'Morrendo por Sexo': como o prazer também pode ser um ato de sobrevivência
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Molly é uma mulher adulta, casada, que acaba de receber a notícia da recidiva do câncer. Anos antes, ela havia passado por uma cirurgia para retirada de um tumor na mama e, desde então, mesmo depois de finalizado o tratamento, ela e o marido não fizeram mais sexo.
Molly ressentia profundamente a ausência de desejo no casamento. Seu marido parecia encontrar realização em cuidar dela, mas, aos poucos, passou a falar por ela, assumir os tratamentos, conduzir as conversas com médicos, decidir o que ela sentia e o que ela deveria fazer.
De alguma forma, ele tomou para si o protagonismo das emoções dela, e Molly, sem forças para contrariar ou talvez sem se dar conta, permitiu. Foi assim que, ainda viva, uma parte dela já havia começado a morrer.
Quando se viu diante da notícia de que o câncer havia retornado, Molly fez uma escolha: separou-se do marido e foi viver amparada por sua grande amiga Nikki, a pessoa que ela mais amava no mundo.
Gozar é liberdade
Em "Morrendo por Sexo (Dying for Sex)", série recém-lançada no Disney+, Molly nos leva para uma jornada de autoconhecimento que tem como motor o prazer.
Durante a vida toda, ela nunca havia conseguido ter orgasmos com seus parceiros; apenas sozinha. Não por um problema físico, mas porque, em função de traumas da infância, havia desenvolvido uma dificuldade imensa de se abandonar ao momento, de confiar.
Às portas da morte concreta, ela decidiu que queria, antes de partir, sentir um orgasmo compartilhado com alguém. Era seu desejo mais íntimo: experimentar o prazer não apenas como um ato solitário, mas como uma entrega, como uma vivência de si mesma na presença do outro.
Molly se lança, então, em muitas experiências sexuais — e aqui a série brilha. Longe de tratar o sexo de forma caricatural, ela mergulha em um universo cheio de nuances, mostrando a coragem de experimentar fetiches e fantasias que a sociedade muitas vezes julga com severidade. Conhecemos personagens que gostam de dinâmicas de submissão, de jogos de humilhação, de inversões de poder, de performar identidades peculiares. Mas o olhar de Molly é sempre humano, acolhedor.
Ela não zomba da vulnerabilidade dos parceiros porque ela própria está vulnerável, descobrindo-se, testando seus limites e desejos. O erotismo das cenas de sexo é com frequência interrompido por um humor refinado, que não se sobrepõe a profundidade dos encontros.
A série, aliás, mostra como o humor é tão necessário para aliviar as dores inevitáveis da existência. É só dessa maneira que o público consegue sobreviver ao drama de Molly às portas da morte.
Embora não seja o foco, a série aborda os efeitos da doença e dos tratamentos, a menopausa precoce e sua repercussão na sexualidade feminina. É preciso encontrar forças para estimular o desejo e o erotismo e assumir o controle do corpo, esse que não só está frágil pela doença, mas que também é manipulado por tantas pessoas durante um tratamento oncológico.
Mas o prazer, que muitos pensam ser apenas físico, é aqui mostrado como um território de reencontro consigo mesma. Molly começa a descobrir o que gosta, a se permitir dizer sim e não, a sentir-se dona do próprio corpo e da própria história.
E é ao lado de Nikki que ela compartilha suas emoções, suas conquistas, seus medos. A amizade entre as duas é a âncora emocional da narrativa, o lugar onde Molly se sente segura para ser quem é. À medida que a morte se aproxima, paradoxalmente, a protagonista vai vivendo cada vez mais. Vai dizendo o que sente, vai escolhendo, vai se permitindo.
Onde antes havia silêncio, agora há palavras. Onde havia medo, agora há coragem. Onde havia morte em vida, agora há, finalmente, vida.
A série é mais do que uma história sobre sexo ou doença. É um convite para pensarmos sobre como, muitas vezes, morremos um pouco cada vez que silenciamos nossos desejos, cada vez que deixamos que outros falem por nós, cada vez que deixamos de habitar nossos próprios corpos e vontades.
Molly nos lembra que a busca pelo prazer é também uma busca por autonomia, por identidade, por liberdade. E que viver, de verdade, é ter a coragem de se escolher — mesmo quando a vida parece estar nos escapando pelos dedos.
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