Como a obesidade aumenta o risco de diversas doenças do coração?

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A obesidade é um problema que vai muito além de quilos a mais na balança ou de questões estéticas. Trata-se de uma doença crônica, que representa um perigo real para a saúde. O excesso de gordura corporal afeta o metabolismo, as articulações e diversos órgãos, entre eles o coração —é fator de risco para doenças cardiovasculares (DCV) e está associada a condições graves como infarto do miocárdio, AVC (acidente vascular cerebral) e trombose venosa.
Embora a relação entre o excesso de peso e problemas cardiovasculares seja bem reconhecida, ainda há debates sobre a dimensão exata de cada risco e como eles interagem entre si. O que se sabe é que a obesidade prejudica a circulação sanguínea, dificultando o bombeamento do sangue pelo corpo e exigindo maior esforço do músculo cardíaco.
Um dos mecanismos centrais desse processo é a inflamação crônica desencadeada pelo acúmulo de tecido adiposo visceral (gordura que fica na região abdominal, entre os órgãos). Essa gordura libera substâncias pró-inflamatórias, que comprometem a função dos vasos sanguíneos, favorecendo a hipertensão arterial e o acúmulo de placas de gordura nas artérias, processo conhecido como aterosclerose.
A seguir, mostramos os principais problemas cardiovasculares que a obesidade pode provocar e explicamos por que eles acontecem.
Hipertensão
A obesidade é responsável por cerca de 70% dos casos de hipertensão arterial, condição popularmente chamada de pressão alta, por conta de uma combinação de fatores inflamatórios, renais, metabólicos, hormonais e do sistema nervoso simpático.
O excesso de peso prejudica a capacidade dos rins de eliminar sódio, promovendo a retenção de líquidos e o aumento do volume sanguíneo. "Esse mecanismo é influenciado pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona, que regula a pressão arterial e o equilíbrio de fluídos no corpo. A ativação desse sistema intensifica a retenção de sal e líquidos, potencializando a hipertensão", explica Kleber Franchini, cardiologista e diretor de pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
"Alterações metabólicas provocadas pela obesidade, como a resistência à insulina, também contribuem para agravar a retenção de sódio e dificultar o controle eficaz da pressão arterial."
Uma das comorbidades da obesidade, a apneia do sono também está relacionada à hipertensão.
"Na apneia do sono, a respiração para diversas vezes por hora durante a inspiração", diz Marcio Mancini, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP). "Isso interrompe momentaneamente o sono e compromete sua qualidade, além de reduzir a quantidade de oxigênio e aumentar a de gás carbônico."
A ausência de descanso leva à hipertensão arterial, aumento de risco cardiovascular, arritmias e insuficiência cardíaca, problemas de memória, sonolência, dificuldade de concentração e aumento do risco de acidentes.
Infarto
Pessoas com obesidade são mais vulneráveis a desenvolver o infarto do miocárdio, decorrente de alterações metabólicas e inflamatórias que aceleram a aterosclerose. O acúmulo de placas de gordura nas artérias, intensificado pela resistência à insulina, hipertensão e dislipidemia, reduz o fluxo sanguíneo para o coração, causando isquemia. Quando essas placas se rompem, podem obstruir completamente as artérias coronárias, levando ao infarto.
No entanto, segundo Mancini, da Sbem-SP, não é só a quantidade de gordura do corpo que importa, mas onde ela está acumulada. "O risco de infarto é maior em indivíduos com acúmulo de gordura na região do abdômen".
Isso porque o tecido adiposo abdominal libera substâncias inflamatórias que tornam as placas mais instáveis e aumentam a formação de coágulos. Também pode levar ao acúmulo de gordura perivascular (em volta dos vasos), no pâncreas e no fígado, causando esteatose e inflamação.
O excesso de peso contribui ainda para a hipertrofia do músculo cardíaco e disfunções vasculares, fatores que elevam o risco de infarto. Segundo o estudo epidemiológico Nurses' Health Study, o risco de doença da artéria coronária (DAC) de uma pessoa com índice de massa corporal (IMC) de 29 kg/m² (valores entre 25 e 29 kg/m² são classificados como sobrepeso) é 3,5 vezes maior do que o de um indivíduo com IMC de 21 kg/m² (valores entre 18,5 e 24 kg/m² são considerado normal).
AVC
O sobrepeso aumenta em 25% a 30% o risco de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico e isquêmico e, na obesidade, esse número sobe para 91%.
O principal motivo para isso é o comprometimento do sistema circulatório: a resistência à insulina, a dislipidemia (aumento anormal dos níveis de gordura no sangue) e a hipertensão criam um ambiente propício para o acúmulo de placas de gordura nas artérias, principal fator por trás dos AVCs isquêmicos.
"Já a relação entre obesidade e AVC hemorrágico ainda está sendo investigada, mas há indícios de que a hipertensão fragiliza as artérias cerebrais, elevando o risco de rupturas que podem causar AVC hemorrágico", diz Franchini, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
Insuficiência cardíaca
O excesso de peso sobrecarrega o coração, que precisa trabalhar mais para bombear sangue, principalmente quando associado à hipertensão e ao aumento do volume sanguíneo. "Com o tempo, isso causa alterações que comprometem a eficiência cardíaca, elevando o risco de insuficiência cardíaca —uma condição grave e progressiva, que causa sintomas como falta de ar e inchaço", explica Franchini.
Outro problema está associado ao aumento do nível circulante de ácidos graxos (gordura). Como o miócito (célula muscular cardíaca) tem maior capacidade de captação do que de oxidação, a gordura se acumula dentro dele, causando um tipo de insuficiência cardíaca relacionada à obesidade, a cardiomiopatia lipotóxica.
"O primeiro sinal dessa doença pode aparecer no laudo do ecocardiograma como 'disfunção diastólica' e indicar que a pessoa tenha os fatores de risco, como pré-diabetes, pressão alta, alteração de colesterol e triglicérides", alerta Mancini, da SBEM-SP.
Trombose
O excesso de tecido adiposo libera substâncias inflamatórias que podem danificar as paredes das veias, tornando-as mais propensas à formação de coágulos sanguíneos e ao desenvolvimento de doenças vasculares, como trombose venosa profunda, que por sua vez aumenta o risco de tromboembolismo pulmonar.
Outro agravante é o comprometimento do sistema fibrinolítico, responsável pela dissolução de coágulos ou trombos. Em pessoas obesas, os níveis elevados do inibidor de ativador de plasminogênio-1 (PAI-1) dificultam esse processo, fazendo com que os coágulos fiquem mais persistentes.
O sedentarismo e períodos prolongados no leito, como acontece após cirurgias, também favorecem a formação de trombos.
Emagrecer diminui o risco de doenças cardiovasculares

Perder peso é uma estratégia essencial para a proteção cardiovascular. De acordo com Franchini, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, emagrecer reduz a carga de trabalho do coração, melhora a função dos vasos sanguíneos, reverte a hipertrofia ventricular esquerda e contribui para a melhora da função diastólica.
"O objetivo principal não é normalizar o peso, mas tornar a condição da obesidade reduzida ou controlada, assim como é feito com outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão", diz Mancini. "É um tratamento contínuo, ao longo da vida."
E pequenas reduções já trazem benefícios notáveis. "Uma pessoa que reduz 5% do peso corporal pode controlar a hipertensão e melhorar a glicemia. De 5% a 10%, é possível observar melhorias nos níveis de colesterol e até mesmo reverter quadros de diabetes tipo 2 em alguns casos. Perdas superiores a 10% estão associadas à redução do risco de eventos cardíacos e, a partir de 15%, à diminuição da mortalidade cardiovascular", diz Franchini.
Conheça outros benefícios:
- Reduz a inflamação crônica, um dos marcadores mais relevantes na progressão das doenças cardiovasculares.
- Diminui a pressão arterial; estudos mostram uma diminuição de 1 mmHg na medida da pressão arterial para cada kg de peso perdido.
- Melhora o perfil lipídico --com aumento do colesterol HDL e redução dos níveis de triglicerídeos.
- Melhora a sensibilidade à insulina e do controle glicêmico.
- Ajuda a controlar comorbidades como apneia do sono, síndrome metabólica e diabetes tipo 2.
- Diminui o risco de trombose.
Tratamento em várias frentes

Manter um estilo de vida saudável é a chave para reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Estudos mostram que a adoção de práticas relacionadas pode diminuir em até 80% o risco de doença arterial coronária e em mais de 90% o risco de diabetes —mas vale lembrar que cada pessoa responde a elas de maneira diferente. A seguir, veja o que os especialistas recomendam:
Alimentação equilibrada: priorize frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras, limitando o consumo de alimentos ricos em gorduras saturadas, trans, colesterol e sódio. Reduza açúcares adicionados e evite bebidas açucaradas.
Prática de atividade física: realize pelo menos 150 minutos semanais de exercícios aeróbicos moderados, como caminhada ou ciclismo, para fortalecer o coração.
Pare de fumar: essa é uma das ações mais eficazes para proteger o coração. Evite ainda a exposição ao fumo passivo.
Consumo moderado de álcool: homens devem limitar o consumo a duas doses por dia e mulheres, a uma dose. O excesso de álcool pode aumentar a pressão arterial e outros fatores de risco.
Gerencie suas condições de saúde: mantenha a pressão arterial, os níveis de colesterol, e a glicemia (para quem tem diabetes) controlados.
Cuide da saúde mental: reduza o estresse com práticas como meditação e mindfulness.
Qualidade do sono: Dormir entre 7 e 9 horas de sono por noite contribui para o bem-estar cardiovascular.
FONTES: Kleber Franchini, cardiologista e diretor de pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; Marcio Mancini, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP).
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