Após vitória no Oscar, Brasil deseja conquistar mercado audiovisual mundial

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Pela primeira vez, o nosso país conquistou um Oscar. Mas você sabia que "Ainda Estou Aqui" também teve a participação da França? As coproduções internacionais têm um papel crucial na indústria audiovisual, contudo, ainda são pouco exploradas por aqui. Agora, alguns brasileiros querem aproveitar o momento histórico para transformar essa realidade, enquanto grandes nomes mundiais demonstram um interesse crescente pela nossa cultura.
"O Brasil ainda pratica pouco essa estratégia", relata Fernando Dias, fundador da Grifa Filmes e presidente do Latam Content Meeting, que ocorre na próxima semana e promete ser o encontro que irá fortalecer esse tipo de conexão. "Eu sempre brinco que o país tem uma postura um tanto autofágica nesse sentido, porque as grandes emissoras de TV brasileiras sempre produziram conteúdo focado exclusivamente no mercado interno, sem grande preocupação em expandir internacionalmente. Isso é bem diferente do que acontece na Europa ou no Canadá, onde a coprodução entre países é algo natural."
De acordo com Dias, em nações com uma forte tradição no cinema e na TV, como a França, é raro encontrar produções 100% locais. "Geralmente, há a participação do Reino Unido, do Canadá ou de outros países", explica o produtor.
Ponte para o mundo
No mercado internacional, existem grandes canais que funcionam como âncoras para coproduções, como a britânica BBC, a japonesa NHK e a francesa Arte — essa última, inclusive, coprodutora de "Ainda Estou Aqui". Quando uma dessas portas se abre e esses nomes se envolvem no projeto, outras companhias ao redor do mundo têm mais interesse em adquiri-lo, pois confiam no padrão de qualidade garantido por essas empresas — ampliando ainda mais as possibilidades.
Não é só isso. Em muitos locais, há cotas e incentivos para o audiovisual. Com a participação estrangeira, um projeto pode se enquadrar nas regulamentações do setor no Brasil, na Alemanha e na Comunidade Europeia, por exemplo.
"A dinâmica traz grandes benefícios. Primeiro, permite captar mais recursos. Segundo, garante que a produção cumpra cotas de exibição em diferentes países, ampliando sua vida útil e tornando a distribuição mais eficiente em nível global", explica Fernando Dias.
O cenário atual favorece essa diversidade cultural como nunca. Prova disso são os vencedores do Oscar deste ano: além da inédita estatueta para o Brasil, a Letônia conquistou seu primeiro Oscar de melhor animação com "Flow", e "No Other Land" se tornou o primeiro filme palestino a vencer na maior premiação da sétima arte mundial, na categoria de documentário.

Nesse cenário, podemos despontar. "O Brasil sempre teve um rico audiovisual, seja no cinema ou na televisão, além da nossa publicidade multipremiada. Temos uma cultura vibrante, extremamente diversa e repleta de histórias únicas para contar. Além disso, contamos com uma indústria sofisticada, com profissionais de criação e tecnologia que operam em um nível global", conta Monica Pimentel, vice-presidente de Conteúdo na Warner Bros. Discovery no Brasil. A WBD, que é norte-americana, é uma das companhias que coproduzem por aqui.
Há alguns anos, era impossível um conteúdo de língua não inglesa viajar. Hoje ainda é muito desafiador, mas o audiovisual brasileiro está vivendo um momento único. Ter um filme brasileiro vencendo o Oscar atesta a maturidade da nossa indústria e nos projeta ainda mais no mercado internacional. Monica Pimentel, vice-presidente de Conteúdo na Warner Bros. Discovery
Mudanças no Brasil
Uma grande barreira para as coproduções entre o Brasil e o resto do mundo é a nossa falta de tradição nesse tipo de acordo. Historicamente, viemos de uma realidade na qual a Globo não só dominou boa parte do mercado local, como também integrou praticamente todo o processo. Financiamento, produção e distribuição estavam 100% nas mãos do grupo da família Marinho — que tem sob o seu guarda chuva o maior estúdio da América Latina e uma das maiores TVs abertas do mundo. Depois, a companhia buscava levar seus conteúdos para outras regiões do mundo.
Contudo, Fernando Dias aponta que até isso mudou. Nos últimos anos, o conglomerado tem buscado parcerias em outros países. Um exemplo é a minissérie "Passaporte para Liberdade", realizada junto com a Sony e gravada totalmente em inglês. Mais uma vez, vale mencionar "Ainda Estou Aqui": o longa também conta com a participação do Grupo Globo, recebendo o título de Original Globoplay.
Pablo Ghiglione, líder de coprodução internacional da Globo, explica o porquê desse direcionamento atual. "Nossa essência é o conteúdo brasileiro, no entanto, acreditamos que as coproduções agregam diversidade e novos pontos de vista às nossas produções, enriquecendo nosso portfólio."
Essas parcerias permitem monetização adicional e novas janelas de distribuição para que obras premium tenham alcance global. Da mesma forma, os parceiros se beneficiam da expertise Globo em contar histórias brasileiras com altíssima qualidade, que falam direto ao coração dos brasileiros e, ao mesmo tempo, possuem apelo universal. Pablo Ghiglione, líder de coprodução internacional da Globo
Futebol, carnaval e audiovisual
O Brasil tem um vasto repertório narrativo, mas é preciso se enquadrar. No cenário mundial, a demanda segue o conceito do "glocal": narrativas locais, mas com apelo global. Um exemplo claro é, novamente, "Ainda Estou Aqui": embora o filme retrate uma família brasileira dentro do nosso contexto, sua essência ressoa em qualquer parte do mundo. Afinal, o empenho de um homem por uma causa e, principalmente, a força de uma mulher que precisa proteger sua família são temas universais, capazes de emocionar públicos de diferentes culturas.
Por isso, o desafio é conectar esses enredos regionais com aquilo que os executivos internacionais buscam.

"Nosso foco são as histórias: fortes, emocionantes, autênticas, relevantes", explica Monica Pimentel, da Warner. "Procuramos, sempre, histórias e personagens com quem o público se identifique e se emocione. Temos nossos espectadores como nossa principal bússola e procuramos trazer essas narrativas, independente do formato e gênero, com a excepcional qualidade que é nossa marca."
No caso específico da primeira edição do Latam Content Meeting, o objetivo é destacar e debater sobre coproduções internacionais envolvendo documentários, reality shows e gêneros relacionados. "A não ficção tem um componente que eu acho bastante relevante, que é a questão geográfica. Não dá para fazer um projeto de que, por exemplo, seja ambientado numa praia do Rio de Janeiro e filmá-lo na praia da Tailândia. Ou então, para falar sobre a onça brasileira e filmar isso na África. A não ficção tem essa característica: ela oferece muitas possibilidades de serem produzidas no nosso território", compartilha Fernando Dias, presidente do evento.
Dessa forma, estúdios e canais como Amazon, Netflix, BBC, NHK e Paramount, além da própria Warner Bros. Discovery, estão confirmados no encontro, que ocorre no Rio entre os dias 10 e 12 de março. Do outro lado do balcão, estarão produtoras nacionais como Gullane, Floresta e a própria Globo, entre diversos outros.
"Estou ansioso para conhecer novas vozes", se entusiasma Tim Klime?, chefe de documentários da Deutsche Welle, da Alemanha, que também estará no evento. "Para pintar um retrato autêntico da região em nosso programa de documentários, contamos com excelentes cineastas da América Latina."
À procura de um coprodutor internacional
Em parceria com o Sunny Side of the Doc, um dos principais eventos de mercado globais para documentários do mundo e que ocorre em La Rochelle, na França, o Latam Content Meeting terá um espaço para o "pitching" de projetos. Pitchs são apresentações que tem como objetivo despertar a atenção de um investidor, parceiro ou distribuidor. Nesta primeira edição do encontro, foram selecionadas 18 iniciativas latino-americanas que estão em busca de um coprodutor internacional, incluindo temas desde a natureza da região ao cotidiano dos youtubers.
Todavia, a intenção dos organizadores é que a geração de negócios vá para além dos pitchs formais e permeie os debates e corredores do Rio Othon Palace Hotel, que receberá a conferência.
"É muito importante o brasileiro — ou o latino-americano — fazer a lição de casa e marcar reuniões com essas produtoras, aproveitar essa oportunidade", comenta Fernando Dias, que vê uma dificuldade em abordar esses executivos em eventos fora do nosso país, já que eles são muito assediados. "O que queremos é que o produtor tenha tranquilidade para conversar e trocar ideias", afirma.
"Estamos felizes e animados com a realização deste evento inédito, e deste porte, no Brasil", complementa Pablo Ghiglione, da Globo.
Vale dizer que o audiovisual não se resume a Oscars. Existem inúmeras estatuetas douradas esperando para serem conquistadas, além da imensa relevância e do dinheiro que movimenta o setor mundial. Mas, no fim das contas, por que não sonhar? Quem sabe a próxima grande vitória na maior premiação do cinema mundial venha justamente com um documentário.
O primeiro passo já está sendo dado.
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