Presencial compensa? Exigência por inovação, burnout e demissões dão pistas

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Nasce uma tendência, nascem os termos relacionados a ela. Você já leu ou ouviu por aí a sigla RTO? RTO é o acrônimo de "return to the office", volta ao escritório, em português. Mas, em 2025, "volta ao escritório" é um termo cheio de significados.
Este ano tem sido considerado "o ano oficial do retorno ao escritório". Isso porque a maioria das empresas que foram rápidas ao adotar o home office durante a pandemia, e seguiram até aqui neste esquema ou no modelo híbrido, começaram a chamar todo mundo de volta às mesas recentemente - inclusive as mais modernas, como big techs como X e Google (menos o Spotify, que segue num modelo totalmente home office e cuja chefe de RH deu uma declaração que eu adoro: "você não pode gastar tanto tempo contratando adultos e depois tratá-los como crianças", disse. Basicamente: todo trabalhador tem que ter maturidade e honrar o compromisso de entregar suas tarefas, esteja onde estiver).
Entre os argumentos das empresas para essa convocação presencial está a dificuldade de, à distância, se ter o ambiente ideal para uma boa troca de ideias, mentoria e, principalmente, para o inusitado: o que, muitas vezes, é bastante fundamental para a inovação.
O CEO da Nike, por exemplo, disse que é difícil criar um tênis disruptivo por Zoom. Faz sentido. Há também a insegurança em relação à produtividade dos funcionários, embora não haja, até hoje, nenhum estudo que comprove qualquer conexão entre baixa performance e trabalho híbrido ou remoto.
No Brasil, o que há é uma pesquisa feita com os próprios profissionais, que mostrou que quase metade deles sente que o trabalho remoto aumenta a produtividade, e não o contrário. E apenas 8% deles querem estar no escritório todos os dias - para 27% dos entrevistados, o modelo ideal é o híbrido, com dois dias de home office na semana.
Uma pesquisa recente da McKinsey nos EUA trouxe dados surpreendentes sobre este novo mundo do trabalho por lá. Primeiro, quem trabalha de home office está tão confortável com esse esquema quanto quem trabalha presencialmente (uns 83%, nos dois casos), o que mostra que as pessoas têm conseguido buscar oportunidades que satisfaçam suas expectativas e realidades.
Depois: o nível de burnout nos dois esquemas é bem semelhante - e alto, vale dizer: um terço dos profissionais se consideram em burnout. Sobre a satisfação no presencial, há uma escadinha considerável: os mais felizes são os baby boomers (80%), seguidos de gen x (73%), millennials (72%) e gen z (68%).
A pesquisa também confirmou o óbvio: mulheres tendem a ficar mais insatisfeitas com o modelo 100% presencial e, sim, isso tem tudo a ver com o fato de serem cuidadoras. Por isso, nós (e homens cuidadores, também) temos mais propensão a pedir demissão de modelos presenciais.
Sabe quem mais tende a pedir demissão com mais frequência? Quem melhor performa no trabalho. Porque, para eles, a oferta de oportunidades é grande. E aí entra uma encrenca para os departamentos de RH: muitas vezes estes profissionais tendem a receber um tratamento diferenciado quando o assunto é a escolha do local de trabalho. Basicamente, para manter as melhores cabeças dentro das empresas, os empregadores estão oferecendo políticas específicas para pessoas específicas, o que pode gerar muitos problemas entre aqueles que não gozam dos mesmos benefícios.
A pesquisa tem mais um punhado de bons dados, mas a discussão mais importante é a seguinte: RTO virou até sigla porque a ideia do retorno aos escritórios, hoje, vai muito além de apenas chamar todo mundo e voltar ao modelo pré-pandêmico de trabalho. Esse termo traduz mudanças fundamentais na forma como trabalhamos, no modo como lidamos com o trabalho, e como as empresas lidam com seus funcionários. Como diz Bryan Hancock, líder global do trabalho de talentos da McKinsey, "não importa onde você pede para alguém estar, mas o que você faz quando eles chegam lá".
Há, por exemplo, uma nova capacidade fundamental para os líderes: cabe aos gestores de cada time, aos gerentes de cada área, aos diretores de cada núcleo e, finalmente, aos CEOs de cada empresa entender o que funciona melhor para o seu grupo. Presencial, remoto ou híbrido. No cenário macro, o que veremos a partir disso é uma reorganização profissional e corporativa massiva, em que cada empresa vai funcionar de um jeito. Às vezes, até dentro de uma mesma companhia, times específicos trabalharão de forma distinta. E mesmo considerando os mesmos times, a diferença pode estar nos momentos: reuniões rápidas e cotidianas poderão seguir sendo feitas online. Já para a criação daquele tênis da Nike, talvez a turma precise mesmo de um belo período com interações presenciais.
O impacto do RTO é tão grande que afeta até o mercado imobiliário, com inúmeras empresas em regimes híbridos ou remotos precisando de espaços menores para funcionar. Muda até a arquitetura e a decoração de interiores: se a ideia de uma empresa em regime híbrido é juntar o time apenas para imersões, escritórios com mesas individuais já não fazem mais sentido.
Mais? Um artigo recente do Wall Street Journal mostrou como algumas empresas estão investindo em iluminação artificial que simula iluminação natural de diferentes períodos do dia, para que os funcionários se sintam mais confortáveis no ambiente de trabalho. Quão absurdo é isso?
Aqui da minha mesa, num home-office permanente e privilegiado, sigo observando as mudanças no mundo e, sem pesquisa nenhuma, posso garantir: encontre um trabalho que você goste e a boa qualidade da entrega estará garantida.
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