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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Transtorno esquizoafetivo mistura sintomas de esquizofrenia e bipolaridade

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Imagem: Getty Images

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

30/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A doença é caracterizada pela presença de sintomas psicóticos, como delírios e alucinações, e sintomas de humor alterado
  • O tratamento busca controlar os sintomas na fase aguda e garantir a manutenção, para evitar recaída
  • O transtorno esquizoafetivo não tratado tende a aumentar o risco de suicídio, além de maior exposição ao álcool e às drogas

Delírios elaborados e distantes da realidade (por exemplo, estar convicto de que um extraterrestre colocou um chip no seu cérebro para roubar seus pensamentos) é sinal de esquizofrenia. Já o transtorno bipolar provoca alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão. Agora, imagine uma doença que é um misto de sintomas dos dois diagnósticos? Esse é o transtorno esquizoafetivo.

"O paciente pode apresentar euforia ou depressão simultaneamente a um surto psicótico como delírios, alucinações, agitação, comportamento ou pensamento desorganizados", diz Mario Louzã, médico do Programa Esquizofrenia do IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Causas são desconhecidas

A quantidade de pessoas com transtorno é pequena. Para se ter uma ideia, os transtornos esquizofrênicos afetam aproximadamente 0,6% da população; os esquizoafetivos correspondem à metade dessa prevalência.
Já as causas ainda desconhecidas, de acordo com o protocolo clínico do transtorno, publicado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). "O modelo de doença de maior aceitação é o da 'vulnerabilidade versus estresse', um conceito que propõe que a vulnerabilidade aumenta o risco para o desenvolvimento de sintomas na presença de estressores ambientais e na falha de mecanismos adaptativos para lidar com eles", diz o documento. Os fatores de vulnerabilidade são baseados em um componente biológico que inclui predisposição genética (alguém da família tem) interagindo com fatores complexos físicos, ambientais e psicológicos.
esquizofrenia - iStock - iStock
Diagnosticar, conviver e acompanhar um paciente com esquizofrenia ou transtorno bipolar exige atenção e cuidado
Imagem: iStock

Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor

Pela própria característica do transtorno, de ter sintomas psicóticos associados, mas independentes dos sintomas de humor, o diagnóstico não é feito em apenas uma única avaliação, ou assim que surgem as primeiras alterações comportamentais do indivíduo.

De acordo com a CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), identificar a doença requer a presença de sintomas de psicose que preencham os critérios de sintomas para esquizofrenia e, adicionalmente, sintomas de humor (mania, depressão ou misto) com gravidade e tempo suficientes para o diagnóstico de transtorno de humor, ambos evoluindo de forma episódica.

Apesar de difícil, o diagnóstico correto e precoce é essencial para a qualidade de vida, que, em geral, é até superior à do paciente com esquizofrenia, segundo Louzã.

A psiquiatria caminha para o desenvolvimento de serviços especializados e estratégias de prevenção e intervenção precoce. A psiquiatra Elisa Brietzke, orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), garante que já existem evidências na literatura de que o reconhecimento e a intervenção precoce se associam a melhora no curso da doença, com maiores probabilidades de controle completo dos sintomas e recuperação do funcionamento do indivíduo.

Tratamento e qualidade de vida

De acordo com Louzã, o tratamento, geralmente feito com medicamentos antipsicóticos e estabilizadores do humor irá buscar uma posição intermediária para controlar os sintomas na fase aguda e garantir a manutenção, para evitar recaída.

O transtorno esquizoafetivo não tratado tende a aumentar o risco de suicídio, além de maior exposição ao álcool e às drogas, estratégias muitas vezes usadas para acalmar a ansiedade associada aos sintomas. "O risco de suicídio é de cerca de 5%", diz o psiquiatra Breno Fiuza Cruz, professor adjunto do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Mudança de humor rápida; bipolar - iStock - iStock
A causa exata do distúrbio não é conhecida, mas acredita-se que seja influenciado por uma combinação de fatores como genética, ambiente, estrutura e química do cérebro
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Além disso, alguns pacientes com este tipo de transtorno podem ter dificuldade ao exercício sócio-ocupacional e de direitos, devido à própria característica da doença e ao estigma que o transtorno mental acarreta.

É importante ressaltar que esse tipo de condição está associado a estereótipos de atitudes violentas. Mas a psiquiatra Elisa Brietzke diz que não é bem assim. "O risco desses pacientes serem vítimas de violência é muito maior que o risco de serem violentos com alguém".

Dicas para uma vida mais equilibrada

Além do uso de medicamentos, adotar uma vida saudável também pode ajudar na qualidade de vida de quem tem transtorno esquizoafetivo. Para ajudar, a psiquiatra aponta algumas ações importantes:

  1. Evite o uso de álcool, que, além de acentuar a depressão, pode estimular a eliminação de alguns medicamentos do organismo, diminuindo sua eficácia;
  2. Faça exercício físico regularmente. "O transtorno esquizoafetivo se associa a uma tendência maior para ganho de peso e sedentarismo. O exercício físico ajuda na redução da ansiedade, promovendo bem estar", diz Elisa;
  3. Siga uma dieta saudável, com alimentos naturais, e evite comida processada, que tem sido relacionada a diferentes transtornos psiquiátricos, incluindo a esquizofrenia;
  4. Busque atendimento psicoterápico ou psicossocial em grupos de ajuda mútua, que mostram que o paciente não está sozinho e oferecem uma oportunidade de desenvolver estratégias para lidar com os sintomas;
  5. Não modifique a medicação por conta própria. Sempre converse com o médico para ajudar nessa manutenção;
  6. Tenha um plano para uma eventual emergência (por exemplo, anote em uma folha de papel o nome e o telefone dos médicos, psicólogos, convênio ou uma pessoa de confiança). Isso facilita a tomada rápida de decisão em momentos complexos, como uma recaída.