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Não são só games: o que faz a Twitch, streaming da Amazon, bombar?

Câmera ligada. Na tela, um jovem tem o seu game favorito — Counter-Strike, Minecraft, GTA V, Fortnite ou qualquer outro. Ele transmite tudo ao vivo, incluindo rosto e voz. Do outro lado, centenas ou milhares acompanham. No entanto, não estão só ali pelo jogo, mas sim pela companhia, pelo humor, pelo desabafo, pelo improviso. Estão pela conversa.

Ao contrário do que muitos imaginam, a Twitch, plataforma de streaming da Amazon dedicada a transmissões ao vivo, não é só sobre videogame, mas sim sobre criar laços em tempo real. Os jogos eletrônicos são apenas um pretexto.

Para marcas que ainda veem a Twitch apenas como "canal de games", o alerta é claro: ali mora uma audiência altamente engajada, que passa em média duas horas por sessão, criando um espaço de conversa e influência que vale muito mais do que propagandas de 30 segundos em vídeo sob demanda.

"A Twitch é muito sobre comunidade", conta Anadege Freitas, diretora de parcerias e conteúdo da companhia no Brasil, em entrevista à coluna. "Quando temos que descrevê-la, eu diria que é sobre isso: comunidades. Pessoas que encontram outras pessoas que compartilham das mesmas paixões. Exatamente por isso que grande parte do nosso conteúdo está ligado a games — porque esses títulos são muitas vezes o ponto de partida para essa conexão".

Não que os jogos não sejam importantes — eles são uma parte essencial, conectam as pessoas. Mas, durante a live, o papo vai muito além disso. Anadege Freitas, diretora da Twitch

Em dados aferidos pela Streamlabs, a plataforma contou com 5,15 bilhões de horas assistidas em todo o globo no quarto trimestre de 2024, com um share de 58,4% dentro do segmento de games. O YouTube Gaming, segundo colocado, ficou com 24,9% — ou 2,19 bilhões de horas. Já de acordo com a própria Twitch, a plataforma da Amazon conta com 105 milhões de visitantes mensais. O nosso país é o maior da América Latina em tempo de visualização e está entre os três principais do mundo.

"O Brasil é um dos maiores mercados da Twitch. Temos uma das maiores audiências e números de streamers do mundo", exalta Anadege de Freitas.

A empresa não revela o perfil demográfico dos criadores, mas afirma que ele reflete o dos espectadores. "Hoje, cerca de 70% a 80% do público está na faixa de 18 a 35 anos", conta Anadege.

Vida real

Obviamente, a Twitch é diferente dos concorrentes — sendo o YouTube o principal deles. Para quem está fora desse universo, uma boa analogia são as mesas redondas de futebol: a partida em si acontece em outro lugar, mas é no debate pós-jogo que os comentaristas passam horas discutindo, como em uma longa conversa de bar. A plataforma do logo roxo funciona assim: o foco está na troca, no ao vivo, na interação. "[Com a diferença que] O chat participa, né?", ressalta Anadege.

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Nesse sentido, a executiva revela que, além dos games, outros segmentos também têm ganhado força na Twitch. Um dos que mais crescem tem um nome sugestivo: "Só na conversa". É quando os streamers — como são chamados os criadores que transmitem ao vivo — deixam os jogos de lado e se dedicam inteiramente ao bate-papo com os seguidores e inscritos.

Essa geração nasceu com a internet, e é muito normal para eles criar amizades online, ter conexões digitais. Para nós, às vezes, isso parece menos real. Mas para essa geração, essas comunidades se tornam conexões reais. Anadege Freitas

As transmissões podem ocorrer fora de casa, também. Uma tendência — inclusive com destaque na página principal da plataforma — é o formato IRL, sigla em inglês para "in real life". "É o desejo de mostrar a vida real", revela Anadege. "Os streamers querem compartilhar o que acontece com eles, mostrar suas rotinas. Vemos isso acontecendo nas lives: gente fazendo transmissão nas ruas."

Por fim, não podemos nos esquecer dos reacts. O formato, popularizado por Casimiro Miguel, traz o apresentador reagindo ao vivo a qualquer coisa. Pode ser a um vídeo de uma casa milionária, ao Big Brother ou ao futebol.

O resultado dessa variedade é uma serviço que, na noite desta terça (7), ia do react do jogo do Corinthians na Copa Sul-Americana a uma batalha de rimas, passando por DJs fazendo suas sessions. E games, muitos games.

Anadege Freitas conta até de um exemplo inusitado: o de um caminhoneiro que, direto de Portugal, transmite o seu dia a dia pelas estradas do país — enquanto conversa com quem está no chat.

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Indo para além da bolha

Não são apenas jovens adultos e adolescentes que podem aproveitar a força da Twitch. Grandes marcas já estão nessa busca.

Uma delas é a Fórmula 1. O streamer Gaulês, por exemplo, já transmitiu algumas corridas em seu canal. Contudo, o forte mesmo são os conteúdos adicionais à categoria máxima do automobilismo, com a versão e-sports (esporte eletrônico) da F1.

Já o UFC faz "watch parties" de lutas ao vivo em um formato diferente do da TV e do streaming tradicional, sem imagens dos embates em si — mas com os apresentadores comentando, reagindo e interagindo com o público. Para alguns, o formato funciona como uma segunda tela ou uma narração paralela. Para outros, essa já é a atração principal.

Kings League é um fenômeno entre os jovens e foi pensado para a internet
Kings League é um fenômeno entre os jovens e foi pensado para a internet Imagem: Hemerson (Manual) / via Instagram g3xfc

Contudo, considerando o potencial do serviço, os casos do tipo são ainda raros — e quem se destaca mesmo dentro da plataforma são os produtores independentes. Ou ainda os novos atores do mundo do entretenimento, como a Kings League, uma adaptação do futebol de sete pensada para o mundo de hoje, da internet.

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Na última Copa do Mundo da liga, realizada em janeiro, 3,5 milhões de aparelhos em todo o mundo se conectaram para ver o Brasil bater a Colômbia por 6 a 2, levando o título.

Monetização

Uma parte importante dessa equação é, obviamente, monetizar essa audiência. O bom e velho "ganhar dinheiro".

Na Twitch, os espectadores podem assinar os canais, nas chamadas "subs" — ou seja, pagando por mês. Há ainda os "bits", com os usuários enviando mimos durante as transmissões.

E há, claro, anúncios em vídeo. "Os 'ads' são controlados pelo próprio streamer. Ele decide se quer exibir anúncios e quantos minutos por hora. Pode deixar isso automático ou gerenciar manualmente. A plataforma oferece essas ferramentas, mas o criador escolhe sua estratégia", conta Anadege Freitas.

A executiva conta que os anunciantes estão embarcando na Twitch muito por conta de um diferencial em relação aos concorrentes. Enquanto no TikTok e no Instagram os vídeos são extremamente curtos e a atenção é dispersa em um feed infinito, no serviço da Amazon os usuários chegam a passar horas vendo a mesma live. "É uma atenção qualificada", define.

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Parte desse dinheiro vai para os streamers — que, há alguns anos, se movimentaram para exigir uma porcentagem maior, inclusive criando um sindicato no Brasil.

Gaulês, com 4,3 milhões de seguidores, é um dos streamers mais assistidos no mundo -- e atrai grandes marcas
Gaulês, com 4,3 milhões de seguidores, é um dos streamers mais assistidos no mundo -- e atrai grandes marcas Imagem: Marcelo Maragni / Red Bull Content Pool

Hoje, a Twitch afirma que evoluiu essa partilha. "Criamos soluções diferentes e novas de monetização, até buscando entender o comportamento da audiência", diz Anadege. "Fizemos novas iniciativas. Uma delas foi trazer uma receita adicional para os streamers, com 'Partner Plus'. Basicamente, eles têm a oportunidade de aumentar o revenue share de subs [participação na receita das assinaturas], dependendo da quantidade dos objetivos que vão atingindo. Tem 60/40, 70/30".

"O mais interessante é que nós, como Twitch, não somos os donos do conteúdo", reflete a diretora. "Quem faz isso são os streamers. Nosso papel é empoderar esses criadores, dar ferramentas para que eles explorem ao máximo sua criatividade, mostrem suas paixões".

Pois é: o tempo dos grandes grupos monopolizando a mídia ficou para trás. Para uma parcela cada vez maior da população, o sucesso tem a mesma cara que a sua — e um canal, hoje, é só uma janela para outro quarto. Ou, quem sabe, para uma luz no fim de um túnel... de uma estrada em Portugal.

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