Na TV e no cinema: somos modernos pra muita coisa, mas incesto ainda é tabu

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"Olha, nenhuma droga no mundo me faria pegar meu irmão", decreta Chelsea (a carismática Aimee Lou Wood) em "The White Lotus", na Max. A simples menção à ideia já dá aquela retorcida no estômago —e é bem isso que acontece com Saxon (Patrick Schwarzegger), que corre para vomitar. Bem, se você não viu ainda o sexto episódio da série, que está disponível desde o último domingo, é melhor nem continuar lendo esse texto.

Nós ficamos modernos para muita coisa mesmo. Homoafetividade, por exemplo, até que enfim, não está mais à margem das conversas e, sim, na sua frente na escada rolante do shopping em beijos ternos de meninos adolescentes. Apesar de tanta violência que, infelizmente, ainda acontece com a população LGBTQIA+, há muita gente que outrora tenha se reconhecido como preconceituoso e, hoje, sabe que isso é algo (vergonhoso) que ficou no passado.
Deborah Secco vai falar de sexo anal, outro tabu daqueles, em algum podcast quando der na telha. Vai confessar coisas que as mulheres, geralmente, não comentam nem com as amigas. Que bom. Caminhamos para a libertação de desejos que por muito tempo a igreja achou por bem domar e dizer que era pecado. Não deu muito certo e, de reprimido em reprimido, olha onde a humanidade está.
Mas quando o assunto é pegar a irmã ou irmão, todo mundo dá aquela mudada na expressão facial. Sobrancelhas franzidas e um leve desconforto: quê? "Todo mundo tem as suas coisinhas", diz Chelsea na série. Todo mundo? Eu não tenho!, a gente se apressa em confessar.
Desde a Guerra dos Tronos
Eu estava montando um quebra-cabeça com uma amiga, na casa de outra, enquanto toda a galera estava vidrada na TV, ligada no canal a cabo, nos tempos pré-streaming. Foi há mais de 10 anos. O furdunço era o episódio novo de alguma temporada que nunca vi de "Game of Thrones". Na tela, enquanto tentava entender a história, dois irmãos transavam à beira do caixão de algum parente de quem não me recordo. "Eles são irmãos?", me choquei puritanamente. Sim, me explicaram. Eles se pegam faz tempo. Eca!

Em uma série em que sobrenomes lutam entre si por um suposto trono por dez temporadas, faz até sentido que irmãos se associem romanticamente para não deixar que estranhos entrem na disputa. Bem, tem até dragão voador e herói que ressuscita nessa história; não vai ser uma pegação esquisita que vai causar comoção.
A ojeriza não é só minha. Apesar de acontecer, sim, há séculos, de pessoas sentirem desejo pelos membros da família, não é sociavelmente aceitável andar de beijinho com um parente tão próximo na escada rolante do shopping. Lévi-Strauss explicou o tabu do incesto em seu estudo no século passado —uma norma básica desde que o mundo é mundo. Por que, afinal, choca tanto?
Primeiro que, do ponto de vista econômico e social, nunca valeu muito a pena. Se o casamento é negócio, por que ficar na renda concentrada da pessoa que mora na sua casa? Juntar-se com outros clãs, no passado, também era segurança. Você armava melhor seu exército se chamasse a pessoa do reino ao lado para seu time. Um grupo fechado em si não fica tão protegido quanto aquele que tem a vizinhança junto de olho no inimigo. E nessa expansão do núcleo, filho é moeda de troca.
Tem, além disso, o fator biológico. Está provado por azão + azinho que geneticamente não funciona nada bem procriar em família. Pode não ser essa a intenção de uma farra entre pessoas do mesmo sexo drogadas em um iate na Tailândia em "The White Lotus", mas procriar está no topo da lista das intenções de muita gente ainda.
Se organizar direitinho, todo mundo transa? Eu, hein
O filme "Parthenope", de Paolo Sorrentino, que estreou essa semana no cinema, também faz alusão ao assunto. Sem spoilers por aqui, mas o encantamento enciumado entre irmãos pode ser palatável para os olhos? As cenas de Nápoles e Capri complementam a nutrição estética do filme, belíssimo.
Se, hoje, ex-homofóbicos confessam o potencial excitante das cenas de "O Segredo de Brokeback Mountain", em que dois caubóis gatos sucumbem ao desejo que sentem um pelo outro, será que em algum momento vamos ver o tabu do desejo entre irmãos numa boa?
Lévi duvida. Eu também. Saxon vomita. O jovem Lochlam (Sam Nivola) entra em surto enquanto medita em um templo. Os personagens de "Parthenope", que parecem conviver de boa com o assunto, acabam pagando caro. O audiovisual pode até andar mais destemido. Mas na prática não dá, não.
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