Coma como um romano: capital italiana tem cozinha sem frescura e bem raiz
Uma cozinha rústica, intensa e sem firulas. Ignorante. Sim, esse é o elogio máximo dado a um prato, em Roma, quando na primeira garfada, nota-se que ele foi feito como manda o protocolo raiz - simples, abundante e sem "foodismos".
Não à toa, o escritor Giuliano Malizia, autor de "La Cucina romana e ebraico-romanesca", (Newton Compton Editori, 2001, sem edição no Brasil), abre tal obra, com a seguinte descrição: "Os sabores de Roma são capazes de capazes de ressuscitar um morto!".
Curioso é que, nessa simplicidade bruta, que a culinária da cidade é a bola da vez no mundo. Vira e mexe, lá está ela no topo desses rankings voltados para eleger o melhor lugar do mundo para comer e beber.
Qualquer dúvida, é só ver o frisson nas redes sociais, nas rodinhas de amigos, no restaurante premiado, quando ressoam palavras como carbonara, cacio e pepe, amatriciana. Juntas, inclusive, elas foram a dita "Santíssima Trindade da cozinha romana". No paralelo, corre a "irmã" mais jovem no hall da fama no capítulo pastas, a gricia, que começou a ganhar o mundo também.
A lista segue e é extensa, mas vale destacar supplì, fiori di zucca, pizza al taglio, pizza bianca con mortadella, porchetta, carciofi alla giudia, saltimbocca alla romana, coda alla vaccinara, tiramisù e maritozzo - esse, o "bebê" que está prestes a viver o seu boom, pelo globo.
O que elas têm em comum? Na essência, são feitas com os produtos do cotidiano, os que sempre estão na geladeira e na despensa, de qualquer família.
'Arroz com feijão' romano
Pasta, ovo, pimenta-do-reino, molho de tomate, abobrinha, alguns embutidos - um para cozinhar, outro para lanchar; ricota, queijo ralado… Nesse caso, o pecorino, que respeitando a premissa de território, é um produto do Lazio, região que abriga a capital italiana, ou seja, é "o" comum do dia-a-dia e não um insumo "de luxo" comprado para aquela receitinha especial do final de semana.
"Roma é a capital mais agrícola da Europa", declara Ernesto di Rienzo, antropólogo italiano, professor da Universidade Tor Vergata, na capital italiana, e autor de livros como o Mangiare L'Autentico - Cibo e Alimentazione tra Revivalismi Culturali e Industria della Nostalgia (Universitalia, 2013, sem edição no Brasil).
"Isso foi, historicamente, ao longo dos séculos e até hoje. E sua cozinha é um reflexo disso. Até mesmo os produtos que compramos fora, no forno [padaria] ou no bar, usam matéria-prima acessível como farinha, água, azeite ou recheios básicos da confeitaria", complementa ele.
Para comer como um romano
A seguir, um raio-X das principais tradições e onde prová-las em locais frequentados por locais e, assim, evitar as tantas pegadinhas para turistas, que são os locais em que come-se mal, o serviço é ruim e ainda a conta é sempre muito mais alta.
Todas as dicas estão no centro histórico ou em regiões que fazem parte da rota turística.
Street food
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Quero receberRoma também tem um reizinho e é ele: o supplì al telefono. Uma espécie de bolinho — mas não um bolinho de "resto de risoto", mas sim um frito feito com arroz arbóreo e, tradicionalmente, feito ragù — molho de tomate com carne e recheado com mozzarella. É ela que dá origem ao nome, já que quando a iguaria é partida, o queijo derretido lembra um fio de telefone.
Disputa corações também nesse reino dos 'fritti' [fritos], como eles carinhosamente chamam, delícias como a fiori di zucca — flor da abobrinha recheada com mozzarella e aliche; olive ascolane - azeitona verde recheada um mix de com carne, vegetais e queijo; e filetto di baccalà — filé de bacalhau empanado.
Para uma mordida com mais sustância, eis a porchetta, a barriga de porco assada que é servida em um guloso sanduíche - já nos restaurantes, pode ser servida com batatas ao forno, como uma opção de prato de carne.
Onde provar:
Food Box: Via Beniamino Franklin, 12, Mercato di Testaccio, Testaccio. @foodboxroma
Antico Forno Roscioli: Via dei Chiavari, 34, Centro Histórico (Campo dei Fiori). @anticofornoroscioli
Supplì Roma: Via di S. Francesco a Ripa, 137, Trastevere. @suppliroma.official
Pizza
É a terra das quadradas, cortadas com tesoura e chamadas de 'al taglio' [ao corte, em tradução livre]. São vendidas por peso, em portinhas chamadas de forno, locais em que os fritos também disputam espaço. A mais famosa delas é a pizza rossa e leva somente molho de tomates, azeite de oliva e sal - nem manjericão, nada.
A que leva orégano, por exemplo, é a marinara, que é napolitana, mas encontra-se em Roma, porém quase sempre na versão redonda. Por falar nisso, sim, elas existem e como características vitais tem borda queimadinha, é fininha e muito crocante.
Por fim, outra coisa que a cidade não vive sem é a pizza bianca, que é mais alta, mais fofinha e chega a lembrar focaccia. Também é quadrada e forma um duo irresistível com a mortadella, conhecida como mortazza, no dialeto local.
Onde provar:
Eroi della Pizza: Piazzale degli Eroi, 6, Prati (Vaticano). @eroi_della_pizza
Forno Campo de'Fiori: Campo de´Fiori, 22, Centro Histórico (Campo dei Fiori). @fornocampodefiori
Bonci: Via Giovanni Giolitti, 36, Mercato Centrale, Centro Histórico (Termini) + outros endereços. @bonci_gabriele
Antepastos
Aqui, a alcachofra lidera disparado. Os ícones são dois: carciofi alla giudia, quando a flor é frita inteira por imersão e alla romana quando é cozida com azeite, hortelã e alho.
No paralelo, há a coratella, em que ela é servida com fígado, pulmão e coração, sobretudo na Páscoa; e a vignarola que leva também ervilha, fava e cebola, que é uma celebração à primavera.
Onde provar:
Hostaria Dino y Toni: Via Leone IV, 60, Prati (Vaticano). @hostariadinoetoni
Armando Al Pantheon: Salita de' Crescenzi, 31, Centro Histórico (Pantheon). @armandoalpantheon
Altro Pasta e Vino: Via Beniamino Franklin, 12, Mercato di Testaccio, Testaccio. @altroepastaevino_testaccio
Pastas
Pecorino e pimenta-do-reino formam o coração pulsante das massas clássicas romanas. Esse duo, aliás, é o que compõe o cacio e pepe, que traduzindo, pura e simplesmente, é queijo e pimenta. Com a adição de guanciale — o embutido feito com bochecha de boi, nasce a gricia, que também atende pelo nome de amatriciana in bianco.
Daqui, há dois caminhos: quando ganha molho de tomates, passa a ser chamada somente de amatriciana; quando recebe o icônico creme de ovos, que entre romanos.doc, a premissa é, no mínimo, duas gemas por pessoa e zero claras, atende pelo nome de carbonara, a rainha soberana da cozinha romana.
Correndo por fora dessa base, está o gnocchi alla Sorrentina, feito com discos de massa de semolina, que vão para o forno com queijo para gratinar.
Onde provar:
Enoteca Corsi: Via del Gesù, 87/88, Centro Histórico (Pantheon). @enotecacorsi
Renato e Luisa: Via dei Barbieri, 25 - Centro Histórico (Largo Argentina). @renatoeluisa
Osteria da Checco Ar 65: Via Santamaura, 65 - Prati (Vaticano). @osteriadachecco.ar65
Secondi Piatti
Entre os pratos de carne, que nunca são consumidos junto com a massa, estão a coda alla vaccinara, que é a nossa conhecida rabada, que é feita com um belo cozido com molho de tomates que, em algumas famílias, leva até uva passada; saltimbocca alla romana, um finíssimo filé de vitela puxado na manteiga com prosciutto crudo e sálvia; e trippa alla romana, um ensopado com tripa, tomate e pecorino.
Também não podem faltar os diversos preparos de abbacchio, o cordeiro, que é bem presente na mesa romana, sobretudo aos domingos e em épocas festivas como Natal e Páscoa.
Onde provar:
Pecorino: Via Galvani, 64, Testaccio. www.ristorantepecorino.it (sem Instagram)
Flavio Al Velavevodetto: Via di Monte Testaccio, 97, Testaccio. @alvelavevodetto
Taverna dei Fori Imperiale: Via della Madonna dei Monti, Monti (Coliseu). @latavernadeiforiimperiale
Doces
Esse é um item onipresente na cultura italiana. Todo dia e em vários momentos do dia. A começar pelo café-da-manhã que é, religiosamente, do reino do açúcar.
Cada região, tem suas especialidades, mas em Roma, isso se traduz com cornetto — não, não é um sorvete, associação que pode vir à algumas gerações no Brasil, mas sim é uma espécie de primo do croissant mas que não tem massa folhada e é sempre (muito) recheado com nutella, creme confeiteiro, geleia.
Por muito tempo, ele reinava absoluto, mas nos últimos anos, a cidade vive o burburinho da volta do maritozzo, antiga tradição que remete à Idade Média e que estava praticamente esquecida. Trata-se de um pãozinho fofo que chega a lembrar um egg sponge e é recheado com panna — tipo de chantilly leve que também está em tudo, do café ao sorvete.
Quando o assunto são as sobremesas, a mais clássica delas é a crostata di visciole con ricotta - cereja e ricota, porém não há como negar que o mais consumido pelos locais é uma receita que, ora ora, não tem raízes ali, o tiramisù, que tem origem disputada entre Vêneto e Toscana.
O frisson é tanto que a cidade ganhou uma série de casas temáticas dedicadas só a ele, tal como as brigaderias no Brasil, o que prova que é algo que traz afago, significando mesmo um amor.
Onde provar:
Regoli: Via dello Statuto, 60, Esquilino (Coliseu). www.pasticceriaregoli.com (sem instagram)
Casa Manfredi: Viale Aventino, 91-93, Aventino (Circo Massimo). @casamanfredi
Pompi: Via della Croce, 88, Centro Histórico (Piazza di Spagna) e demais endereços. @pompi1960
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