Bets inflacionam cachês de influenciadores e mudam o jogo nas redes sociais

Para além dos campos de futebol, Neymar Jr. é o maior influenciador brasileiro nas redes sociais, com 227 milhões de seguidores no Instagram. Ele é também garoto-propaganda de uma bet —e não está sozinho. Cada vez mais os famosos da internet têm fechado contratos milionários com empresas de cassinos online e apostas, inflacionando a chamada economia criativa. Porém, essa onda também tem seu lado obscuro, levando alguns criadores a protagonizarem notícias não tão glamourosas nas páginas policiais.
Esta coluna de Splash mergulhou neste universo para entender os impactos das ações dessas empresas em todo o mercado de marketing digital brasileiro. Inclusive, há companhias de outros setores se negando a trabalhar com quem mexe com essas plataformas —e com creators que podem acabar sem a sua fonte de renda quando, em breve, essas empresas diminuírem as suas verbas para as redes sociais.
"É um cachê que eles nunca viram na vida", conta Rafaela Lotto, CEO do Youpix, que hoje atua como consultoria para marcas e criadores. "Todos os outros trabalhos ficam menores. É impossível competir com esse valor".
Entre os alvos dessas investidas estão desde os grandes das redes aos pequenos, que se destacam dentro dos seus nichos de atuação.
"Há uma inflação de valores", complementa Jonas Castro, estrategista de marketing e sócio-fundador da agência Horizon. "É uma nova economia, baseada nas bets, em um cenário muito desestruturado". Nas últimas semanas, Castro viralizou no LinkedIn ao compartilhar a frustração do agente de um ator da TV Globo, que havia negociado um contrato de R$ 150 mil para uma campanha. De acordo com ele, as casas de apostas pagam esse mesmo valor por alguns stories (fotos e vídeos curtos que desaparecem em 24), com um escopo de trabalho menor.
Isso se tornou possível após a liberação desse tipo de jogo no Brasil, que ocorreu ainda no governo Michel Temer —e que não foi acompanhado de uma regulamentação durante a presidência dele e a de Jair Bolsonaro. Para a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), a falta de uma base legal obrigou as bets a investirem em espaços com menos restrições.
"Google e redes sociais são um grande canal de aquisição online, para qualquer tipo de produto ou serviço, e não estavam disponíveis para as marcas [de jogos]. Então, elas tinham como canais de aquisição a TV (com limitações), a parte de patrocínios e o mercado de influência", relata Leonardo Benites, diretor de comunicação da organização.
Como tinha poucos canais de entrada e muitos players, isso automaticamente inflacionou o preço. [...] Principalmente os influenciadores, eles foram o canal de entrada dessas grandes marcas no Brasil. Leonardo Benites, diretor da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL)
Esses investimentos são generosos. De acordo com pesquisa do Itaú divulgada em agosto, o gasto total do setor com publicidade estava estimado entre R$ 5,8 e 8,8 bilhões. "Com base em exemplos internacionais, adotamos a hipótese de que as empresas operando no Brasil gastam entre 45% e 75% de suas receitas em marketing", afirmaram os pesquisadores do banco, Luiz Cherman e Pedro Duarte, no mesmo estudo.
A iniciativa vem dando resultado. Segundo o levantamento realizado pelo Youpix, uma bet —a mesma que é parceira de Neymar— figurou pela primeira no top 5 de marcas mais lembradas entre aquelas indicadas por criadores da internet, atrás apenas de "campeões" da influência, que são O Boticário, Natura, Samsung e Avon.
O fenômeno se repete em outros setores. Sites de apostas e jogos viram no futebol um caminho para driblar as limitações em outros canais e, em 2025, deverão estar presentes em 90% dos times da Série A do Campeonato Brasileiro masculino. Uma recente reportagem do UOL detalhou que os clubes já estão discutindo um fair-play financeiro para evitar uma escalada ainda maior das cifras, que estão impactando salários e contratações.
Receita compartilhada
As parcerias entre apostas online e criadores de conteúdo repetem o mesmo formato de outros mercados. O modelo mais conhecido é o que acontece quando o anunciante paga um preço fixo por uma publicação ou campanha.
Existe também aquele que é conhecido como revenue share, ou seja, com a distribuição das receitas. Ocorre quando o anunciante divide com o influencer o valor proveniente das transações geradas a partir da postagem. Esse é um ponto polêmico envolvendo as bets.
"Não são todos os operadores regulados que trabalham com isso, mas é sim uma opção. Não é diferente de outras indústrias", explica Benites, da ANJL. Segundo ele, a receita contabilizada nessas parcerias é a do depósito.
Contudo, uma reportagem publicada pelo Intercept em novembro indica que o ex-BBB Felipe Prior receberia não só pelos cadastros gerados, mas também 15% das perdas dos apostadores. Agora em janeiro, a revista Piauí apontou que a apresentadora Virgínia Fonseca também teria um acordo parecido, recebendo 30%.
Em ambos os casos, as plataformas denunciadas não aparecem na relação de instituições autorizadas a operar no Brasil, publicada pelo Ministério da Fazenda, e não são representadas pela ANJL —que defende os jogos de azar como entretenimento e se posiciona contra operadores que estão ilegais.
Lista proibida
Rafaela Lotto, do Youpix, relata que nem todos se dobram ao dinheiro das bets. Contudo, aqueles que fazem podem entrar em uma "lista proibida" dos grandes anunciantes. "Eles querem fugir de polêmicas. [...] Querem estar livres de encrenca de qualquer risco reputacional que isso possa trazer. E com tanto criador de conteúdo, eles de fato não precisam escolher os mesmos, né?".
Teve um banco, cliente nosso, que pediu para fazer uma lista dos 100 maiores criadores de conteúdo que trabalham com bets, que já fizeram alguma coisa com qualquer bet, que eles vão entrar em uma 'block list' para não serem contratados. Rafaela Lotto, CEO do Youpix
Thiago Cardim, diretor na agência Pub, descreve um cenário parecido, onde esse tipo de parceria pode ser um limitador para campanhas. "Usamos muita inteligência de dados para olhar para trás e ver o que aquele influenciador já fez, de que maneira ele se posicionou, faz o tal do 'disaster check', e essa responsabilidade passa sim por como ele lidou com o conteúdo que ele fez para outras marcas. Não necessariamente só bets, isso a gente leva muito em consideração, isso é fato."

A preocupação tem justificativa: em alguns casos, as personalidades que fazem propagandas desse tipo de jogatina acabam aparecendo nas páginas policiais. Deolane Bezerra, também famosa nas redes, foi presa no ano passado durante a chamada operação Integration, que investiga jogos de azar e lavagem de dinheiro, por promover um famoso slot game, jogo online que segue a mesma lógica de um caça-níqueis. Além disso, outras personalidades —como a própria Virginia Fonseca— foram convocadas para prestarem depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os impactos dos sites de apostas.
A coluna apurou que, em alguns casos, anunciantes estão agora incluindo cláusulas em seu contrato prevendo rescisão e multa caso o creator divulgue uma bet.
Regulamentação
Desde 1º de janeiro deste ano, o setor de apostas e jogos online está regulamentado no Brasil. Para Leonardo Benites, da ANJL, essas empresas agora podem investir em outras estratégias de marketing, o que deve levar a uma diminuição das iniciativas na economia criativa.
"Elas vão partir para o mesmo desenho que as marcas normalmente têm, [com a análise] 'de onde eu invisto e qual o retorno eu tenho' —e vão experimentar essas outras formas de mídia", adiciona Rafaela Lotto, do Youpix. "Pode acontecer o mesmo que no pós-pandemia, das verbas se acomodarem em outros lugares e o creator ficar sem trabalho".
Contudo, a especialista acredita que, caso esses influenciadores sejam hábeis ao fazer uma boa gestão de suas carreiras, vão conseguir outras formas de publi. "O ponto é que quem topa esse tipo de coisa, topa outras de caráter duvidoso —como rifas, sorteios. É um perfil que não tem muito filtro. Muitos vão continuar sendo esse 'influenciador B' para as marcas".
Além disso, a Associação Nacional de Jogos e Loterias informa que tentou, sem sucesso, a introdução de regras para o investimento publicitário na regulamentação do governo. Agora, a conversa está no âmbito do Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. "Precisa ter uma regulamentação, para além das bets até", diz Rafaela. "Mas é difícil controlar [no âmbito do Conar]. Não vai resolver enquanto não tiver uma lei para controlar isso".
Enquanto isso, a ANJL tem duas dicas valiosas. A primeira é para os creators: "Certifique-se se aquele é um operador regulado", recomenda Leonardo Benites. Já para os usuários, a associação pede que eles chequem a lista de bets autorizadas antes de fazerem qualquer depósito, e que deixem de seguir quem prometer ganhos. "Não tem ganho garantido, não é renda extra", afirma o porta-voz.
E lembre-se: jogos de azar podem viciar. Se este for o seu caso ou de alguém próximo a você, procure ajuda.
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