chamado Bartolomeo Scappi, autor de "Opera dell´arte del cucinare", considerado o primeiro livro de um chef profissional.

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