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Mídia derrete R$ 20 tri com tarifaço de Trump, mas trégua salva mercado

Foi como apagar, em três meses, toda a riqueza produzida pelo Reino Unido em um ano. Esse chegou a ser o tombo no valor de mercado das maiores empresas globais de mídia e entretenimento, entre o começo deste ano e o último domingo, 6 de abril —período em que o governo dos Estados Unidos, de Donald Trump, deflagrou a guerra comercial.

Segundo levantamento realizado pelo especialista Evan Shapiro, as 125 maiores companhias do setor —incluindo aí fornecedores de tecnologia, como a Nvidia— chegaram a ficar no negativo em US$ 2,3 trilhão (R$ 13,4 trilhões, na cotação do momento do fechamento deste texto), no acumulado entre meados de março e a primeira semana de abril —período no qual os Estados Unidos anunciaram pesadas taxações nas importações. A queda alcançou 11%.

O valor se somou ao US$ 1,1 trilhão (R$ 6,4 trilhões) que havia sido perdido de acordo com a apuração anterior de Shapiro, quando a guerra comercial já havia começado. Dessa forma, chegou a US$ 3,4 trilhões derretidos, ou R$ 19,8 trilhões. O montante é equivalente ao PIB (Produto Interno Bruto) do Reino Unido, que é a sexta maior economia do mundo.

Mas o tombo começou a ser parcialmente revertido. No fim da tarde de terça, Trump anunciou no Truth Social uma suspensão temporária de 90 dias na maior parte das tarifas (com exceção das taxas aplicadas à China, que subiram para 125%). A resposta foi imediata: o Dow Jones saltou mais de 2.700 pontos, o índice Nasdaq disparou quase 10% e o S&P 500 também teve forte alta. As ações de mídia, que vinham sofrendo quedas consecutivas, subiram em bloco: a Warner Bros. Discovery valorizou 15%, Disney ganhou 10%, Paramount subiu 9% e Netflix avançou 8%, entre outras.

Apesar da recuperação parcial, a tendência é que as perdas continuem caso a política de taxações siga.

As explicações para a gangorra são várias. Em alguns casos, bastante óbvias: empresas como Apple, Roku e Samsung, que possuem modelos de negócio baseados na venda de hardware, dependem da produção de equipamentos em outros países. A China se tornou a grande fábrica do mundo nas últimas décadas.

O banco de investimentos TD Cowen, por exemplo, estima que um iPhone 16 Pro Max tem um custo de produção de US$ 485 (R$ 2.935), valor mais do que dobraria, chegando a US$ 1.091 (R$ 6.355), só com a aplicação da nova tarifa, sem contar custos como desenvolvimento, transporte, logística, outros impostos e lucro, entre outros. O smartphone é vendido pela Apple no varejo norte-americano por US$ 1.199 (R$ 6.985).

Por isso, o CEO Tim Cook autorizou o embarque de cinco aviões carregados de iPhones diretamente da fábrica na Índia, apurou o periódico The Times of India. A decisão compromete o programa Net Zero da Apple —que prega o transporte marítimo por emitir menos gases de efeito estufa.

Ainda assim, de acordo com o jornalista Mark Gurman, da Bloomberg, aumentos de preço podem ocorrer em breve.

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Menos consumo, menos publicidade

Não há mistério: as taxações geram pressão inflacionária e reduzem o poder de compra da população. Ainda que a produção interna dos EUA cresça com as barreiras tarifárias, isso não acontece da noite para o dia —e a autossuficiência total é inviável em muitos setores. Nós, brasileiros, conhecemos bem os dois lados dessa equação: já enfrentamos tanto inflações galopantes quanto políticas protecionistas.

A desvalorização das companhias ocorre exatamente por isso. Na maioria dos cenários visualizados pelos investidores de Wall Street, a conjuntura leva a uma queda no consumo.

As plataformas de streaming são exemplo: com menos dinheiro sobrando no bolso após o pagamento de despesas básicas, como moradia, os consumidores podem começar a cortar assinaturas. Isso deve incomodar menos a Netflix e mais aquelas plataformas que são a quarta, terceira ou até mesmo a segunda opção, como Paramount+, Max, Apple TV+ e Disney+.

Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X e Tesla) presentes na cerimônia de posse de Donald Trump
Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X e Tesla) presentes na cerimônia de posse de Donald Trump Imagem: Julia Demaree Nikhinson/via REUTERS

Não para por aí. Setores como alimentação (principalmente fora de casa), produtos de consumo, automóveis e outros devem ser afetados. Esses são grandes anunciantes, e os streamings estão, nos últimos três anos, investindo pesado na busca pelo dinheiro da publicidade. Isso sem contar modelos de mídia mais tradicionais, como a televisão.

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Esta é uma má notícia até para modelos gratuitos, como as plataformas Fast (Free Ad-Supported Streaming Television, com canais lineares, como a Pluto TV, da Paramount) e o YouTube, do Google. Em cenários de inflação, é comum que aumente a audiência de conteúdos gratuitos e acessíveis de casa —mas de nada adianta ter mais público se não há propagandas para preencher os intervalos.

Segundo a Bloomberg, a publicidade respondeu por 35% da receita da Paramount Global em 2024 e por cerca de 20% na Warner Bros. Discovery.

Cinemas sofrem

A situação também não está boa nos cinemas. Considerando os três primeiros meses do ano, as vendas de ingressos caiu quase 11% nos Estados Unidos em relação ao mesmo período de 2024, afirma a Comscore.

Pelo menos o mercado teve um momento de alívio: "Um Filme Minecraft", lançado na tela grande neste começo de abril, já é um grande sucesso. O filme se tornou a maior estreia do ano em solo americano, e acumula US$ 323,3 milhões (quase R$ 1,9 bilhão) de bilheteria em todo o mundo —até o fechamento deste texto.

Contudo, isso não impediu as reclamações dos donos de cinemas na CinemaCon, grande evento do mercado exibidor que ocorreu em Las Vegas na última semana. Para eles, a atual janela (tempo de exibição com exclusividade) da telona é muito curta, com grande parte do público esperando para ver em casa (ou por meio da pirataria). O setor também demanda mais lançamentos dos estúdios.

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Caso a inflação se concretize, isso não afetará apenas os custos dos exibidores, mas também vai inibir mais visitas dos espectadores.

Apesar da recuperação nas bolsas, analistas seguem cautelosos: a suspensão de tarifas anunciada por Trump é temporária e não altera o cenário de instabilidade.

Somando todas essas dúvidas e projeções para TV, streaming e cinema, grandes e pequenos estúdios provavelmente vão tirar ainda mais o pé nos investimentos em novas produções. Com menos novidades, há menos motivos para se manterem assinaturas, por exemplo. Fica estabelecido o ciclo apocalíptico para o mundo do entretenimento.

Nem todos choram, claro. Neste momento, a maior bilheteria global do ano é de um filme que já arrecadou impressionantes US$ 1,9 bilhão (R$ 11 bilhões). Qual é o fenômeno? Trata-se de uma animação chamada "Ne Zha 2" —que, no Brasil, ganhou o título "Nezha: O Renascimento da Alma".

Isso mesmo, uma produção chinesa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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