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Varfarina: efeito esperado é 'afinar' o sangue e uso é sempre monitorado

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Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

21/06/2022 04h00

Resumo da notícia

  • Varfarina é um tipo de medicamento classificado como anticoagulante
  • O efeito que se espera dele é "afinar" o sangue para prevenir ou tratar coágulos
  • Maior propensão a ter sangramentos (no nariz, gengivas) é o efeito colateral mais comum
  • O medicamento só deve ser utilizado sob orientação e acompanhamento médico

Derivada da cumarina, a varfarina é um anticoagulante que passou a ser usado em humanos em 1954, especialmente para o tratamento e prevenção de coágulos no sangue capazes de bloquear os vasos sanguíneos.

O que é varfarina?

Trata-se de um medicamento classificado como anticoagulante —seu efeito é o de afinar o sangue, evitando a formação de coágulos (trombos).

O fármaco é também chamado de anticoagulante derivado cumarínico porque foi desenvolvido a partir de uma substância, a cumarina, formada a partir da forragem de uma planta, o trevo doce estragado, na década de 1950.

Dadas as características desse medicamento, ele só deve ser utilizado sob estrita prescrição e orientação médica ou farmacêutica.

Em quais situações a varfarina pode ser usada?

Dada a utilização desse fármaco há mais de meio século, seus efeitos são bastante conhecidos. Contudo, é importante que você faça o uso racional desse remédio, ou seja, utilize-o de forma apropriada, na dose certa e por tempo adequado, conforme orientação médica ou do farmacêutico.

A varfarina pode ser indicada na prevenção e/ou tratamento de tromboses ou eventos tromboembólicos, como as condições descritas a seguir:

  • Trombose venosa profunda
  • Embolia pulmonar
  • Complicações tromboembólicas decorrentes da fibrilação atrial (um tipo de arritmia) e prótese valvar (de válvulas do coração)
  • Redução do risco de AVC, infarto e embolia sistêmica (coágulos pelo corpo)

Entenda como funciona a varfarina

Após a administração do medicamento pela via oral, ele é absorvido pelo trato gastrointestinal, é metabolizado pelo fígado e, após cumprir sua ação, é eliminado majoritariamente pela urina (80%) e fezes (20%).

De acordo com o farmacêutico e farmacologista Marcelo Polacow, presidente do CRF-SP, a varfarina é um anticoagulante, e isso "significa que seu uso interrompe a cascata de processos que levam à formação de coágulos (trombos), especialmente os dependentes da vitamina K. Como o fármaco é um antagonista dessa vitamina, ele inibe esses fatores de coagulação, ao mesmo tempo em que evita o sangramento espontâneo", explica o especialista.

Espera-se que o medicamento comece a fazer efeito no prazo de 24 a 72 horas, alcançando sua ação máxima anticoagulante entre 72 horas a 95 horas.

Conheça as apresentações disponíveis

Marevan® é medicamento de referência desse fármaco, mas você pode encontrar as versões genéricas.
Confira algumas das apresentações disponíveis:

  • Comprimidos - 1 mg; 2,5 mg; 5 mg, 7,5 mg

Algumas apresentações da varfarina constam da Rename 2022 (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e, portanto, podem ser retiradas nas farmácias do SUS (Sistema Único de Saúde), bastando apresentar a receita médica.

Há riscos no uso prolongado?

De acordo com o cardiologista Ricardo Pereira Silva, professor titular da Faculdade de Medicina da UFC, para a maioria dos pacientes, o tempo de uso da varfarina é prolongado, exceção feita aos quadros de embolia pulmonar —quando o medicamento é indicado para evitar a recorrência dessa enfermidade.

"É preciso saber que o uso contínuo desse fármaco requer acompanhamento médico contínuo porque precisamos saber como o paciente responde a ele. O objetivo é adequar a dosagem ao efeito desejado, prevenindo coágulos, mas também sangramentos. E isso é feito por meio da análise da RNI (Razão Normalizada Internacional), um número padrão que determina a capacidade de coagulação do sangue", explica o médico.

Para avaliar a RNI, o paciente deve se submeter a um exame chamado tempo de protrombina, que é repetido periodicamente.

Quais são as vantagens e desvantagens do uso desse medicamento?

Os especialistas consultados concordam que a maior vantagem da varfarina é que ela é um medicamento cujo uso, efeitos colaterais e manejos destes já foram bastante estudados, o que faz dele seguro e eficaz. Além disso a medicação é também acessível a toda população, já que está disponível nas farmácias do SUS.

Valdemir de Paula, chefe do Setor da Farmácia Hospitalar do HC-UFPE, diz que, apesar disso, a desvantagem da varfarina é que ela tem alcance terapêutico estreito, ou seja, o limite entre a dose que trata (terapêutica) e a que causa dano (tóxica) é muito pequeno.

"Assim, quando usada erroneamente, ela é considerada um medicamento potencialmente perigoso. E essa é a razão da necessidade do monitoramento constante: evitar efeitos indesejados", acrescenta o especialista.

Conheça as contraindicações

A varfarina possui várias contraindicações, além de muitas condições de saúde que devem ser consideradas pelo médico no momento da prescrição do medicamento.

Ela não pode ser usada por pessoas que sejam alérgicas (ou tenham conhecimento de que alguém da família tenha tido reação semelhante) ao seu princípio ativo ou a qualquer outro componente de sua fórmula.

Fique também atento à presença das condições abaixo descritas, que deverão ser noticiadas ao médico ou farmacêutico antes do início do uso do medicamento. Confira:

  • Gravidez (exceção feita a mulheres com prótese valvar)
  • Tendência significante a ter hemorragias
  • Cirurgias recentes nos olhos, no SNC (Sistema Nervoso Central) e até bucais
  • Hipertensão sem controle
  • Anestesia lombar ou regional
  • Punção espinal
  • Pacientes com potencial de não adesão ao tratamento
  • Suspeita de aborto, eclâmpsia ou pré-eclâmpsia
  • Tendência a hemorragias relacionadas a problemas no coração (endocardite, pericardite, por exemplo)
  • Doença ulcerativa ativa do trato gastrointestinal
  • Hemorragia evidente dos sistemas gastrointestinal, geniturinário ou respiratório
  • Hipotireoidismo

Crianças e idosos podem usá-la?

Embora os coágulos ocorram com menos frequência entre crianças, quando comparado aos adultos, dada a presença de fatores fisiológicos protetivos como a menor capacidade de gerar trombos nesse período da vida, quando necessário, o medicamento pode ser utilizado.

Aliás, a varfarina é o anticoagulante mais utilizado na pediatria e está relacionada ao aumento de taxas de sobrevivência em pacientes graves. Os dados são da Revista Paulista de Pediatria.

Já os idosos podem ser beneficiados pelo medicamento, mas a prescrição deve ser criteriosa. Isto significa que o médico, antes de optar por ele, precisa considerar várias situações, como o maior risco de sangramentos decorrentes de quedas, uso contínuo de outros medicamentos, condições gerais de saúde e cognitivas desses pacientes.

Cabe também ao profissional da saúde estar atento à dosagem e seus efeitos, o que requer ainda maior atenção durante o tratamento.

Estou grávida e pretendo amamentar. Posso usar varfarina?

O medicamento consegue ultrapassar a barreira da placenta e pode levar a anormalidades no SNC, e mesmo à hemorragia no feto. O seu uso durante a gravidez também está associado a abortos, partos prematuros e morte do bebê após o parto. Por isso, ele é contraindicado durante a gravidez.

O próprio fabricante adverte que ele pode ter esses efeitos, mas a literatura médica sobre a varfarina esclarece que há uma única exceção na qual ela poderia ser usada: na tromboembolia em mulheres grávidas com prótese de válvula do coração. Nesse único caso, o médico deverá avaliar riscos e benefícios do uso do fármaco, e decidir pela sua indicação ou não.

Quanto à amamentação, embora a medicação não passe para o leite materno, a recomendação é que você informe seu médico sobre sua intenção de amamentar para que ele possa avaliar se seria o caso de manter o tratamento com a varfarina ou não. Caso ele sugira a continuidade do tratamento, ele deverá monitorá-la constantemente.

Qual é a melhor forma de tomar varfarina?

A sugestão é que o medicamento seja ingerido com água, de preferência antes das refeições (o uso concomitante com os alimentos poderia comprometer a sua biodisponibilidade, ou seja, ele demoraria mais tempo para fazer seu efeito).

Apesar disso, siga as instruções de seu médico sobre a melhor forma de tomá-lo para o tratamento de seu quadro clínico. Lembre-se que o esquema de doses é sempre personalizado. E, no caso da varfarina, fatores como idade, peso, raça e gênero também devem ser considerados nesse contexto, entre outras situações.

Assim, evite aumentar, reduzir ou mesmo automedicar-se: sem a orientação e o monitoramento de um profissional da área da saúde, o risco de efeitos colaterais aumenta.

O que faço quando esquecer de tomar o remédio?

Aguarde o horário da próxima dose, e tome o remédio normalmente, conforme orientação médica e do farmacêutico.

É desaconselhado tomar doses em dobro de uma vez para compensar a dose que foi esquecida. Se você sempre se esquece de tomar seus remédios, use algum tipo de alarme para lembrar-se.

Quais são os possíveis efeitos colaterais?

Este medicamento é considerado bem tolerado, seguro e eficaz quando usado em doses adequadas. No entanto, algumas pessoas podem apresentar manifestações como sangramentos nasais, das gengivas, ciclos menstruais mais intensos e hematomas. São também relatados os seguintes sintomas:

  • Náuseas
  • Vômito
  • Gases
  • Dor abdominal
  • Mudanças no paladar

Outros efeitos colaterais mais graves são sangramento (como nos olhos) e hemorragia. Esta última pode ser intracranial, gastrointestinal, por exemplo, mas pode ocorrer em qualquer parte do corpo.

Importante saber que tais efeitos dependem de muitas variantes, como a intensidade da coagulação e suscetibilidade de cada pessoa. Esta é uma das razões pelas quais quem usa esse medicamento deve ser acompanhado de perto por um médico ou farmacêutico.

Além desses exemplos, a varfarina pode causar outros efeitos colaterais mais raros, como a síndrome do dedo roxo e a necrose da pele. Fale com o médico ou farmacêutico caso observe o aparecimento de algum sintoma estranho durante o uso desse medicamento.

Interações medicamentosas

Algumas medicações não combinam com a varfarina, e quando isso acontece, elas podem alterar ou reduzir seu efeito.

Avise o médico, o farmacêutico ou dentista, caso esteja fazendo uso (ou tenha feito uso recentemente) das substâncias abaixo descritas, que são apenas alguns exemplos das possíveis interações. Confira:

  • Anti-inflamatório não esteroidal (como o ácido acetilsalicílico, diclofenaco, etodolaco e naproxeno);
  • Antivirais (aciclovir)
  • Antibióticos (ciprofloxacina, eritromicina, rifampicina, claritromicina, metronidazol)
  • Medicações para tratar a arritmia (amiodarona)
  • Outros anticoagulantes (heparina)
  • Ansiolíticos (alprazolam)
  • Antifúngicos (cetoconazol)
  • Antiagregantes plaquetários (clopidogrel)
  • Bloqueadores do canal de cálcio (anlodipino)
  • Fármacos para tratar a asma (montelucaste)
  • Medicamentos para tratar o colesterol (atorvastatina)
  • Antiácidos (cimetidina)
  • Medicações para tratar HIV (ritonavir)
  • Anticonvulsivantes (carbamazepina, fenitoína ou ácido valproico)
  • IRSR (Inibidor seletivo da recaptação da serotonina, como citalopram, fluoxetina, sertralina)
  • Contraceptivos orais (antes de começar ou parar de usá-lo, é preciso fazer um exame para saber se as doses da varfarina precisam ser ajustas)
  • Corticosteroides (prednisona e metilprednisona)

Lembre-se também de informar ao médico ou ao farmacêutico sobre o eventual uso de suplementos bem como fitoterápicos que, potencialmente, podem interferir no efeito desejado da varfarina. Dê especial atenção à coenzima Q10, erva de São João (hipérico), ginseng, equinácea, ginkgo biloba, alho e ao hidraste (Hydrastis canadensis).

Preciso mudar minha dieta?

Não existe indicação de mudanças na dieta durante o tratamento com a varfarina. Como o medicamento está relacionado à vitamina K, alimentos ricos neste nutriente podem reduzir seu efeito. Assim, é importante manter o consumo regular de alimentos ricos em vitamina K, mas sem exagerar nas porções.

Caso a sua dieta seja abundante nesses alimentos e você tenha dúvidas sobre o consumo ideal para você, esclareça-as com seu médico.

São exemplos de alimentos ricos em vitamina K: fígado bovino, brócolis, couve-de-Bruxelas, repolho, couve, escarola, alface, mostarda, salsa, soja, espinafre, acelga, nabo, agrião e outros vegetais de folhas verde-escuro.

Quem faz uso de varfarina também deve evitar tomar suco de cranberry, de toranja e o uso pesado de álcool. As frutas citadas e a bebida alcoólica potencializam o efeito anticoagulante, o que poderia levar a sangramentos indesejáveis. Converse com seu médico para saber se, no seu caso, seria seguro consumir álcool ocasionalmente.

A varfarina pode alterar resultados de exames laboratoriais?

O fabricante esclarece que o uso da varfarina não interfere no resultado de exames laboratoriais, indicando como única exceção exames dependentes da vitamina K, como é o caso do tempo de protrombina.

"Outra situação que pode acontecer é o paciente apresentar hematúria macroscópica ou microscópica, ou seja, sangue na urina. Como esse achado indica alguns problemas de saúde, é importante o paciente informar que está usando anticoagulante para ajudar no diagnóstico", esclarece a farmacêutica Amouni Mourad, professora do curso de farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e assessora técnica do CRF-SP.

Em casa, coloque em prática as seguintes dicas:

  • Observe a validade do medicamento indicado no cartucho. Lembre-se: após a abertura, alguns fármacos têm tempo de validade menor, o que também é influenciado pela forma como você o armazena;
  • Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento;
  • Ingira os comprimidos inteiros. Evite esmagá-los ou cortá-los ao meio --eles podem ferir sua boca ou garganta;
  • Em caso de cápsulas, não as abra para colocar o conteúdo em água, alimentos ou mesmo para descartar. Sempre use a cápsula íntegra;
  • No caso de suspensões orais, agite bem o frasco antes de usar. E sempre limpe o copo dosador antes e após o uso. E armazene junto ao frasco do medicamento, para evitar misturar com outros medicamentos;
  • Prefira comprar remédios nas doses justas para o uso indicado para evitar sobras;
  • Respeite o limite da dosagem diária indicada na bula;
  • Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são a melhor opção. A temperatura ambiente deve estar entre 15°C e 30°C;
  • Guarde seus remédios em compartimentos altos. A ideia é dificultar o acesso às crianças;
  • Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de remédios. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm projetos de coleta;
  • Evite descarte no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Frascos vazios de vidro e plástico, bem como caixas e cartelas vazias podem ir para a reciclagem comum.

O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em pdf) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a Cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - Fiocruz) (em pdf) ou do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (também em pdf). Quanto mais você se educa em saúde, menos riscos você corre.

Fontes: Amouni Mourad, farmacêutica, professora do curso de farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e assessora técnica do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia em São Paulo); Marcelo Polacow, farmacêutico, mestre e doutor em farmacologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e presidente do CRF-SP; Ricardo Pereira Silva, cardiologista e professor titular da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará) e integrante do corpo clínico do HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio), da mesma instituição, que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Valdemir de Paula, chefe do Setor da Farmácia Hospitalar do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco), que integra a rede Ebserh. Revisão técnica: Amouni Mourad.

Referências: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); Patel S, Singh R, Preuss CV, et al. Warfarin. [Atualizado em 2022 Mar 13]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470313/; Santos BB, Heineck I, Negretto GW. USE OF WARFARIN IN PEDIATRICS: CLINICAL AND PHARMACOLOGICAL CHARACTERISTICS. Rev Paul Pediatr. 2017 Oct-Dec; 35(4):375-382. doi: 10.1590/1984-0462/;2017;35;4;00008. Epub 2017 Sep 21. PMID: 28977131; PMCID: PMC5737260.