Bogotá é destino imperdível para comer bem da alta cozinha ao casual barato

Bogotá não está no seu roteiro dos comes e bebes? Pois deveria. Já há algum tempo, a capital colombiana é considerada um dos destinos gastronômicos mais interessantes não só da Colômbia, como da América Latina e do mundo.

Quem comprova isso não é (só) a reportagem. O Michelin ainda não chegou por lá - e poderia bem abrir os olhos para isso -, mas nas listas 50 Best do ano passado a cidade abriga nomes no top 50 e na lista estendida: El Chato e Leo ficaram em 25° e 53° lugar, respectivamente. Já no ranking latino despontam também eles, em 3° e 10°, além de Humo Negro (45°), Afluente (61°) e Debora (100°).

Prepare seu passaporte e esqueça tudo o que você pensava sobre Colômbia. Nem mesmo os mais curiosos e brilhantes chefs de lá sentem que provaram ou conhecem tudo.

A "reina"

Ninguém vê a Colômbia da mesma maneira depois de provar o menu do Leo (@leorestaurantcol), da imponente e artística Leonor Espinosa.

Leonor Espinosa em ação
Leonor Espinosa em ação Imagem: Divulgação

O nome-sinônimo da alta gastronomia colombiana é uma mulher que esbanja sua identidade. Na cozinha e salão de seu restaurante, baixa a voz quando percebe que não está sendo ouvida nas descrições apaixonadas e complexas de cada prato. Num jantar informal regado a risadas e confidências, é reverenciada por colegas a todo momento e, de perto, não faz questão do glamour das premiações ou cai na sisudez do ofício.

No menu-degustação Ciclobioma de estonteantes 12 etapas — com a opção de 8 etapas e harmonizações com e sem álcool — os diferentes biomas, identidades e ingredientes colombianos são homenageados e a "bioculturidade" resgatada.

Mapa da Colômbia e ingredientes do menu Ciclobioma, do restaurante Leo, em Bogotá
Mapa da Colômbia e ingredientes do menu Ciclobioma, do restaurante Leo, em Bogotá Imagem: Juliana Simon
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De etapa em etapa, 42 (!) itens de diferentes territórios do país são explorados com uma visível disciplina vinda da cozinha aberta, com cozinheiros — todos homens — e Leo, que só sair de lá para explicar em seu sotaque "cartagenero" a técnica, a referência e os mistérios de cada prato.

Albacora, langostino, santamaría de anís com piangua, plátano, coco, hierbas de azotea, do restaurante Leo, em Bogotá
Albacora, langostino, santamaría de anís com piangua, plátano, coco, hierbas de azotea, do restaurante Leo, em Bogotá Imagem: Divulgação

Na primeira etapa, o Caribe em quatro entradas. Chama atenção uma ostra, que dentro leva um pedaço de inhame com pato de pátio. Na segunda, mais quatro entradas e as Cordilheiras andinas. Carne, arepa de arroz, feijoa, esferas de pepino em escabeche, purê de abóbora fermentada, milho envelhecido, coelho, "naidí". Ainda nas entradas, a Selva Amazônica em mais quatro bocadas. Mousse de formigas, almôndega de uma espécie de jacaré, queijo vegetal com cacau nativo.

Na quarta etapa, as Encostas Andino-Amazônicas e queijo vegetal com plantas medicinais em formas diversas. Na quinta, mar, bosque e deserto do Caribe em flores e peixes numa concha iluminada.

Sierra Guaju, Trujillo, Capulín de Monte, do restaurante Leo, em Bogotá
Sierra Guaju, Trujillo, Capulín de Monte, do restaurante Leo, em Bogotá Imagem: Divulgação

Na sexta, um conhecido da Amazônia que dividimos Brasil e Colômbia: o pirarucu feito na folha e na defumação, com o "pão da selva" yarumo. Na sétima, a codorna de Santander e seus vales fluviais. Dela se aproveita carne e mesmo ossos para um caldo. A oitava, o búfalo dos bosques de Magdalena, com a pimenta verde de putumayo.

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Pirarucú, mirití, casabe, yarumo
Pirarucú, mirití, casabe, yarumo Imagem: Divulgação

Na nona, começam as sobremesas, com um creme gelado de "chirimoya", maçã do páramo, algodão doce. Na décima, a Selva Amazônica está em sorvete de palmito, creme inglês e "mojojoy" (larva de besouros amazônicos). Na 11ª etapa, os Montes de María em uma superfície a ser quebrada revela um creme doce de frutas caribenhas.

Palmito, Mojojoy
Palmito, Mojojoy Imagem: Divulgação

Por fim, os petit fours que representam mais biomas: um inspirado na bebida caribenha "patillazo", outro uma bolacha de milho com recheio de "pulantana" (uma semente de uma planta do deserto de La Guajira), um doce de "guayaba", e até torrone de formiga culona.

Tudo e todos harmonizados, por escolha da mesa, com vinhos variados, com e sem álcool, outras produções zero, fermentados da casa, cerveja e hidromel.

A batuta etílica fica por responsabilidade de Laura, filha de Leo, comandante do espetacular La Sala de Laura e melhor sommelier da América Latina segundo 50 Best 2024. Se no bar ela domina, no restaurante da mãe, ela parece homenagear os pratos em cada indicação de bebida.

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A pergunta no final de tudo é: como viajei uma Colômbia toda em duas horas?

Todos os rios levam para a cozinha

"Como não vou aproveitar do meu trabalho para fazê-los crescer também?". É com essa missão que Leo leva consigo alguns apadrinhados.

Entre eles Jef, el chef (ou Jeferson Garcia), que aos 34 anos já rodou o mundo aprendendo e absorvendo tendências, técnicas e dia a dia de restaurantes renomados como Boragó, 99 e 040, no Chile; Santa Teresita, em Punta del Este, no Uruguai; Central, no Peru; Gaggan e GA na Tailândia; Amass, Jordnaer, Alchemistes, Kadeau e Relae na Dinamarca, onde ganhou uma bolsa da MAD ACADEMY.

Em 2021, voltou para casa e encontrou sua cozinha em Bogotá, primeiro como chef do Oda, mencionado a seguir e, finalmente, em seu Afluente (@afluenterestaurante).

Chef Jef Garcia mostra o que colhe no Páramo Choachí
Chef Jef Garcia mostra o que colhe no Páramo Choachí Imagem: Juliana Simon
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Pela primeira vez, o chef-skatista leva uma reportagem para seu refúgio e meditação (para onde ele "foge" da poluída capital pelo menos uma vez por semana): coleta de folhas, flores, frutos e o que mais puder usar nos pratos no alto de Bogotá, em pleno Páramo Choachí.

Sob uma névoa, respira-se ar puro e encantam recepcionista (um cachorrinho de três patas), combustível (agua panela con queso) e os coralitos (uns tomatinhos diminutos) colhidos.

Resultado de colheitas do Afluente nos páramos colombianos
Resultado de colheitas do Afluente nos páramos colombianos Imagem: Divulgação

Descendo as pistas curvas de volta à cidade depois de fazer o "foraging", chega-se ao cool Afluente. Escadas que rangem como uma casa de verdade, móveis em madeira, plantas secas pelo teto, livros de gastronomia de todo o mundo e, claro, um shape de skate ao lado da cozinha aberta compõem o ambiente.

Ambiente do Afluente
Ambiente do Afluente Imagem: Divulgação
Menu do Afluente, de Bogotá
Menu do Afluente, de Bogotá Imagem: Juliana Simon
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No menu Conectividad, há um mapa hidrográfico da Colômbia e uma lista de cidades e produtores que Jef e sua equipe, igualmente jovem, apresentam aos comensais. Tudo se volta aos páramos, as altas montanhas - que fornecem água a 70% da população do país.

Em oito etapas, uma surpresa de sabores, texturas e ingredientes. O pão de queijo leva manteiga de "cubio amarillo", o picante "ají de páramo" está ao lado de queijo de cabra e "agraz", pato está acompanhado de pão de ervas andinanas, e "papayela" e "congona" e "coralito" (olha ele!) numa espécie de "flor" ao centro do prato úmido. Uma crosta revela a carne de caranguejo com kumis.

Prato do Afluente
Prato do Afluente Imagem: Divulgação

Um dos pratos mais interessantes é um pequeno milho a ser segurado e embebido em um caldo verde. Há tucupi, cordeiro, coelho, camarão, bode em espumas, caldos, cremes. Nas sobremesas, sorvete de queijo de cabra com frutos de páramo, mas quem ganha o jogo é mesmo um toffee de tubérculos.

Jef é pragmático em técnicas, administração e objetivos - e romântico em todo o resto. Debruçado no canto da mesa, descrevendo cada prato, traz alguns ingredientes in natura e olha bem no fundo dos olhos de quem escuta para falar: "quero mostrar a Colômbia para colombianos".

O mundo de "Coco"

Não fosse a reportagem de São Paulo, seria um tanto chocante um dos melhores restaurantes de Bogotá estar no topo de um prédio comercial e dividindo espaço com salas de golfe indoor.

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Ambiente do Oda
Ambiente do Oda Imagem: Divulgação

Surpreende, também, que a ideia e conceito do Oda (@odarestaurante) não comecem aí, num lugar aparentemente "arrumadinho demais" para se vender como o único com selo sustentável na cidade e como defensor da riqueza agrícola.

O início está no Jardim Botânico de Bogotá, onde o co-fundador Jaime Giraldo e a líder de impacto Alejandra Botero mostram seu incentivo a um rico banco de sementes nativas e resgatadas e ao projeto que, na pandemia, ensinou a população a fazer hortas familiares com qualidade - e, sim, identidade.

Chef Natalia Cocomá
Chef Natalia Cocomá Imagem: Divulgação

É desse conhecimento que o restaurante trabalha com hortas urbanas (uma facilmente avistada do Oda), produtores orgulhosamente apresentados no rico menu da chef Natalia Cocomá Hernandez, ou "Coco" como todos chamam.

Filha de apicultores, a nativa de Anzoátegui (no centro do triângulo de Bogotá, Cali e Medellín) faz a voz ficar mais clara que a música altíssima e consegue apresentar o que a grande Bogotá e cidades próximas (não mais de 100 km de distância) podem fornecer, sem se esquecer da ancestralidade indígena de terras mais distantes.

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O menu do Oda, de Bogotá
O menu do Oda, de Bogotá Imagem: Juliana Simon

Cada prato é acompanhado de belos cards que apresentam no verso foto, biografia e um código QR para os produtores parceiros.

Harmonizados com a esperta coquetelaria local, há queijo campesino e manteiga de ubaté no pão de milho, guiso antino com chayote e tomates da estação, cogumelos confitados e purê de cogumelos com sorvete e caldo de cebola, rabo de boi com purê de banana da terra e ají de tomate, truta com borojó, nhoque de batatas nativas com magret de pato de livre pastoreio.

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Imagem: Juan Del Cairo/Divulgação
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Imagem: Juan Del Cairo
Rabo de boi com purê de banana da terra e ají de tomate
Rabo de boi com purê de banana da terra e ají de tomate Imagem: Juan Del Cairo
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O destaque apaixonante, porém, está na sobremesa que leva o nome da chef: Cocomá. Mousse de mel de sua família, sorvete de gengibre, gelatina de camomila e mel, laranja, amendoim, perfumado com licor artesanal.

O ambiente "arrumadinho" engana: não há nada impessoal no Oda, nem em sua equipe calorosa. Até uma foto coletiva para uma parede de clientes acontece.

Aberto em 2024, já desponta na lista Discovery do 50 Best e é um dos novatos imperdíveis. E mais uma mulher, emocionada e emocionante, lidera o grande momento gastronômico do país.

Refinado e popular

Harry Sasson em ação
Harry Sasson em ação Imagem: Divulgação

Para driblar o "trancón" (trânsito) e a altitude, paciência e chá de folhas de coca. Para conhecer a história da figura gastronômica mais conhecida da Colômbia, basta subir as pequenas escadas da elegante casa da Carrera 9 quase com a Calle 76.

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Filho de uma Bogotá que viu e passou por tanto, Harry Sasson (@harry_sasson) consegue uma proeza: reunir no mesmo ambiente endinheirados, gourmands e diferentes gerações de cozinheiros.

A cozinha é simpática e competente. Comida gostosa e bem servida. Um primeiro almoço num banho de Colômbia, com toques de mundo.

Pandeyucas de queijo azul, arepas de ovo e morcilla, salada de siri com abacate e alcaparras, enormes palmitos feitos em parrilla e o inesquecível encocado (uma espécie de moqueca de peixe) são lançadas às mesas.

Encocado, de Harry Sasson
Encocado, de Harry Sasson Imagem: Juliana Simon

A presença atenciosa do veterano, que pede desculpas ao deixar a mesa para acompanhar a caçula no médico, é de uma rara simplicidade - ainda que colecione prêmios, como Woodford Reserve Icon Award no 50 Best Latino de 2024.

Quem estava lá, viu as lágrimas agradecidas pelo reconhecimento e não há colega que não elogie o 'mensch'.

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Cartagena em Bogotá

Um breve passeio pelos arredores da imponente Plaza de Bolívar revela o restaurante mais antigo da América do Sul: o La Puerta Falsa, fundado em 1816, que atrai uma multidão com seus cheirosos tamales e sua vitrine lotada de doces açucarados.

Não muito distante dali, também está, com certeza, um dos restaurantes mais jovem: aberto em dezembro de 2024, o universo de El Charlie O (@elcharlieo).

Boronia, de El Charlie O
Boronia, de El Charlie O Imagem: Divulgação

Com certeza menos disputado que os estrelados — mas admirado por muitos deles —, Charlie Otero não é o nome dos rankings, mas, é detentor do título de comida "honesta, gostosa, com alma" e sorriso larguíssimo com seu espanhol aberto, como o Caribe colombiano imprime aos seus nativos.

Em seu pequenino restaurante, este viajante gastronômico, um dos maiores exploradores de ponta a ponta de seu país, apresenta receitas que contam a história de sua cidade (a bela Cartagena) e de sua vida.

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Não são poucas as referências à mãe durante um animado almoço regado a "refajo", a mistura de cerveja larger bem leve e refrigerante Colombiana - ingrediente imprescindível na receita.

"Sabia que a Colômbia tem um refrigerante mais antigo que a Coca-Cola? Kóla Roman", conta.

Tudo gera curiosidade, sacia e delicia: marranitas (bolinhas de banana verde com recheio de torresmo), empanadas à moda de Cartagena, boronia (purê de berinjela defumada e banana asada com lascas de carne de cordeiro), tamale à moda de Santa Fé, as sobremesas inusitadas (tomate ao vinho tinto com coalhada e frutos em calda com queijo).

Tamale à moda de Santa Fé, de El Charlie O.
Tamale à moda de Santa Fé, de El Charlie O. Imagem: Juliana Simon

O arremate fica, claro, por um café colombiano filtrado. Na despedida, um parabéns de aniversário a Charlie, e muitos outros pela comida.

Que desayuno!

Talvez seja o café da manhã a refeição mais determinante para conhecer profundamente uma sociedade. Afinal, é de seu peso, sabores e histórias que você sabe o que faz levantar um povo. Em Bogotá, não é diferente.

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No café da manhã do W Hotel, além das tradicionais mesas de frutas, frios e pães, um cantinho chama atenção: "Colombian Station". Arepas e mais arepas e pandebono com goiabada (um pãozinho redondo, à base de mandioca, queijo e ovos). Há porém algo muito mais interessante: provar um completo desayuno bogoteño.

Na terra dos belos cafés, se toma cacau quente (muito distante dos açucarados chocolates ou maltados).

Changua bogotana
Changua bogotana Imagem: Getty Images

A força do povo do campo que migrou para a capital vem da changua bogotana, uma combinação entre leite quente, ovos, cebolinha e coentro, com pedaços de pão mergulhados. Parece estranho ao paladar brasileiro? Talvez. Mas sim, uma delícia.

Para completar a refeição, apresentada pelo jovem chef executivo Juan Carlos Buitrago Beltran cheio de orgulho em perceber que os sabores e histórias agradavam, tamale, a espécie de pamonha recheada com frango e ervilhas amarelas, como exige a cultura local.

De fato, um café da manhã de campeones.

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*A jornalista visitou os restaurantes a convite do Grupo Leo e da Agência Síbaris

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