Cada um no seu quadrado: Caetano e Gil e o encerramento de uma era

Ler resumo da notícia
Eles cantaram muito juntos, muito separados também. Seus caminhos se cruzaram desde sempre, desde o início da Tropicália e não é de se estranhar que os dois tenham resolvido, praticamente na mesma época, apenas com alguns meses de diferença, fazerem shows grandiosos para celebrar uma era, ou melhor o fim de uma era e o começo de outra.
Caetano Veloso escolheu sua irmã, Maria Bethânia, para mostrar ao Brasil momentos e emoções ainda não vividas em conjunto, dessa maneira tão espetaculosa. Já Gilberto Gil convocou uma boa parte de sua família para acompanhá-lo em momentos que com certeza entraram para a história da música popular brasileira.
Não há como pensar em um sem pensar em outro, nem em outro sem pensar em um: a história dos dois se esbarram, se confundem e mesmo que uma turnê não tenha nada a ver com a outra, impossível a gente, de uma certa forma, não acabar comparando uma com a outra.

A turnê de Caetano com Bethânia começou e terminou antes da de Gil estrear e emocionou quem conseguiu ingresso para assistir. Sim, porque as duas turnês, de Caetano com Bethânia e de Gilberto Gil tiveram todos os seus ingressos esgotados. Bastava colocar à venda e bingo! Todos vendidos.
As duas foram anunciadas como as últimas grandes turnês dos dois, que chegaram numa altura da vida, aos 80, onde não querem mais ficar viajando com toda essa estrutura, essa mão de obra, esse empenho todo.
O show de Caetano e Bethânia foi aquela coisa mais solene, principalmente por causa de Bethânia, cuja presença no palco lembra um orixá, tamanho o tom solene e dramático que ela carrega. Não se pode dizer que o show dos dois não tenha sido um sonho, o ápice de duas carreiras paralelas, sensíveis, profundas. Tanto figurinos quanto os cenários nesse caso eram mais discretos, apenas compondo o que era esperado deles.
Já no show de Gil, cenário e figurinos tiveram um papel bem maior com jogo de luzes, palavras em movimento e até um fogaréu. Todos esses aditivos foram muito bem utilizados principalmente para um show concebido para estádios. Um cineminha de palavras que tinham a ver com cada música circulava pelas arquibancadas, como se fosse o trabalho de uma artista plástica norte-americana muito conhecida chamada Jenny Holzer —que trabalha justamente com palavras em movimento. A cada nova música, um novo cenário, lúdico, com muitas cores e imagens. Quase um sonho e isso causou muito impacto na plateia.
Percebe-se que muito mais energia foi envolvida no show de Gil nesse departamento e o resultado valeu muito a pena: não te tratava apenas um show e, sim, de um grande espetáculo. Tive a sorte de assistir à última apresentação da temporada em São Paulo, quando Gil surgiu no palco com uma roupa vermelha e, pra mim , esse já foi o primeiro recado: energia, presença, força.

A mesma força aliás que foi por água abaixo quando Preta Gil entrou no palco amparada por uma irmã e uma cunhada e, depois de se sentar ao lado do pai, cantou "Drão", feita pelo pai em homenagem à sua mãe, Sandra Gadelha, quando os dois se separaram. Quando olhei em volta muita gente chorava. Muita. Na verdade, até eu queria ter chorado, pois lá tinha de tudo nesse momento, mas principalmente amor, muito amor. E acho que a invasão desse sentimento tão difícil de ser detectado acabou elevando o nível de emoção no estádio, no caso o Allianz Parque.
Não deixa de ser curiosa a presença da família em ambos os casos. E isso provoca uma onda de ternura que permeia ambos os espetáculos.
Foi curioso ver a ascensão de Gilberto Gil a esse patamar de unidade. Sim, ele já era uma espécie de entidade, mas com esse show, transcendeu: alta qualidade, alta intensidade e muita verdade. Foi um show pensado, dirigido, enquanto o de Caetano com Bethânia foi um show de dois artistas maravilhosos que se juntaram para cantar: um encontro.
Pensar que os dois não farão mais grandes turnês é de uma certa forma triste, um sinal do tempo que passa. Mas poder ter visto os dois envoltos numa emoção dessas, que só os grandes estádios podem trazer, isso foi um prêmio que nós, os fãs, merecemos.
Caetano e Gil, cada um no seu quadrado. E que sorte a nossa.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.