Nem mesmo o poder da comida pode salvar a imagem de princesa de Meghan

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A premissa é simples: apresentar a duquesa de Sussex como uma mulher comum, que cuida da casa, prepara o café da manhã dos filhos, recebe amigos para conversar sobre a vida e cozinha com chefs para reforçar o quão mundana ela sempre foi — e que a realeza nunca foi seu verdadeiro objetivo.
Desde sua estreia, Com Amor, Meghan, estrelada pela atriz que virou princesa, Meghan Markle, tem causado controvérsia. A Netflix afirma que a série é um sucesso de audiência (tanto que já foi renovada para uma segunda temporada), enquanto a imprensa e a crítica em geral foram implacáveis.
Talvez o interesse do público resida justamente nisso: tentar entender a vida de alguém que chegou ao topo da nobreza, mas rompeu com a monarquia para viver de forma "simples" ao lado do marido, o Duque de Sussex — também conhecido como Príncipe Harry — e dos filhos.

Mas a série falha miseravelmente nessa proposta. Em uma belíssima propriedade em Montecito, na Califórnia, Meghan continua vivendo como uma princesa, preparando sais de banho, cozinhando massas e crudités e coletando ovos de seu quintal — "com a gema mais amarela que já vi", ela ressalta.
Em certo momento, ela percorre seu galinheiro para organizar um "chickenic" (um piquenique para as galinhas, algumas resgatadas de granjas onde sofriam maus-tratos). Apanha os ovos, mas não consegue disfarçar o desconforto com o ambiente.
Como bem observou a Vulture, "Meghan parece estar constantemente preocupada com o que as pessoas vão pensar" e, por isso, o programa não consegue convencê-las de sua simplicidade ou autenticidade.
Tudo soa encenado: os diálogos, as receitas, a caligrafia meticulosamente desenhada nos recados carinhosos e no menu do brunch quase monárquico, preparado para "suas pessoas favoritas" — entre elas, sua mãe e, claro, Harry, que faz uma participação especial.

A série, aliás, faz parte do contrato milionário do casal com a Netflix: US$ 100 milhões por cinco anos de programas, incluindo o polêmico documentário Harry & Meghan.
Perfeição "do lar"
Meghan não é a primeira (e certamente não será a última) a usar a gastronomia como ferramenta de imagem — ou de reparação. A comida, afinal, é um poderoso elemento de soft power.
Temperar saladas com as mãos, preparar massa folhada do zero, cozinhar panquecas saudáveis para os filhos: a culinária nos conecta. Todos comemos, todos sabemos fazer ao menos uma receita — é o que nos torna humanos.
Nos últimos anos, celebridades de diferentes áreas se aventuraram na cozinha em busca de engajamento e relevância. A comida aproxima, e elas sabem disso.
De Selena Gomez a Sandy, de Amy Schumer a Adriane Galisteu, de Paris Hilton a Carolina Ferraz, todo mundo quer pôr a mão na massa -- ou fingir que sabe.
Plataformas de streaming e canais no YouTube estão repletos de programas gastronômicos estrelados por celebridades. Sai de cena a técnica refinada dos chefs, entra a espontaneidade dos famosos que erram receitas, perdem o ponto dos pratos e protagonizam desastres típicos de qualquer cozinheiro amador.

Meghan, no entanto, não erra. Sua frittata sai do forno dourada e impecável, seu macarrão de uma panela só é al dente e coberto por um molho cremoso — descrito por seu amigo, o maquiador Daniel Martin, como "o melhor que já provei". Tudo é superlativo. A Duquesa de Sussex é prendada e perfeita, sem falhas.
Para ele, Meghan também faz velas aromáticas para perfumar o quarto onde ele dormirá, estoura pipocas direto da espiga e as tempera com azeite e sal de trufas, monta arranjos florais porque "flores são uma forma de demonstrar amor". Meghan é sempre gentil e encantadora.
Talvez seja isso que torne a série tão artificial: uma tentativa forçada (e cansativa) de encenar uma rotina doméstica que, no fundo, não convence.
Uma maneira de reforçar que Meghan — e é bom lembrar de seu histórico como atriz — é "gente como a gente". Ainda que more em uma propriedade monástica, com vista para montanhas, um apiário, hortas orgânicas e uma coleção de louças e utensílios digna de um catálogo.
É como uma versão feminina de Rodrigo Hilbert apresentando o É de Casa, só que ambientada em um lar milionário. Em sua engenhosidade inquestionável, Meghan faz de tudo: derrete cera de abelha, prepara elixires, domina técnicas de cozinha.
Difícil acreditar que ela realmente acorda às seis da manhã, pá na mão, para plantar as mais verdes alfaces que uma série de TV já mostrou.

Mas, no jogo que Meghan e a Netflix propõem, isso pouco importa. Ela finge ser a dona de casa perfeita (e, em 2025, ainda há mulheres que realmente sonham com esse ideal de superesposa?) e o público finge acreditar.
Assim como ainda fingimos que monarquias fazem sentido, que príncipes e princesas desempenham um papel relevante na sociedade e que celebridades cozinham e comem como nós. Tudo parte de um mesmo conto de fadas.
No fim, Com Amor, Meghan não é sobre comida, mas sobre encenação. E, ironicamente, sua tentativa de se afastar da monarquia só reforça um dos pilares mais fundamentais dela: a arte de manter as aparências.
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