Luciana Bugni

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Opinião

Crise dos 40: dos 'Machos Alfa' à 'Babygirl', ninguém sabe bem o que quer

A maioria das celebridades está na internet postando fotos das coxas com uma piscina ou o mar no fundo e o livro "De Quatro" apoiado na perna. A febre literária de janeiro, escrito por Miranda July, narra a aventura de uma mulher de 45 anos que deveria partir em uma aventura solitária —cruzar os EUA de carro até Nova York—, mas para a 30 minutos de casa e fica quase três semanas em um quarto de hotel buscando alguma coisa que a gente demora para entender o que é.

A histeria coletiva em torno do romance é compreensível: ninguém aos 40 anos parece ter muita certeza do que anda procurando, como a personagem de Miranda. A certeza que se tem é que muito bom não está. Como que melhora? Nem ideia. Parece inclusive que piorou, como no meme.

A personagem de Nicole Kidman em "Babygirl" é outra que está nesse contexto. Nicole tem 57 anos, mas no filme que provavelmente vai concorrer ao Oscar, ela parece ter 40 e tantos. Não tem um casamento ruim, tem uma carreira meteórica, tem uma família de comercial de cereal. Não sabe o que falta, só que algo falta. A lacuna, no caso dela, toma forma de prazer sexual. Não saber o que quer é complicado quando a gente só tem uma convicção: precisa de mais. O "mais" é trazido por um estagiário de 20 anos que vem sem filtro de fetiches e a abraça sem as máscaras que a sociedade geralmente pede.

Ela não é maluca, é uma mãe amorosa, uma pessoa competente e uma mulher que sabe que tem um bom marido ao seu lado. Mais ou menos como a personagem de Miranda July, que morre de saudades de exercer a maternidade no tempo em que fica fora, mas mesmo assim quer ficar um pouco fora e entender o que é aquele buraco perene que se carrega quando deseja... tudo?

"Devíamos ter direito a um ano de libertação durante a perimenopausa, sabendo que o fim está próximo. É uma época muito perigosa, logo antes do fechamento das cortinas. Temos que descobrir o que somos e o que está chegando ao fim para saber o que fazer quando a estrada bifurcar", diz um trecho do livro.

Ok, se para as mulheres a grande crise da meia-idade se explica hormonalmente, para os homens a falta de rastro acaba virando um grande mistério agravado pela intensa dificuldade que eles têm de conversar. O alívio cômico vem na série espanhola "Machos Alfa", da Netflix, que estreou essa semana a terceira temporada. Ali tem de tudo.

Um homem de carro conversível é abordado pelo amigo, também de conversível num semáforo e convocado para o racha —"como está sua crise dos 50?", um deles diz antes de acelerar. "Eu tenho 49!", grita indignado o outro que tenta ganhar na velocidade e adiar a próxima crise. Consegue apenas uma multa de trânsito. Juntos, o grupo de amigos sofre com seus divórcios, luta para desconstruir o próprio machismo e patina muito. Mas, pelo menos, dialoga. Em inverossímeis chamadas de vídeo a quatro, os caras falam sobre o que sentem! Que progresso.

A olho nu, os madrilenos da série parecem crianças perdidas perto da segura Romy de "Babygirl" e da caótica protagonista de July despejando verdades sem medo, mas, no fundo, está todo mundo na mesma. Em uma trajetória de quatro décadas, homens e mulheres assimilamos mil revoluções tecnológicas e chegamos aqui com uma sensação latente de para quê mesmo? Para criar filhos, colocamos o propósito na frente. Para ter sucesso. Para ser feliz? Opa. Mas o futuro está meio diferente do que era antigamente e mesmo que a gente reforme quartos de hotel para viver onde quer por três semanas, estamos rodando entre quatro paredes procurando respostas para quereres meio contraditórios.

"Você não entendeu? Simone de Beauvoir estava errada. Você não precisa querer o que quer, também pode ter o que quiser", diz a personagem de July em um diálogo. "Mas o que eu quero é querer. Esse é o grande lance do desejo", responde a amiga.

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Caetano fala sobre isso em sua "O Quereres", em que sugere o desejo impossível da justa adequação —já imaginou se houvesse apenas métrica e rima e nunca dor? Mas a vida, real e de viés, não facilita nada para os ambiciosos de sentir aos 40 anos. "E querendo-te aprender o total do querer que há e do que não há em mim".

Se tem solução? Vai ver o destino é o próprio caminho.

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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