'Minecraft' faz sucesso nos cinemas e prova que novidade é coisa velha

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Contrariando as expectativas de muitos analistas, "Um Filme Minecraft" é um sucesso. O longa-metragem baseado no game já arrecadou mais de US$ 560 milhões (R$ 3,3 bilhões) em bilheteria global desde o seu lançamento, no começo de abril. É o primeiro arrasa-quarteirão dos cinemas desde "Moana 2", em novembro passado, e teve a melhor abertura desde "Deadpool & Wolverine", de julho de 2024.
Mas o mais importante: está salvando não só a Warner Bros. Pictures de um período turbulento, mas a indústria cinematográfica norte-americana como um todo, que vem tendo um 2025 ruim. Também deixa um recado claro: a tela grande não é mais lugar para se lançar novas franquias de sucesso. A originalidade é uma venda difícil.
Por décadas, a tese era exatamente o oposto. Vamos pegar "Star Wars" —ou "Guerra nas Estrelas", para a velha guarda. A saga criada por George Lucas se valeu da grande exposição e presença dos cinemas no final dos anos 1970 para se lançar ao mundo, dando início a uma infinidade de produções derivadas e produtos licenciados. Nessa época, de fato, a telona criava fenômenos culturais.
Conectando com as gerações mais novas
Por diversos motivos, o eixo mudou. Novas formas de entretenimento —principalmente em casa— surgiram. Primeiro, veio a TV. Depois, os games, o streaming e as redes sociais. Em paralelo, ir ao cinema deixou, há muito, de ser uma diversão acessível. Requer disposição, coordenação e, principalmente, dinheiro.
"Minecraft" é o exemplo do momento. Lançado originalmente em 2011, o jogo eletrônico se popularizou rapidamente entre as crianças —com versões para computadores, consoles, celulares e plataformas portáteis. É um mundo aberto, no qual os jogadores podem explorar, minerar, construir e sobreviver usando blocos em um universo pixelado.
Avançamos para 2025. "Minecraft" é o jogo mais vendido da história, com mais de 350 milhões de cópias comercializadas —e conquistou mais de uma geração de fãs. Quem tinha cerca de dez anos em 2011, hoje está com quase 25. E tudo isso sem nunca ter passado pelos cinemas (até agora).
Há outros casos, claro. Uma recente pesquisa da Deloitte, já abordada nesta coluna de Splash, revela que 56% dos jovens da Geração Z (nascidos entre 1996 e 2010) e 49% dos Millennials (entre 1981 e 1996) estão mais ligados aos conteúdos das redes sociais do que os da TV tradicional ou do cinema, além de sentirem uma conexão mais forte com os criadores —os creators e influencers, como são mais chamados— mais do que com apresentadores e atores.
Contudo, isso é apenas parte da história. Segundo a National Research Group —em uma pesquisa feita nos EUA, é importante ressaltar—, 90% da Geração Z afirma ir aos cinemas regularmente. Entre os Millennials, fica em 80%. Já para a Nielsen, a idade média dos frequentadores desses espaços é de 30 anos de idade. É menos do que a da Netflix (42 anos) e do YouTube (34).
A última peça nesse quebra-cabeças vem de outro estudo da National Research Group, que afirma que 60% do comportamento dos norte-americanos frente à TV é para reencontrar algo que já viram antes ou para assistir a uma produção antiga pela primeira vez. Entre os motivos listados para motivar esse comportamento está a redução da ansiedade e sem riscos envolvidos —afinal o espectador sabe o que vai ocorrer, sem surpresas. Um outro ponto importante é que são produções melhores para acompanhar enquanto se está com os olhos em outros lugares —muitas vezes, no celular.
Ao analisar esse comportamento atual do público, entende-se, em parte, porque adaptações de outras mídias, remakes e continuações são o que mais funcionam na tela grande. O apetite por novidades é cada vez menor.
Os fãs, agora, são formados em outras telas, bem menores. A sala escura se transformou no momento da grande comunhão coletiva, às vezes de uma geração inteira.
Filmes baseados em games
Hollywood entendeu essa mensagem há tempos. Basta ver os longas baseados em histórias em quadrinhos de super-heróis, que dominaram as últimas décadas, ou ainda as adaptações de livros, indo de "Harry Potter" a "Cinquenta Tons de Cinza" —todos com uma base prévia de fãs.
Essa tendência acelerou após 2020, e a indústria tem investido ainda menos em material original. Isso é fato. Contudo, videogames ainda eram uma barreira. Existia uma lenda de que jogos do tipo não rendiam boas adaptações, que caiu por terra com sucessos como "Super Mario Bros. O Filme" ou mesmo de "The Last of Us" no streaming.
Mais uma vez, "Minecraft" exemplifica essa mentalidade. As negociações para a adaptação começaram ainda em 2014, há mais de dez anos. A Warner Bros. está envolvida desde pelo menos 2015 e, de lá pra cá, teve idas e vindas com diretores e roteiros. Parecia que a iniciativa iria morrer no limbo da pré-produção —seja por medo de investir alto ou por não acharem a execução correta.

Nesse meio tempo, o game se tornou um sucesso com a garotada, rendendo inúmeros produtos derivados. Surgiu uma enorme comunidade, que compartilha suas experiências e faz lives no YouTube e na Twitch. A Warner, correndo risco de perder os direitos de adaptação dessa joia, finalmente se movimentou. A produção efetivamente começou em 2022.
'Minecraft' salvou empregos
O resultado nós vemos agora, com o sucesso de bilheteria. Coincidência ou não, veio em um momento em que os líderes da Warner Bros. Pictures —Michael De Luca e Pamela Abdy— estavam com a cabeça a prêmio. De acordo com relatos de bastidores, o CEO da Warner Bros. Discovery, David Zaslav, estaria descontente com os resultados e já estaria em busca de um novo comando para a divisão.
Acontece que os ótimos números de "Um Filme Minecraft" —os melhores para a WB desde "Barbie", em 2023— não só deram uma sobrevida para os dois, mas garantiram uma certa tranquilidade para construir os próximos blockbusters.
Curiosamente, isso ocorreu com um longa-metragem que não foi autorizado pela dupla, ainda que eles tenham liderado o estúdio durante boa parte do desenvolvimento. Podem, sim, receber os louros da glória.
O nível de cobrança vai subir em breve, claro. Ainda este ano, a Warner lança "Superman", dando início a uma nova visão para o Universo DC nos cinemas sob o comando criativo do cineasta James Gunn. No futuro próximo, tem também "Duna: Messias", "Mortal Kombat 2", "Supergirl", outro "Godzilla x Kong" e assim vai. Mais nostalgia, continuações e remakes —às vezes, com tudo isso ao mesmo tempo.
Tem uma ideia original para um longa-metragem? Melhor então escrever um livro, produzir uma websérie no YouTube, ou criar um game. A telona agora é para quem tem marca e fãs. E olhe lá, já que nem isso é sucesso garantido.
Nunca mais teremos um "Star Wars" surgindo do nada. Mas "Minecraft", ah, nós teremos um monte.
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