Page Hamilton, do Helmet: 'Nunca senti pressão para ser o novo Nirvana'
Na corrida para descobrir "o novo Nirvana" no começo dos anos 1990, o Helmet certamente estava no pódio. Depois de lançar um álbum pela gravadora independente Amphetamine Reptile, 'Strap It On', de 1990, a banda assinou um contrato de sete dígitos com a Interscope para três discos - "Meantime", "Betty" e "Aftertaste".
O Helmet, contudo, não era o Nirvana. Diferente do punk radiofônico criado pela banda de Kurt Cobain, o som dos nova-iorquinos liderados pelo guitarrista Page Hamilton pendeu para o metal, só que de forma inclassificável.
As canções eram compostas por riffs curtos e graves, pontuadas pelo vocal de Hamilton que ia da melodia quase marcial ao vozeirão cavernoso que irrompia em letras não cantadas, mas disparadas com violência e fúria.
A boa performance do Helmet nunca se traduziu no estrelato que a gravadora esperava - mas servia exatamente ao caminho que Hamilton trilhava.

A banda entrou num hiato em 1998 e o guitarrista ressurgiu em 2003 com uma nova formação para a banda, que mudou muitas outras vezes — ele permanece o elemento constante desde a criação da banda.
Ano passado, mesmo com um disco novo ("Left", lançado ao final de 2023), o Helmet começou a turnê para celebrar os 30 anos de "Betty", segundo disco ainda sob a aura de "novo Nirvana", mas que encapsula à perfeição o som da banda. Foi sobre essa turnê, que chega a São Paulo no dia 30 de abril, que o TOCA bateu um papo com Page Hamilton.
TOCA - 'Betty' está celebrando 30 anos. Vocês começaram essa turnê ano passado e eu acredito que os fãs que compraram o álbum na época dividem espaço com uma nova geração que está descobrindo o som do Helmet agora. Como você vê essa resposta do público?
Page Hamilton - É uma loucura! É exatamente como você descreveu. Tocamos em Londres e eu vi uma turma com 15, 16 anos, pulando e cantando as músicas. Seus pais sequer haviam nascido quando 'Betty' foi lançado! (risos) É uma maluquice, mas também é muito divertido.
É estranho tocar um disco assim, na íntegra?
Não, eu adoro tocar esse álbum porque ele é muito variado. Eu troco de guitarra três vezes nas três primeiras músicas porque 'Biscuits for Smut' tem uma afinação esquisita, e depois tem um trecho em que eu uso um som de jazz. Mas na América do Sul não vai dar para fazer essa troca, então eu estou aqui queimando os neurônios para bolar uma maneira de reproduzir esse som — não dá para usar um som muito limpo para o trecho de jazz.
Qual seria o problema dessa troca de guitarras nos shows da América do Sul?
A parte de jazz [de 'Biscuits for Smut'] precisa de um som totalmente diferente com outra guitarra, e a companhia aérea não vai me deixar embarcar com três cases gigantescos de instrumentos. Eu tentei conseguir uma guitarra ESP em cada cidade - Buenos Aires, São Paulo e Santiago -, mas não deu certo. E tudo bem, eu vou abaixar o volume ao máximo até não conseguir ouvir as cordas mais graves. Basicamente vou alterar todos os acordes, mas ninguém vai perceber. Não conte pra ninguém! (risos)
Em 1991, logo após o estouro do Nirvana, o Helmet foi inserido na cena do rock alternativo. As gravadoras queriam um novo Nirvana porque precisavam ocupar espaços. Você em algum momento sentiu essa pressão na época?
Eu nunca senti pressão por causa do Nirvana ou por conta de uma suposta disputa por nosso passe. O Nirvana era de Seattle, a base do Helmet era Nova York e nosso som era completamente diferente, muito mais agressivo.
Eu tiro meu chapéu para o Nirvana porque conseguimos um ótimo contrato por causa deles. Todo mundo estava atrás do próximo Nirvana (risos). Eu nunca senti nenhuma pressão porque sabia exatamente o que eu queria fazer e encontrei os caras certos para tocar comigo por quase 10 anos
O Helmet é citado amplamente como uma grande influência no movimento nü metal Você poderia comentar sobre as bandas que ajudaram a lapidar o seu som?
O disco que mudou minha vida foi 'Led Zeppelin 4', porque Jimmy Page é o motivo pelo qual eu quis tocar guitarra. Com o tempo comprei todos os discos deles e eu ouvia religiosamente dois discos do Led Zeppelin por dia, de ponta a ponta. Hoje seria 'Presence' e o primeiro, no dia seguinte seria o álbum ao vivo, que é duplo. Depois disso descobri 'Highway to Hell', do AC/DC, e meio que a terra tremeu, é um disco assustador da melhor maneira. Eu adoro o Aerosmith, eu tinha os cinco primeiros discos em fitas. Meu favorito é 'Rocks', eu acho que 'Back in the Saddle' tem uma das performances vocais mais absurdamente incríveis de todos os tempos. O cara era um monstro!

Quando você expandiu o horizonte para além do rock?
Bom, eu descobri o jazz e George Benson teve um impacto gigante em mim. Eu vi George Benson tocando ao vivo algumas vezes e pirava em como alguém podia tocar guitarra daquele jeito! Daí me inclinei de vez na direção do jazz, entrei na escola de música e todo mundo, de Miles Davis a John Coltrane, Thelonius Monk, Jim Hall, Bill Evans - todos esses músicos se tornaram muito importantes para mim. Daí vieram os cantores, Nat King Cole, Billy Holiday, Sarah Vaughan.
Estudar música fez você se voltar para os clássicos?
Me tornei obcecado por Beethoven, ouvia as nove sinfonias sem parar — a sétima é minha favorita, mas a nona é essa obra-prima irretocável, um dos pontos mais altos que a cultura humana já atingiu. Se você deixar nossa conversa não termina nunca! (risos)
E como tudo isso se encaixou no Helmet para criar um som tão original?
Vamos lá, o que é uma música? Melodia, harmonia, ritmo, forma, palavras, certo? Seja uma ária de Mozart, seja 'Raining Blood', são exatamente estes cinco elementos que formam uma música. Estamos falando de doze notas. E o jazz, o que ele tem? O jazz tem swing, e o Helmet tem swing. O jazz tem improviso, o Helmet idem, 85% dos meus solos são improvisados. Eu escrevi a parte melódia de "Like I Care", mas os solos são todos improvisados. Existe uma influência grande de jazz, mesmo que não seja audível. Mas ninguém vai confundir o Helmet com Oscar Peterson (risos).
Houve um momento em que você definiu como seria esse som?
Eu estava determinado a não soar como nenhuma outra banda e tive uma epifania uma noite caminhando para casa. Eram 4 da manhã e um riff não saia da minha cabeça. Cheguei em casa, peguei a guitarra, que estava com a afinação padrão, e não conseguia ouvir a nota em minha cabeça, que soava uma oitava abaixo. Daí eu tive a ideia de derrubar a afinação da corda mais grave, e de repente o riff saiu e se tornou 'Repetition', primeira música do nosso álbum de estreia. Essa foi a primeira música do Helmet, e eu acho que foi sorte que me permitiu escrever o que eu estava ouvindo em vez de, sabe, pegar a guitarra. Depois de tocar um riff do AC/DC você não consegue tirar ele da cabeça, então tudo acaba soando como AC/DC ou Hüsker Dü. Aquilo meio que me libertou.
Muitas músicas do Helmet são tocadas com uma afinação em drop D. Mas eu percebi que, ao longo dos anos, vocês deixaram a afinação ainda mais grave. Existe algum motivo em especial?
Quanto mais eu escrevia, cantava e saia em turnê, mais familiar eu ficava com minha voz. Bom, eu me considero barítono, porque minha voz é grave, então eu afinei a guitarra ainda mais grave e descobri um alcance vocal que eu não sabia que tinha. Eu adoro o som da afinação drop C, a gente está tocando assim há anos. Algumas músicas são mais complicadas por serem muito graves para serem emotivas ou expressivas, se é que esse é o termo certo. Mas isso me deixa mais focado para deixar a voz mais clara e não deixar que as notas fiquem emboladas.
Os anos 1990 provavelmente foram a última vez que o rock parecia amplamente mainstream, e hoje parece que, tirando os dinossauros, não há uma nova cena. O rock ainda tem chance de se reposicionar como fenômeno global ou esse momento já passou?
Cara, eu não sei de verdade. Quando o Helmet começou, cada banda em Nova York era bem diferente. Tinha o Cop Shoot Cop, que era incrível, o Sonic Youth, Live Skull, Surgery - muitos de nós éramos amigos e tocávamos juntos. Acho que em algum ponto dos anos 2000 o stoner rock virou febre e eu sinto que toda banda meio que soa assim.
Existe um fascínio com os anos 1970 e bandas tipo Thin Lizzy e ZZ Top, que a gente ouvia quando fumava um, e quando ouço essas bandas novas ainda prefiro o Thin Lizzy e o ZZ Top
Você trabalhou em algumas trilhas sonoras. Por que fazer música para filmes é tão fascinante?
Uma vez, quando eu namorava a Winona Ryder, ela me levou para uma festa em que a Diane Keaton era a anfitriã. Era na casa do agente que descobriu Richard Gere e Michelle Pfeiffer, então tinha um monte de astros. Winona era péssima em me apresentar às pessoas, então eu meio que ficava lá de bobeira. Daí o Warren Beatty me puxou para um grupo e perguntou o que eu fazia. Eu disse que era músico, e como a mulher dele estava lá, a Annette Bening, eu mencionei que havia feito a música de um filme que ela havia feito com Robert Downey Jr., 'A Premonição'. Ela olhou pra mim e soltou um "nossa, música é muito importante" (risos). E eu meio que disse 'é, com certeza'! Você pode tirar a música de um filme e fica uma droga, mas daí você vê "Onde os Fracos Não Tem Vez" que é muito intenso justamente por não ter música.
Você tocou com David Bowie. O que você aprendeu quando fez uma turnê com ele?
Ele era diferente de todo mundo com quem eu já trabalhei. Ele tinha algo que era mesmo indescritível. Obviamente Bowie era um gênio, um grande cantor, compositor, mas também um ser humano admirável de todas as formas. Ele foi um de meus heróis e me deu confiança para tocar ao seu lado.
Você já esteve algumas vezes no Brasil e tem um grupo de seguidores fiéis. Você acompanha música brasileira, tem algo no seu playlist?
Tenho certeza que vou achar Tom Jobim em minha playlist de viagem. Quando eu estive no Brasil pela primeira vez voltei para casa com CDs de Chico Buarque e Dorival Caymmi, e obviamente muito Jobim. Sua música é mágica, as sombras convivem com uma beleza intensa. Uma das canções que eu mais gosto de tocar é 'Wave', assim como 'Insensatez'.
Essa música mudou o meu mundo, e influenciou o jazz com essa polinização cruzada com o jazz americano nos anos 1950. O álbum que Jobin gravou com Elis Regina é perfeito. Jobim era um gênio e eu ainda ouço todos os seus discos
Serviço:
Helmet - 30 anos de 'Betty' (abertura Debrix)
Data: 30 de abril de 2025, às 19h
Local: Carioca Club - São Paulo/SP
Ingressos: https://fastix.com.br/events/helmet-betty-30th-anniversary-tour
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