Ana Canosa

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Opinião

Afinal, dá ou não para trair numa relação não monogâmica?

Iara é uma jovem e bela mulher, livre e desimpedida. Conhece Roberto há bastante tempo, por morarem no mesmo bairro. Nunca foram íntimos, é verdade —ele, pouco mais velho que ela—, mas o suficiente para ter criado aquele espaço entre os adolescentes de 17 com os de 13, que, em números absolutos, não é muita coisa, mas parece uma geração inteira.

Enquanto os de 13 ainda estão começando a beijar alguém e saindo da barra da saia das mães, os de 17 já estão no ensino médio, tendo que decidir a vida profissional —e já tiveram, se não sexo, ao menos a primeira desilusão amorosa.

Iara e Roberto sempre tiveram um crushizinho, principalmente quando ela entrou na adolescência, mas a vida não proporcionou nenhuma grande janela de oportunidade, já que Roberto estava sempre acompanhado nas festas onde se cruzavam.

Iara acompanhou o casamento dele com Vivian, ficou sabendo quando, anos mais tarde, eles decidiram morar em casas separadas —o que provocou um certo frisson nas pessoas e alimentou uma série de fofocas sobre o status da relação. Depois veio a grande revelação: Roberto e Vivian passaram a ter uma relação aberta —e há quem jure de pés juntos ter sido testemunha do encontro de ambos com terceiras pessoas.

Mas eis que Roberto decidiu dar em cima de Iara. Começou com curtidas e foguinhos no perfil dela no Instagram, comentários elogiosos, perguntas sobre o cotidiano —e acabou no convite para um café.

Iara perguntou claramente sobre o comprometimento de Roberto com Vivian, ao que ele confirmou o acordo consentido do casal sobre a possibilidade de terem relações com outras pessoas. Bom, sendo assim, por que Iara deveria resistir ao desejo, provocado pela atração sexual que sentia por ele?

Durante o café, Iara quis saber mais sobre o terreno em que estava pisando. Embora a responsabilidade sobre o acordo do casal seja 100% de Roberto, ela tem consciência de que entrar na triangulação é sempre um risco —além de achar moralmente errado.

Roberto disse que Vivian e ele viviam um casamento aberto há anos e que procuravam evitar envolvimento afetivo com as pessoas com quem se relacionavam. Tinham estratégias variadas, sendo uma delas não dormir com as pessoas com quem transavam —sendo expressamente proibido o pouso de um(a) crush na cama da casa própria.

Mesmo que morassem em casas separadas, o casal vez por outra dormia junto, e ter esse limite parecia gerar um certo espaço emocional de controle, além de caracterizar uma tradição sagrada, um elo entre os dois.

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Na segunda vez que se encontraram, após uma introdução regada a vinho e música, Iara aceitou o convite para ir à casa de Roberto —e lá fizeram um sexo "bem bom", segundo ela me conta. Mas, porém, contudo e entretanto, Iara ficou intrigada com o fato de ele ter insistido para que ela dormisse lá: "Mas ele não tinha dito que essa era uma condição proibitiva no casamento dele?", ela se pergunta em voz alta, compartilhando comigo a indignação.

— E você dormiu? — eu lhe perguntei, assumindo integralmente a minha curiosidade sobre a contradição apresentada.

— Não — ela me disse, com a firmeza e o contentamento de quem se mantém alinhada com a palavra. Admito que sorri.

Para piorar a imagem mental que fiz do Roberto —sei que não devia, mas pelo menos ela não é minha paciente, e nem conheço o rapaz— ela segue me contando que, já no dia seguinte, ele passou a querer conversar com ela no WhatsApp.

"Mas ele não disse que a regra do casal é evitar envolvimento afetivo?" —ela se pergunta de novo, em voz alta, indignada, esperando a minha opinião.

— Ele está te colocando no lugar da pessoa especial — aquela que faz ele perder a cabeça e descumprir o acordo que tem com a esposa. É uma estratégia antiga para colocar as pessoas em competitividade na triangulação, em especial as mulheres. Quem será a escolhida?

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Fazendo isso, ele instiga Iara a ficar pensando nos porquês, nas intenções, nas entrelinhas. Acende nela a curiosidade natural pela ambivalência, além da 'promessa' do espaço privilegiado na vida afetiva dele. E digo mais: ele está sendo desleal com a companheira, burlando as estratégias combinadas com ela —que sim, podem ser pura ilusão, pois, em se tratando de amor e sexo, nada é garantido— mas ainda assim fazem parte do acordo.

Que Roberto me desculpe, mas eu aconselhei mesmo a ficar distante desse tipo de pessoa, que fala uma coisa e, 10 minutos depois, já está encontrando argumentos para dar voz ao próprio desejo, independente do que isso possa provocar nas pessoas com quem partilha os afetos.

Que ele é a prova concreta de como é possível ser infiel em uma relação não monogâmica. Que eu sei que ela é maravilhosa —porque, de fato, Iara é uma pessoa muito interessante— mas que ela não seja traída pela própria vaidade e que siga seus princípios.

Se apega com facilidade? Tá querendo confusão afetiva? Gosta de pessoas desleais? Ela nada sabe sobre a relação do casal —mas tem poder sobre a que está construindo com ele. E essa já começou com a marca da traição. Nada mais a acrescentar —cada um com suas escolhas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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