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Remédios e Tratamentos

Um guia dos principais medicamentos que você usa


Lítio traz equilíbrio no transtorno bipolar, mas exige controle contínuo

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Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

05/01/2021 04h00Atualizada em 13/09/2021 13h28

Resumo da notícia

  • O lítio é o primeiro medicamento classificado como estabilizador do humor
  • Ele é indicado para o tratamento do transtorno afetivo bipolar
  • Benefícios podem demorar de 1 a 3 semanas, e até mais de 1 mês para serem notados
  • Um efeito promissor dele é a ação protetiva no Alzheimer e em outras demências

O lítio é um elemento da natureza que foi identificado a partir de uma descoberta do patriarca da independência, José Bonifácio de Andrade e Silva, a petalita. Na metade do século 19, os cientistas já tinham identificado seus efeitos terapêuticos, mas os psiquiatras só passariam a utilizá-lo, com maior frequência, em 1949 nos quadros de mania.

Posteriormente, ele também veio a ser indicado nos casos de depressão. Hoje, o carbonato de lítio é um dos medicamentos que compõem o tratamento e o controle do transtorno afetivo bipolar (TAB).

O que é lítio?

Ele é o primeiro medicamento classificado como estabilizador de humor e continua sendo considerado como primeira linha de tratamento do TAB.

Devido às suas características, ele só pode ser comercializado sob receita médica.

Em quais situações deve ser usado?

Dada a utilização desse fármaco há mais de 70 anos, ele é considerado seguro e eficaz. Contudo, é importante que você faça o uso racional desse remédio, ou seja, utilize-o de forma apropriada, na dose certa e pelo tempo determinado pelo seu médico.

A medicação pode ser prescrita nos seguintes quadros do TAB:

  • Episódios de mania aguda
  • Manutenção da terapia
  • Prevenção de mania
  • Prevenção da fase depressiva
  • Hiperatividade psicomotora (em transtornos psiquiátricos de modo geral)

A literatura médica sobre o medicamento registra o seu uso conjugado com outros fármacos para o tratamento da depressão, nos raros casos de dor de cabeça de origem vascular denominados cefaleia em salva e neutropenia (contagem baixa de glóbulos brancos), além de prevenção do suicídio. Essas indicações não constam da bula. Por isso são chamadas de off-label.

Orestes V. Forlenza, psiquiatra e professor associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP fala que já é também conhecida a ação protetiva do lítio no Alzheimer e em outras demências, bem como doenças que afetam o SNC (Sistema Nervoso Central), como Parkinson, Huntington, a lesão medular e a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica).

"O uso prolongado de carbonato de lítio, em doses sub-terapêuticas, tem se demonstrado capaz de atenuar a deterioração cognitivo-funcional, além de reduzir a demência", acrescenta o médico.

Entenda como ele funciona

O lítio possui boa farmacocinética, ou seja, ao ser administrado pela via oral, é rapidamente absorvido e distribuído pelo corpo em pequenas quantidades, mas não é metabolizado. Depois, é excretado pela urina, quase sem sinais de modificação.

Até o momento não se conhece exatamente o mecanismo de ação (farmacodinâmica) desse medicamento. O que se sabe é que ele é benéfico em determinados quadros psiquiátricos.

Uma das teorias é que o lítio tem um papel de proteção e criação de novos neurônios por meio da inibição de enzimas como o glicogênio sintase quinase 3 beta (GSK 3), o inositol-monofosfatase (IMPase), modulando, direta ou indiretamente, esses processos metabólicos.

O tratamento com esse medicamento é contínuo. E, em geral, é preciso esperar de 1 a 3 semanas, e até mais de 1 mês, para que se observem seus efeitos. Mas isso pode variar a depender de pessoa a pessoa.

Conheça as apresentações disponíveis

A marca de referência do lítio é o Carbolitium®. Mas você pode encontrar as versões genéricas.

Aliás, uma das apresentações do carbonato de lítio consta da Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), por isso têm distribuição gratuita em todas as UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Para ter acesso a ela, basta apresentar a receita médica. Confira as apresentações e doses disponíveis:

  • Comprimido revestidos - 300 mg
  • Comprimido de liberação prolongada - 450 mg

Quais são as vantagens e desvantagens desse medicamento?

Na opinião de Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, a maior vantagem do lítio é que ele é um medicamento acessível e bastante eficaz entre os pacientes que apresentam boa resposta ao medicamento.

"A desvantagem é a necessidade de controle contínuo do paciente para avaliar os níveis séricos de lítio, ou seja, as suas concentrações na corrente sanguínea", diz.

A razão para isso é o chamado índice terapêutico que, no caso do lítio, é baixo. A distância entre a dose usada e a dose tóxica é pequena. Portanto, é preciso estar sempre atento a este paciente, especialmente se ele tem função renal deficiente.

Saiba quais são as contraindicações

O lítio não pode ser usado por pessoas que sejam alérgicas (ou tenham conhecimento de que alguém da família tenha tido reação semelhante) ao seu princípio ativo ou a qualquer outro componente de sua fórmula.

Fique também atento na presença das seguintes condições:

  • Problemas renais
  • Doenças cardiovasculares
  • Idade inferior a 12 anos
  • Gravidez
  • Uso de diuréticos
  • Desidratação
  • Carência de sódio

Crianças e idosos podem usá-lo?

A literatura médica sobre o lítio sugere evitar o uso desse medicamento em crianças com menos de 12 anos de idade.

Já os idosos respondem bem ao tratamento, mas as doses, para eles, devem ser mais baixas. Além disso, o médico deve estar atento ao uso de outros medicamentos que possam interagir com o lítio. Nesse grupo, junto ao cuidadoso monitoramento dos níveis de lítio no sangue deve se somar avaliação periódica dos rins, funções da tireoide e do coração.

Estou grávida? Posso usar lítio?

Não. Ele é contraindicado durante a gravidez, principalmente nas primeiras 12 semanas. Informe seu médico da gestação para que ele possa orientá-la sobre as melhores opções de tratamento no seu caso.

Lítio e amamentação

O medicamento pode passar para o leite materno e está relacionado a efeitos colaterais para o bebê. Fale com seu médico sobre seu desejo de amamentar para que ele possa avaliar os parâmetros de risco/benefício da manutenção do tratamento.

Lembre-se: somente o médico pode considerar se as doses devem ser reduzidas, e se há algum outro medicamento que possa substituir o lítio, dado o seu perfil de segurança.

Qual é a melhor forma de consumi-lo?

A orientação é de que ele seja ingerido com água. A absorção do lítio é mais lenta com o estômago vazio. Por isso, alguns pacientes preferem tomá-lo durante as refeições, o que não só ajuda a lembrar de usá-lo, mas também evita eventual enjoo. As explicações são de Amouni Mourad, professora do curso de farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e assessora técnica do CRF-SP. Ela sugere que você pergunte ao seu médico se esta particularidade pode beneficiar seu tratamento.

Existe uma melhor hora do dia para usar esse medicamento?

Não. O importante é que ele seja ingerido na forma indicada pelo médico ou o fabricante e sempre no mesmo horário.

O que faço quando esquecer de tomar o remédio?

Tome-o assim que lembrar e reinicie o esquema de uso do medicamento. É desaconselhado tomar doses em dobro de uma vez para compensar a dose que foi esquecida. Se você sempre se esquece de tomar seus remédios, use algum tipo de alarme para lembrar-se.

Quais são os possíveis efeitos colaterais?

Este medicamento é considerado bem tolerado, seguro e eficaz quando utilizado de acordo com as orientações médicas. Em geral, os efeitos colaterais estão mais relacionados às doses.

Algumas pessoas poderão observar as seguintes manifestações:

  • Acne
  • Gosto metálico na boca
  • Aumento de peso
  • Erupção cutânea
  • Náusea
  • Diarreia
  • Redução dos hormônios da tireoide
  • Aumento do tamanho da tireoide
  • Aumento dos glóbulos brancos no sangue
  • Urina excessiva
  • Perda urinária involuntária
  • Confusão
  • Problemas de memória
  • Tremor
  • Delírio
  • Coma
  • Convulsão (raro)
  • Palpitações

Interações medicamentosas

Algumas medicações não combinam com o lítio. E quando isso acontece, elas podem alterar ou reduzir seu efeito. Avise o médico, caso esteja fazendo uso (ou tenha feito uso recentemente) das substâncias abaixo descritas, que são exemplos de interação, mas não excluem outras que, eventualmente, possam ter o mesmo efeito. Confira:

  • Diuréticos - como a furosemida
  • Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINES) - ibuprofeno, diclofenaco
  • Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) - como o lisinopril
  • Antidepressivos - como a fluoxetina, escitalopram, sertralina
  • Antibióticos - como o metronizadol
  • Anticonvulsivos - como a carbamazepina

Até o momento não há informação sobre a interação com fitoterápicos. Informe seu médico caso esteja fazendo uso de algum tipo deles.

Minha fertilidade pode ser afetada?

Não há evidências de que o lítio possa afetar a fertilidade em mulheres. Por outro lado, alguns poucos estudos sugerem redução na contagem de espermatozioides e até disfunção sexual em homens.

Um ponto a se considerar é que o TAB se relaciona com a hiperssexualidade. Quando o equilíbrio de humor se estabelece, uma mudança no apetite sexual pode ser identificada como um efeito colateral.

O lítio corta o efeito do anticoncepcional?

O medicamento não afeta a ação de nenhum tipo de contraceptivo.

Existe interação com exames laboratoriais?

Não são conhecidos exames que possam ter resultados alterados em razão do uso do lítio. Contudo, o medicamento pode interferir na função de órgãos e sistemas, e essas eventuais alterações podem ser detectadas por exames laboratoriais.

Daí a necessidade de constante monitoramento dos rins, por exemplo, para observar níveis de creatinina, dos hormônios da tireoide (TSH, T4 livre) e das glândulas paratireoides (PTH, cálcio).

Há alguma interação alimentar?

O fabricante sugere manter-se hidratado. A razão para isso é que a hidratação ajuda a manter equilibrados os níveis de lítio no organismo. Além disso, indica-se manter uma dieta normal de sal. Regimes alimentares pobres em sódio podem alterar o efeito do remédio.

Outra recomendação é sobre o consumo de cafeína. As bebidas com essa substância devem ser evitadas, dado o seu potencial de promover a desidratação.

Posso beber álcool enquanto uso lítio?

De acordo com Marcos Machado, presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia em São Paulo), o consumo de álcool junto ao lítio pode potencializar efeitos colaterais como tontura, sonolência e dificuldade de concentração.

"Algumas pessoas apresentam também problemas de raciocínio e julgamento, por isso é recomendado evitar ou limitar o uso de álcool durante o tratamento com lítio, especialmente no início, quando não se sabe como o organismo responderá ao fármaco", completa o especialista.

Em casa, coloque em prática as seguintes dicas:

  • Fique atento à validade do medicamento, que é de 24 meses. Considere que, após aberto, essa validade é ainda menor;
  • Mantenha o medicamento sempre dentro da própria embalagem e nunca descarte a bula até terminar o tratamento;
  • Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento;
  • Utilize o medicamento na posologia indicada;
  • Ingira os comprimidos inteiros. Evite esmagá-los ou cortá-los ao meio --eles podem ferir sua boca ou garganta. A exceção é a indicação médica;
  • Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são a melhor opção. A temperatura ambiente deve estar entre 15°C e 30°C;
  • Guarde seus remédios em compartimentos altos ou trancados. A ideia é dificultar o acesso das crianças;
  • Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de remédios. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm projetos de coleta;
  • Evite o descarte no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Frascos vazios de vidro e plástico, bem como caixas e cartelas vazias podem ir para a reciclagem comum.

O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em pdf) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a Cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - Fiocruz) (em pdf) ou do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (também em pdf). Quanto mais você se educa em saúde, menos riscos você corre.

Fontes: Orestes V. Forlenza, psiquiatra e Professor associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Marcos Machado, presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia em São Paulo), farmacêutico e bioquímico especialista em análises clínicas; Amouni Mourad, farmacêutica, professora do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutora em ciências da saúde pela FCMSCSP (Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo) e assessora técnica do CRF-SP); Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista. Colaborador do Ambulatório de impulsividade do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Revisão técnica: Orestes V. Forlenza e Amouni Mourad.

Referências: Chokhawala K, Lee S, Saadabadi A. Lithium. [Atualizado em 2020 Jul 10]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519062/; Forlenza OV, Radanovic M, Talib LL, Gattaz WF. Clinical and biological effects of long-term lithium treatment in older adults with amnestic mild cognitive impairment: randomised clinical trial. Br J Psychiatry. 2019 Apr 5:1-7. doi: 10.1192/bjp.2019.76. Epub ahead of print. PMID: 30947755; Forlenza OV, Aprahamian I, de Paula VJ, Hajek T. Lithium, a Therapy for AD: Current Evidence from Clinical Trials of Neurodegenerative Disorders. Curr Alzheimer Res. 2016;13(8):879-86. doi: 10.2174/1567205013666160219112854. PMID: 26892289; Shorter E. The history of lithium therapy. Bipolar Disord. 2009;11 Suppl 2(Suppl 2):4-9. doi:10.1111/j.1399-5618.2009.00706.