Roberto Sadovski

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Opinião

'Lobisomem' é tentativa boba e desleixada de revitalizar monstro clássico

Não sobrou muito do DNA do monstro clássico da Universal nesta reimaginação de "Lobisomem". O que não seria necessariamente ruim. Afinal, a abordagem moderna do diretor Leigh Whannell funcionou à perfeição quando ele fez "O Homem Invisível", de 2020, que abandonou a trama do filme de 1933 ao incorporar temas atuais aos perigos da ficção científica.

Desta vez, porém, o raio não caiu no mesmo lugar. Se em "O Homem Invisível" Whannell amarrou sua trama sob a ótica da violência doméstica, em "Lobisomem" a ideia de ancorar a ameaça da criatura assassina com um tema igualmente urgente não colou. A tensão do filme com Elizabeth Moss, que o diretor soube dosar tão bem, deu espaço a um texto frouxo que não traz nem personagens complexos, muito menos a sugestão do terror.

"Lobisomem" abre com um prólogo nos anos 1990, quando um pai severo tenta ensinar a seu filho, um garoto que sequer tem espinhas no rosto, as habilidades para sobreviver em um ambiente selvagem —os motivos para tamanho rigor, claro, jamais são explicados. Na mata, a dupla é observada e depois atacada por uma criatura inumana, parte do folclore local que se mostra bem real.

Julia Garner e Christopher Abbott em 'Lobisomem'
Julia Garner e Christopher Abbott em 'Lobisomem' Imagem: Universal

Corta para os dias de hoje, quando o garoto, o escritor, marido e pai Blake Lovell (Christopher Abbott), vive em São Francisco com sua filha, Ginger (Matilda Firth, uma graça), que o idolatra, e com sua esposa, Charlotte (Julia Garner), que se sente desconectada da relação. A oficialização da morte de seu pai, desaparecido na floresta anos antes, impele Blake a se mandar com a família para o Oregon na esperança de despertar uma reaproximação.

Os Lovell sequer têm tempo de respirar quando uma criatura na estrada estreita causa um acidente com o caminhão que eles dirigem, some com o amigo de infância que Blake reencontrara minutos antes e o fere no braço com suas garras. Os três conseguem alcançar a fazenda do pai de Blake e, lá, se abrigam, com a fera à espreita do lado de fora e a incerteza de como lidar com a situação. Aos poucos, Charlotte percebe que o perigo pode estar, literalmente, a seu lado.

A intensão de Leigh Whannell é fazer da transformação física de Blake, "infectado" após o ataque inicial, um paralelo com o rompimento de um casal quando um dos cônjuges "não é mais o mesmo". É a mudança de comportamento levada ao extremo, até porque, ao enxergar o mundo como lobisomem, o pai de família e marido esforçado sequer entende as palavras proferidas pela esposa. Ele se tornar um monstro é consequência natural —e nada sutil.

Julia Garner e Matilda Firth: se correr o bicho pega
Julia Garner e Matilda Firth: se correr o bicho pega Imagem: Universal
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Em meio a essa tese sociológica rasteira, "Lobisomem" fracassa também como filme de terror. A começar pelo design das criaturas, que mira o "realismo" e acerta monstros que não estimulam a imaginação ou os sentidos. Em vez de reconfigurar a fera clássica, mirando na brutalidade e sensação de perigo, Whannell terminou com um bicho que inspira pena, um lobisomem mais tosco do que Ozzy Osbourne no modelo bicho-preguiça na capa de "Bark at the Moon".

Por sinal, eu uso o termo "lobisomem" por tabela, mas não há aqui nada que remeta a qualquer interação —clássica ou moderna— da criatura. Tirando um texto explicativo na abertura do filme, sugerindo um tico de mitologia que jamais é usado, a transformação de Blake tem mais paralelos com os zumbis raivosos, infectados em "Extermínio", do que com criaturas uivando para a lua.

O que resta, por fim, é um filme feio, que desperdiça seu bom elenco (Julia Garner é reduzida a gritos de pânico), confunde sustos com risadas involuntárias e não traz uma ideia nova sequer —o que, num projeto de revitalização de uma marca, é sentença de morte. Ao menos, sobra uma lição importante: em suas próximas férias, evite o Oregon. Tem lobisomem demais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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