Dói, incomoda e não excita: o direito de dizer não ao sexo anal

Ler resumo da notícia
Daniele tem 28 anos e se descreve como uma mulher jovem e antenada. Um dia, cedeu ao desejo insistente do parceiro de experimentar o sexo anal.
O que me chama a atenção em seu relato é que já começa mal: "cedeu". A experiência, como era de se esperar, não foi boa. Foi dolorosa, desconfortável, sem excitação. E deixou nela não só a memória física do incômodo, mas também um bloqueio afetivo e sexual que perdura até hoje. Desde então, ela evita a prática, não sente curiosidade e diz, sem rodeios: "Para mim, não rola".
O que Daniele me conta — com coragem e franqueza — é mais comum do que se imagina.
Muita gente tenta o sexo anal não por desejo próprio, mas para agradar o outro. E quando a prática não dá certo, costuma ser o corpo o primeiro a reagir com dor, tensão e recusa. O corpo fala. E fala alto.
O problema é que muitas vezes há um silenciamento desse corpo, que ignora seus sinais, porque aprendemos que 'dar' — o orifício que seja — é uma espécie de prova de amor máximo.
Mas será que desejo se dá sob pressão?
Há uma diferença gritante entre acolher o desejo da parceria e se submeter a ele. E sim, num relacionamento afetivo e sexual maduro, é bonito quando a gente se dispõe a conhecer o desejo do outro — desde que também esteja sendo respeitado. Mas fazer sexo anal como moeda de troca, como presente de aniversário, como concessão forçada, é um atalho para o trauma. E sexo traumático não leva ninguém ao prazer.
Vale lembrar que em relações homossexuais masculinas, o sexo anal pode ser a única possibilidade de penetração e para alguns pares, isso se tornar uma dificuldade. Não que impeça a relação sexual, já que outras práticas são prazerosas e legítimas, como o sexo oral ou a masturbação mútua, mas para quem gosta de ser insertivo, o impedimento da penetração em relações monogâmicas pode gerar frustração.
De qualquer forma, cabe reforçar que homens também não devem ser insertivos/receptivos, caso não gostem ou não possam praticar sexo anal.
Daniele também menciona algo que escancara outro ponto delicado: ela não aceita nem beijo grego, nem toques, nem nada que envolva a região anal. É o 8 ou 80: tudo ali se torna um território interditado. Não por acaso, muitas pessoas ainda carregam — sem saber — uma educação repressora, marcada por nojo, vergonha e a obrigação de estar sempre "limpinha/o", cheirosa/o, inodora/o. Ninguém nos ensinou a olhar para o ânus como uma zona de prazer. Ao contrário: transformaram ele numa zona de medo.
O sexo anal, como toda prática sexual, exige liberdade. Liberdade para explorar, recusar, experimentar, parar no meio, tentar de novo ou nunca mais. Exige também tempo, preparo, cuidado, relaxamento — e, principalmente, tesão. Sem tesão, nenhum orifício é convidativo.
Não existe "tem que gostar", não existe "todo mundo faz". O corpo não mente: ou ele consente, ou ele se defende.
Para quem deseja experimentar o sexo anal com prazer e responsabilidade, o caminho passa pela paciência e pelo cuidado. A excitação precisa vir antes da penetração — e, muitas vezes, não vem dela. Brincadeiras, carícias, beijos, massagem, uso de plugs ou toques com os dedos podem ajudar o corpo a ir se acostumando e entendendo que "está tudo bem".
Lubrificante é item obrigatório, assim como o preservativo, já que a região anal não tem lubrificação natural e é mais suscetível a pequenas fissuras e à transmissão de ISTs. E, talvez o mais importante: o corpo tem que querer. Respeitar isso faz parte do jogo erótico. Porque o prazer anal, quando existe, não nasce do "tem que", mas do "quero junto contigo".
Talvez o que Daniele precise — e tantas outras pessoas também — não seja uma nova tentativa técnica, com mais lubrificante ou outra posição, mas um espaço de escuta e acolhimento para entender se há abertura para o desejo dela florescer ali, a ponto de tentar novamente.
Porque sexo bom começa no consentimento, se sustenta no respeito mútuo e termina quando culpa e a obrigação começam. E se há recusa, ela não deveria se sentir menos "transante" do que seu grupo de "descolados(as)".
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.