'Thunderbolts*' continua a marcha da Marvel em busca da relevância perdida
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Filmes baseados em gibis experimentaram um fenômeno curioso nos anos 1990. Na esteira do sucesso de "Batman", o entusiasta médio de HQs acreditou que nascia ali uma nova era, em que os personagens mais famosos do papel migrariam em toda a sua glória para o cinema. A realidade, contudo, teima em atropelar sonhos.
Em vez de, digamos, "X-Men", "Homem-Aranha" ou um novo "Superman", o que vimos foi um desfile de ilustres desconhecidos ganhando versões em carne e osso. E dá-lhe "Barb Wire", "Aço", "Rocketeer", "Spawn" e "Blade".
Alguns filmes eram ótimos, outros deploráveis. Todos, contudo, falavam exclusivamente para o leitor fervoroso, o rato das editoras independentes, o sujeito com conhecimento enciclopédico do lado B dos hominhos superpoderosos. Nenhum deu liga.
Eu não diria que "Thunderbolts*" elenca algum "lado B" da Marvel: o que temos aqui é uma coleção de personagens que desponta lá na reta final do alfabeto.
Jake Schreier (do doce "Frank e o Robô") dirigiu uma aventura meramente OK e com zero personalidade que mantém a máquina operando, mas que dificilmente vai arrancar "ohhs" e "ahhs" da plateia. Mas, olha, depois de "Capitão América: Admirável Mundo Novo", só vejo vantagens!
Não existe nada em "Thunderbolts*" que desvie da estrutura de dúzias de outros filmes de super-heróis que afogaram o mercado nas últimas duas décadas. As entrelinhas, contudo, sugerem ao menos esforço para seguir uma rota alternativa ao recorrente bater-no-vilão-e-salvar-o-mundo.
Entre as três cenas de ação que amarram o filme, existe uma história sobre combater traumas, conduzida por uma coleção de personagens com um passado que gostariam de apagar.

A principal é Yelena Belova (Florence Pugh), trabalhando há alguns anos como espiã e assassina sob as ordens de Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), atual diretora da CIA.
Ao conduzir um punhado de operações secretas, Val enfrenta uma comissão no senado americano que pode custar-lhe o cargo e a liberdade. Sua desculpa é que a ausência dos Vingadores criou um vácuo que precisa ser preenchido com urgência por uma força igualmente poderosa.
Na urgência de apagar todos os traços de suas operações ilegais, Valentina despacha Yelena, a essa altura desiludida com sua rotina de violência e morte, para um depósito secreto em busca de uma espiã inimiga.
No local ela encontra seu alvo, a Fantasma (Hannah John-Kamen) e mais dois elementos: John Walker (Wyatt Russell) e a Treinadora (Olga Kurylenko) —todos com a missão de matar uns aos outros.
Não tarda para o grupo perceber duas coisas: todos são alvo de uma queima de arquivo arquitetada por Valentina, e eles não estão sozinhos. Antes que o lugar vire cinzas, o grupo encontra Bob (Lewis Pullman), sujeito amnésico que não faz ideia de como foi parar lá, mas que logo se junta aos aliados relutantes em uma fuga desesperada —que passa do combate com forças militares a uma fuga pelo deserto em uma limusine dirigida pelo Guardião Vermelho (David Harbour), culminando em um clímax em Nova York ao lado do Soldado Invernal (Sebastian Stan).

Até aí, dois terços de filme já passaram e a trama caminha em passos glaciais. A coisa só esquenta quando é revelado que Bob foi cobaia de uma experiência que buscava criar um super-homem e que o sujeito, dono de profundos distúrbios mentais, pode não ser o herói que o mundo precisa, e sim o vilão com capacidade para acabar com ele. Sem Vingadores para lidar com a ameaça, resta aos hesitantes Thunderbolts salvar o dia. Ou ao menos tentar.
É curioso como a Marvel espelha na trama de "Thunderbolts*" uma preocupação muito real do estúdio: a necessidade de preencher o vazio num mundo sem os Vingadores depois de "Ultimato". Nada que o estúdio produziu para o cinema nos últimos seis anos teve lugar de destaque nas discussões sobre cultura pop —exceto talvez por "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" e "Deadpool & Wolverine".
"Thunderbolts*", diga-se, não é o filme que vai virar essa chave. Os personagens, coadjuvantes compilados de "Homem-Formiga e a Vespa", "Viúva Negra" e da série "Falcão e o Soldado Invernal", têm o carisma de uma goiaba.
Além de Yelena, nenhum deles tem arco dramático redondo, e parecem, sem exceção, descartáveis. Sem falar que é covardia colocar essa turma ao lado de Florence Pugh, atriz tão talentosa que eu pagaria o ingresso se ela estivesse apenas lendo a lista telefônica.

A seu favor, "Thunderbolts*" ao menos quebra a rotina do estúdio em florear seu terceiro ato com batalhas monumentais que pouco servem à história —de "Pantera Negra" a "Shang-Chi", todos buscam um momento catártico ao estilo "Os Vingadores".
Aqui, Schreier troca a luta no ringue por uma inusitada sessão de terapia que termina como um tempero diferente —"menos socos, mais abraços" seria um bom slogan.
Se não é desabonador para a marca, "Thunderbolts*" também não traz nada memorável. Por um lado, o asterisco no título é finalmente explicado; por outro, a cena pós-créditos reduz o filme a anúncio do que está por vir, como a banda de abertura que esquenta o público para a atração principal. De todas as constantes estabelecidas pela Marvel, há tempos essa já passou da validade.
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