Crise global abre chance para Brasil subir de fase no mercado de games

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Guerra comercial? Tarifas? Bolsas instáveis? Aumento de preços? Medo de recessão? No mercado de videogames, essa pode ser uma oportunidade para o Brasil crescer e aparecer como um player no mapa. Pelo menos essa é a leitura da Gamescom Latam, que acontece nesta semana em São Paulo.
Para além dos estandes, em que algumas das grandes empresas dessa indústria no Brasil e do mundo interagem com seus fãs, o evento internacional tem uma forte atuação no fomento dos negócios na América Latina.
"É difícil prever tudo, claro —você já colocou uns cinco elementos geopolíticos importantes. Mas é isso: a China fechada, a Europa instável por causa da guerra [entre Rússia e Ucrânia], e o Brasil está relativamente em paz, dialogando bem com Europa e Estados Unidos, mantendo traços culturais locais. É um momento geopolítico favorável", pondera Gustavo Steinberg, CEO da Gamescom Latam.
Essa não é uma oportunidade pequena, muito pelo contrário. De acordo com a PwC, os games —incluindo e-sports, que são os torneios competitivos e profissionais— tiveram uma receita mundial de US$ 227,6 bilhões (R$ 1,3 trilhão) em 2023. Esse segmento deve chegar a US$ 300 bilhões (R$ 1,7 tri) em 2027, quase o dobro do registrado em 2019.
Para efeito de comparação, o cinema arrecadou US$ 7,5 bilhões (R$ 42,5 bi) em bilheteria global no mesmo período, enquanto o streaming de vídeo ficou com US$ 145 bilhões (R$ 823 bilhões). Já todo o setor de mídia e entretenimento movimentou US$ 2,8 trilhões em 2023 (quase R$ 16 trilhões). Sozinha, a indústria de videogames respondeu por 8% desse total.
Versão brasileira: Big Festival
Esse movimento já era uma prioridade para o Big Festival, que contou com a sua primeira edição em 2012 e sempre teve como um de seus principais objetivos o fortalecimento dos empreendimentos nacionais. No ano passado, seus organizadores firmaram uma parceria estratégica com a Game, a Associação Alemã da Indústria de Jogos, e trouxeram para o Brasil a marca e o formato da Gamescom. A original é considerada o maior evento de games do mundo e a principal plataforma de negócios da Europa para o mercado de jogos eletrônicos, sendo realizada anualmente em Colônia, na Alemanha.
Tudo dentro de um contexto maior, de expansão.
"Pela primeira vez, estamos podendo falar em conversa com a indústria do resto do mundo. Isso é fruto de um trabalho construído nos últimos 13 anos em parceria com a Abragames, a associação dos desenvolvedores de games aqui do Brasil. Estamos cada vez mais colocando o nosso país no mapa", explica Steinberg.
Mais do que um encontro com os fãs —em um ecossistema muito rico, que inclui também os chamados streamers, aqueles jogadores que atraem multidões com suas transmissões online de partidas—, o evento quer ser uma ponte que leva desenvolvedores e estúdios a novas oportunidades.
Por isso, o Distrito Anhembi abriu ontem, exclusivamente para profissionais do setor. O acesso ao público geral começa apenas hoje. Enquanto a maioria das pessoas nem se dá conta, estão acontecendo reuniões, cafés, encontros e rodadas de negócios. Muitos produtores independentes circulam pelo pavilhão em busca de vender suas ideias, projetos e propriedades intelectuais.
A expectativa dos organizadores é que a edição deste ano supere a do ano passado, que contou com 1.500 participantes na área comercial, com quase mil empresas representadas. Nomes como Nintendo, Sega, Bandai Namco, Steam, Epic Games e Twitch estão na escalação da Gamescom Latam.
"Criamos a estrutura para que esses três dias —de 30 de abril a 2 de maio— sejam intensos em negócios", afirma o CEO. "Tentamos oferecer os subsídios possíveis: trazemos nomes importantes para falar, criamos um ambiente de troca com empresas maiores, publishers [encarregadas por publicar e distribuir os títulos]. Também queremos atrair investidores estrangeiros e, ao mesmo tempo, sensibilizar investidores locais".

Para o público em geral, a Gamescom Latam acaba no domingo. "É um evento de indústria, sim, mas isso não significa que é chato. Pelo contrário: temos mais conteúdo, mais presença de mercado. As grandes marcas estão aqui porque já fazem dinheiro com a gente. Não é do nada. É o resultado de anos de trabalho", contextualiza o executivo. O Big Festival original também segue vivo, agora como uma das atrações.
Campanha desbloqueada
Isso em um panorama cada vez mais desafiador, pondera o executivo e produtor. Para Steinberg, o modelo chamado "triple A", com títulos mais elaborados e caros, não está mais fechando as contas.
A indústria global de games não está passando por um momento bom.
Gustavo Steinberg, CEO da Gamescom Latam.
"O mercado está buscando novos formatos e modelos de produção", afirma o executivo. "Esse novo modelo necessariamente passa por mais acesso para estúdios independentes, que estão com qualidade cada vez maior e oferecem jogos com preços mais baixos."
Em uma visão empreendedora, faz sentido olhar para aquilo que traz mais possibilidades dentro de um cenário de adversidades. Por exemplo: para aqueles que cresceram com seus PlayStations, Xbox, Nintendos e Mega Drives, pode parecer a realização de um sonho o lançamento de um jogo para a atual geração de dispositivos. Contudo, o ideal é seguir o caminho oposto.
"[Faça um] Jogo pra PC", aconselha Gustavo Steinberg. "O mercado de console está saturado, dominado por grandes empresas. É muito difícil para uma pequena empresa entrar. Já no PC, com orçamento menor, você consegue fazer algo competitivo. E, se o jogo vai bem, ele pode migrar pro console ou pro mobile".
Apoio de governos
Outro ponto delicado é o apoio governamental. Além da grande movimentação financeira, jogos eletrônicos também possuem peso importante no chamado soft power, que é a capacidade de um país influenciar outros por meio da atração e do convencimento, em vez da força ou coerção —usando recursos como cultura, mídia, esportes e valores para conquistar prestígio e influência global. Jogos eletrônicos podem ser um grande instrumento para essa política, como fazem EUA e Japão, por exemplo. Pois é, há muito mais por trás de "Pokémon" e "League of Legends" do que apenas um joguinho.
"Faltam incentivos como os que já existem para o audiovisual", revela Gustavo Steinberg. "Os games foram reconhecidos como audiovisual recentemente, então agora podem usar mecanismos como a Lei Rouanet. Também tentamos inserir os games em outros mecanismos, como o artigo 3º da Lei do Audiovisual —o que foi vetado. Esse artigo permite que empresas internacionais que lucram aqui tenham incentivos fiscais se reinvestirem no Brasil. Seria ótimo se Google, Xbox, etc., investissem em jogos locais nesse modelo."
Estamos trabalhando na inclusão dos games nos planos de audiovisual dos governos estadual e federal.
Gustavo Steinberg
Uma das forças do Brasil está justamente na determinação de sua indústria independente, aponta o CEO da Gamescom. "Vejo o Brasil como um dos grandes polos mundiais de desenvolvimento de games. Não só consumindo, mas produzindo", afirma Steinberg, com um tom de orgulho em sua voz. "Nosso diferencial é a força da produção independente. É com esses jogos que vamos conquistar o mundo."
Como vemos, esse é mais um jogo —aquele que precisa ser vencido fase a fase, chefão por chefão. E sempre no modo very hard. Tudo isso torcendo para, no fim, não ouvir que "a princesa está em outro castelo".
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