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O que pode ser?

A partir do sintoma, as possíveis doenças


Hiper e hipotireoidismo: automedicação e falta de tratamento elevam riscos

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Imagem: iStock

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

30/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A tireoide é uma glândula em forma de borboleta localizada na base do pescoço
  • Ela produz hormônios que controlam os batimentos cardíacos e a temperatura corporal etc.
  • A produção de mais ou menos hormônios leva ao hipertireoidismo e ao hipotireoidismo
  • As doenças acometem mais as mulheres, mas podem afetar homens e até crianças

A tireoide é uma glândula situada na base do pescoço, tem cerca de 5 cm de diâmetro e pesa aproximadamente 15 g. Em geral, ela é representada como uma borboleta porque possui duas metades (lobos) que são interligadas por uma parte central (istmo). Apesar disso, a palavra tireoide deriva do grego thyreos, cujo significado é escudo.

Responsável pelo normal funcionamento das funções vitais, como a frequência dos batimentos cardíacos e da respiração, entre outros, a glândula é imperceptível e somente pode ser palpável quando há aumento do seu tamanho.

Além disso, ela é encarregada da produção de hormônios tireoidianos, e algum desequilíbrio nesse mecanismo pode levar ao hipertireoidismo ou ao hipotireoidismo. Essas enfermidades podem acometer homens, mulheres e crianças (1% da população em geral), e é mais frequente entre as pessoas do sexo feminino, principalmente durante a menopausa e no pós-parto; já a segunda doença, é mais prevalente entre as mulheres: 10% delas podem apresentar o problema na idade adulta, embora tal manifestação possa ocorrer em qualquer fase da vida.

Entenda as funções da tireoide

O objetivo dessa glândula é produzir hormônios tireoidianos, que são responsáveis pelo controle do funcionamento normal do organismo, ou seja, do metabolismo. Essa produção depende da presença de um específico elemento químico: o iodo.

A tireoide secreta a tiroxina (T4), em resposta ao Hormônio Estimulante da Tireioide, o TSH —originário da glândula pituitária. Por meio de determinadas enzimas, o T4 se converte em tri-iodotironina (T3), uma forma hormonal mais ativa.

Juntos, esses hormônios influenciam as funções vitais, como a frequência dos batimentos cardíacos, a respiração, o consumo de calorias, o crescimento, a manutenção da pele, do cabelo e da temperatura, entre outros.

Entenda a diferença entre hipertireoidismo e hipotireoidismo

A anormal atividade da tireoide pode levar ao aumento (hipertireoidismo) ou à redução (hipotireoidismo) da produção hormonal. Confira:

  • Hipertireoidismo: caracteriza-se pela hiperatividade da tireoide. Esse desequilíbrio eleva a concentração dos hormônios e aumenta a velocidade do metabolismo orgânico;
  • Hipotireoidismo: a glândula tem sua atividade reduzida, provocando uma produção hormonal insuficiente. A consequência é a redução de velocidade do metabolismo.

Por que isso acontece?

Em mais de 70% dos casos de hipertireoidismo, a causa é a doença de Graves. Trata-se de uma enfermidade autoimune (o organismo volta-se contra si mesmo) que promove a hiperatividade da tireoide.

Uma particularidade da doença de Graves é que é comum existirem outros casos na família do paciente. Por isso, é importante conhecer o histórico de saúde da sua família.

Conheça as outras possíveis causas:

  • Tireoidite viral - inflamação da tireoide causada por vírus
  • Adenoma - nódulos que produzem hormônios
  • Uso de suplementos - como a Solução de Lugol

Já a causa mais frequente do hipotireoidismo é outra doença autoimune, a tireoidite de Hashimoto —que leva à destruição natural da glândula. Nas regiões em via de desenvolvimento, a origem é a deficiência de iodo.

O quadro também pode aparecer como consequência das seguintes situações:

  • Remoção total ou parcial da tireoide
  • Uso de determinados medicamentos
  • Pós-tratamento do hipertireoidismo
  • Hipotireoidismo congênito (o teste é feito ainda na maternidade --é o do pezinho)
  • Problema na glândula pituitária
  • Puerpério (pós-parto) e infecção viral (temporariamente)

Quem precisa ficar mais atento

As duas enfermidades podem acometer homens, mulheres e crianças em qualquer idade.

Contudo, o hipertireoidismo é mais frequente entre as mulheres durante o período da menopausa e no puerpério. Quanto ao hipotireoidismo, ele afeta, majoritariamente, os adultos maduros —em especial as mulheres.

A explicação para que o gênero feminino seja mais acometido por essas doenças da tireoide é que tal grupo é mais suscetível às enfermidades autoimunes, justamente as causas mais comuns do hipertireoidismo e do hipotireoidismo.

Saiba reconhecer os sintomas do hipertireoidismo

Muitas vezes essa enfermidade pode se manifestar lentamente, e a aceleração do metabolismo pode ser identificada apenas como uma maior disposição que levará ao cansaço, dado o elevado gasto energético.

Por outro lado, seus sintomas podem aparecer de forma muito rápida, manifestando-se como uma aceleração de todas as funções do organismo. Nesse contexto, a perda de peso não intencional se destaca, principalmente porque a dieta continua sendo a mesma. Além disso, pode-se também notar:

  • Palpitação
  • Irritabilidade
  • Ansiedade
  • Mudanças de humor
  • Sede constante
  • Tremor
  • Cansaço
  • Queda de cabelo
  • Diarreia
  • Modificação no movimento intestinal
  • Fraqueza muscular (parte superior dos braços e coxas)
  • Intolerância ao calor
  • Falta de ar
  • Transpiração intensa
  • Coceira
  • Falta de interesse nas atividades sexuais

Se a origem do problema for a doença de Graves, inchaço na parte da frente do pescoço, olhos aumentados ou inchados também poderão ser observados (oftalmopatia de Graves). Mas tais alterações raramente aparecem na fase inicial do hipertireoidismo.

Saiba identificar os sintomas do hipotireoidismo

Os sinais de que o metabolismo está mais lento variam de pessoa a pessoa, e ainda se confundem com os de outras doenças.

Por vezes as manifestações não são intensas, mas o inchaço, a intolerância ao frio, a redução do volume do suor e modificações na pele podem estar presentes. Veja, a seguir, outros possíveis sintomas:

  • Pele seca
  • Mudança na voz
  • Queda de cabelo
  • Unha fraca
  • Cansaço
  • Constipação
  • Cãibra
  • Problemas de sono
  • Mudanças no ciclo menstrual
  • Aumento de peso
  • Depressão
  • Ansiedade
  • Declínio da memória
  • Dor articular

Quando é a hora de procurar ajuda médica?

Aléxei Volaco, endocrinologista e professor adjunto da disciplina de endocrinologia da Escola de Medicina da PUC-PR, afirma que a hora de marcar a consulta é o momento em que a pessoa nota a perda da qualidade de vida ou uma modificação de seu estado geral de saúde. Pode ser uma mudança dos hábitos intestinais ou na transpiração, por exemplo.

"No hipertireoidismo essa percepção é mais rápida porque os sintomas são muito incômodos. Porém, no hipotireoidismo, acontece exatamente o contrário. A pessoa pensa que seus sintomas são naturais do envelhecimento ou decorrem da menopausa. O diagnóstico é quase sempre retardado por esses motivos", observa o médico.

Qual médico consultar?

Como essas doenças são muito comuns, geralmente quem faz o primeiro atendimento são o médico de família ou o clínico geral. Mas até o pediatra ou o ginecologista podem detectar algum problema durante o acompanhamento de rotina de seus pacientes.

Como a mudança do peso é bastante característica nas duas doenças, para mais ou para menos, o endocrinologista poderá, também, ser a primeira escolha desses indivíduos —especialmente nos casos de hipertireoidismo.

Como é feito o diagnóstico?

Os especialistas garantem: o diagnóstico dessas doenças é bastante simples. Na consulta, o médico levantará seu histórico de saúde e fará um cuidadoso exame físico, porque alguns sintomas e sinais dessas enfermidades são bastante evidentes.

Para confirmar o diagnóstico, o profissional solicitará exames de sangue que mostrarão como andam as funções da tireoide. Isso se faz por meio de testes chamados TSH, T3 e T4 livre.

Caso esses testes confirmem alguma anormalidade, outros exames serão requisitados para investigar a sua origem. O mais comum deles é o ultrassom.

Como é o tratamento do hipertireoidismo?

Ele sempre é personalizado porque depende de várias condições como a idade do paciente, a gravidade ou a presença de outras doenças, e ainda dependerá dos objetivos terapêuticos: controle de sintomas ou terapia definitiva.

Os médicos têm à disposição as seguintes estratégias:

  • Medicamentos (é a primeira fase do tratamento e visa controlar a produção hormonal)
    Terapia com iodo radioativo (destrói as células da tireoide)
  • Cirurgia (tireoidectomia, nos casos mais graves)
    Betabloqueadores (controlam os batimentos cardíacos, mas não são obrigatórios)

O tratamento do hipertireoidismo pode ter como consequência o hipotireoidismo.

Como é tratado o hipotireoidismo?

Aqui, o tratamento é simples e dura, geralmente, por toda a vida. A abordagem terapêutica é sempre medicamentosa, ou seja, serão indicados medicamentos para reposição do hormônio.

Qual a relação dessas enfermidades com doenças do coração?

Um dos sintomas da hiperatividade da tireoide são as palpitações. Por isso, ter hipertireoidismo aumenta a chance de ter fibrilação atrial —justamente uma doença relacionada à irregularidade e anormalidade dos batimentos cardíacos. A insuficiência cardíaca é outra enfermidade ligada à aceleração do metabolismo —o coração não bombeia o coração como deveria.

Quando o hipotireoidismo não é tratado, o risco é o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, aumento do colesterol —o que poderia obstruir as artérias, impedir o fluxo normal da circulação e levar ao infarto.

Apesar dessas possibilidades, tratamento e acompanhamento médicos reduzem os riscos para essas consequências à saúde do coração.

Estou grávida. Posso ter complicações?

Desde que você esteja sendo acompanhada por um médico e as enfermidades estejam sendo devidamente controladas, há grandes chances de se ter uma gestação sem problemas. A declaração é de Carolina Ferraz, endocrinologista da SBEM-SP e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Na falta desses requisitos, grávidas com ambas as doenças têm risco aumentado para os seguintes quadros:

No hipertiroidismo:

  • Pré-eclâmpsia
  • Aborto
  • Prematuridade
  • Baixo peso do bebê

No hipotiroidismo:

  • Pré-eclâmpsia
  • Anemia da gestante
  • Hipoatividade na tireoide do bebê
  • Sangramentos no pós-parto
  • Problemas no desenvolvimento físico e mental do bebê
  • Parto prematuro e baixo peso do bebê
  • Óbito fetal
  • Aborto

"O ideal é que a gestação aconteça quando a paciente está com suas doenças sob controle. A terapia vai prosseguir durante a gravidez. A exceção é o tratamento com o iodoradioativo para os casos de hipertireoidismo", fala a médica. "Mas muitas mulheres engravidam sem saber que têm essas doenças. Por isso, já foi integrado aos exames do pré-natal a dosagem de TSH, exatamente para que o médico possa intervir", completa.

O que acontece se essas doenças não forem tratadas?

Os efeitos do hipertireoidismo afetam negativamente a qualidade de vida porque são mais intensos e, por isso, em geral, o paciente sempre busca ajuda médica mais rapidamente.

Quando isso não ocorre, uma das complicações mais comum é a oftalmopatia de Graves —presente em 1 a cada 3 pessoas com essa doença. Olho seco, sensibilidade à luz, lacrimejamento e inchaço são alguns dos seus sintomas.

No hipotireoidismo acontece o mesmo. A qualidade de vida piora e os sintomas podem levar a doenças cardíacas. Nos casos em que a falta do hormônio decorre de cirurgia de retirada da glândula, a situação mais extrema pode ser o avanço da doença que leva ao coma mixedematoso, o estágio mais grave do hipotireoidismo, e que afeta outros órgãos.

Dá para prevenir?

Não. As causas mais comuns do hipertireoidismo e hipotireoidismo são doenças autoimunes e, para estas, ainda não existem meios de prevenção ou tratamento. A boa notícia é que suas consequências são controláveis nas formas descritas.

Preciso ter uma dieta especial?

Não há evidências científicas de que um determinado tipo de regime alimentar possa ser benéfico para o controle do hiper ou hipotireoidismo. Como a tireoide precisa do iodo para o seu regular funcionamento, esse elemento não pode faltar no seu prato. E, para esse fim, basta fazer uso do sal de cozinha iodado diariamente.

Os especialistas advertem que o uso diário sal do Himalaia deve ser evitado, exatamente por faltar-lhe o iodo. E ainda desaconselham a ingestão da Solução de Lugol —cujas propriedades seriam protetivas da saúde da tireoide. Contudo, seu consumo pode ter sérias consequências, como o desencadeamento dessas duas enfermidades.

"A orientação geral é que esses pacientes tenham um regime alimentar equilibrado, rico em frutas, verduras, grãos, proteínas e gorduras de qualidade, além de baixa ingestão de alimentos industrializados", fala Homero Luis de Aquino Palma, médico de família e professor da Escola de Medicina da PUC-PR.

Alguns nutricionistas defendem que dietas anti-inflamatórias —como as que suprimem ou reduzem o uso de glúten e lactose, podem ser úteis nas doenças autoimunes mas, até o momento, não há comprovação de que elas melhorem ou piorem esses quadros.

O consumo de crucíferas, como a couve-flor e o brócolis, assim como a soja, também já foi declarado como contraindicado para quem tem baixa atividade metabólica. Contudo, a maioria dos especialistas entende que isso só seria possível com a ingestão de grandes quantidades desses alimentos diariamente. Mantê-los no cardápio de forma equilibrada não teria esse efeito.

Saiba como colaborar com o tratamento

Como essas enfermidades exigem acompanhamento constante, especialmente nos casos de hipotireoidismo, cuja terapia é contínua, a melhor forma de colaborar com seu médico é atender às suas orientações, comparecer às consultas marcadas e tomar seu medicamento pelo tempo e na forma por ele indicados.

Na hora da consulta, aproveite ao máximo a conversa com o médico e tire todas as suas dúvidas. Para facilitar, você pode levar por escrito suas perguntas para que ele explique o que você deseja saber.

Além disso, evite a automedicação, a troca do medicamento prescrito por outro semelhante ou mesmo o consumo de substâncias como o Lugol. Essas práticas podem prejudicar o seu tratamento e ainda levar a graves consequências para a sua saúde geral.

Qual é a relação entre doenças da tireoide e covid-19?

De acordo com as orientações da SBEM, pessoas com hipotireoidismo ou hipertireoidismo não fazem parte do grupo de risco para a infecção da covid-19, ainda que suas causas estejam relacionadas a doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves.

Apesar disso, pacientes com doenças descompensadas ou não tratadas têm, sim, maior risco para infecções virais e complicações. Nesses casos, o conselho é buscar ajuda médica tão logo seja possível, além de seguir as orientações gerais para a prevenção da covid.

Já a AACE (Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos) sugere que pessoas que estejam sob tratamento com medicamentos imunossupressores, ou usem altas doses de corticoides, devem conversar com seus médicos para que estes possam avaliar cada caso e fatores de risco.

A entidade observa ainda que alguns fármacos usados para tratar a doença de Graves podem ter como efeito colateral sintomas semelhantes aos da covid-19: febre, dores de garganta e muscular. Embora raros, caso observe a presença desses sintomas, busque ajuda médica imediata e avise o profissional da saúde sobre o uso desse tipo de medicamento.

Fontes: Carolina Ferraz, endocrinologista da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional São Paulo) e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Homero Luis de Aquino Palma, médico de família e clínico do Home Care da Amil, responsável pela Saúde do Homem do DAPS (Departamento de Atenção Primária à Saúde), da Prefeitura Municipal de Curitiba, professor da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Aléxei Volaco, médico endocrinologista, professor adjunto da disciplina de endocrinologia da Escola de Medicina da PUC-PR, com mestrado em obesidade e doutorado em diabetes. Revisão técnica: Carolina Ferraz.

Referências: Ministério da Saúde; SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); AACE (Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos); Mathew P, Rawla P. Hyperthyroidism. [Updated 2020 May 30]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020; Patil N, Rehman A, Jialal I. Hypothyroidism. [Updated 2020 Feb 20]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020; Genovese BM, Noureldine SI, Gleeson EM, Tufano RP, Kandil E. What is the best definitive treatment for Graves' disease? A systematic review of the existing literature. Ann Surg Oncol. 2013; Ahmed AM, Ahmed NH. History of disorders of thyroid dysfunction. East Mediterr Health J. 2005.