Ciúme é machismo? Afonso pode ter inventado o esquerdo-macho nos anos 1980

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Afonso (Humberto Carrão) diz para a namorada Solange Duprat (Alice Wegmann) que ela, que mora com um amigo, não pode nem cogitar fazer brincadeiras sobre suas (muitas) ex-namoradas. "Se você sentir ciúme do Sardinha, vai ser muito engraçado", ela afirma meio indignada e já emenda que tem tolerância zero para machismo e possessividade.
"Mas um pouco de ciúme não é bom?", ele pergunta, todo charmoso, sem camisa e suado. Ela não cai na sedução e garante que ciúme é posse. Ele cala e aceita. Por enquanto.
Apesar de não trazer nenhuma vantagem para a relação, ciúme é uma constante de muitos namoros e casamentos. Vem do medo de perder —geralmente, explica a psicanálise, oriundo de traumas e abandono na infância. A insegurança que pode até ser vista como natural nesses casos fica ainda mais nociva quando exposta.

O ciumento nunca atribui a si o incômodo. É sempre pautado pela atitude do outro. Solange mora com um homem, logo, Afonso se sente no direito de se incomodar com o jeito dela e culpá-la por isso. Ih, gente. No ciúme, o que a pessoa inventa é culpa do outro. E vira verdade. Complicadíssimo.
Mas ciúme não é machismo, já que tem muita mulher que também sente. Só vira machismo quando entra no pacote do "mulher minha não faz tal coisa". Na primeira versão da novela, o bem-intencionado Afonso de Cassio Gabus Mendes brigava por causas justas, queria dividir as terras da mãe, tinha os olhos brilhando por suas lutas e... era tóxico e abusivo com Solange.
O personagem praticamente inventou o esquerdo-macho em rede nacional lá na década de 1980. A gente não estava prestando atenção direito —tanto que cai no conto do bom moço que vai ser perfeito desde que você haja exatamente como ele quer desde então. E lá se vão 37 anos.

Ter ciúme não é machismo, porém se incomodar com os contatos que a namorada tem no trabalho é machismo, sim.
Afonso já dá sinais de como vai agir: quer cozinhar para ajudar a moça enquanto ele trabalha, mas não sabe onde está nada na cozinha e mais atrapalha que colabora. Mimado, filho querido da mãe hostil, cresceu achando que vai ter tudo o que quer da maneira como quer. Isso inclui mulheres.
Não conseguir lidar com o fato de Solange dividir o apartamento com um amigo homem, ter sucesso profissional e lidar com várias pessoas do sexo masculino nesse percurso também é machismo. Assim, coloca a mulher como vulnerável em qualquer ambiente onde tenha homens. Posse. Abuso.
Se ele vai repetir o esquerdo-macho da primeira edição de "Vale Tudo", a Solange atual podia dar a volta nele. Na internet, a gente chama de red flag (aquelas bandeiras vermelhas que alertam para o fato desse mar não ser bom para banhista, não). O problema é que apaixonada, com o moço de sunga todo definido que acabou de voltar do futevôlei, a gente não vê bandeira nenhuma e mergulha. É triste, sim. Mas é bem assim.
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