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'Influencers vendem bem, mas não sabem interpretação', avalia Hugo Gross

Hugo Gross é o atual presidente do Sated-RJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio de Janeiro). Polêmico, tem dito "não" a alguns movimentos da Rede Globo que ele avalia irem contra os interesses da classe artística brasileira.

Ele ficou conhecido nacionalmente como galã da emissora nos anos 1980, mas começou a carreira em São Paulo há 50 anos pelas mãos de feras como Antunes Filho e Gianni Rato, ao lado do grande Juca de Oliveira em "Ricardo 3", de Shakespeare. Nesta época, virou até "príncipe" no Programa Silvio Santos e chegou a entrevistar astros como Jerry Adriani, Waldick Soriano, Wanderléa e Erasmo Carlos.

Por ter trabalhado com grandes nomes da atuação, ele decidiu cuidar de perto dos direitos das pessoas que vivem da arte integrando a área executiva do Sated-RJ, onde acabou se tornando presidente interino e, mais recentemente, presidente —eleito pelos inscritos. Presidência essa que já foi ocupada por Stepan Nercessian e Jorge Coutinho. "Hoje eu vejo que está tudo mudado, as pessoas não estão preocupadas com essa galera antiga, que realmente entende o que é interpretação."

Registro de trabalho e influenciadores

Sobre a batalha do sindicato em exigir que os novos artistas tenham estudo e registro profissional, Hugo diz que é para que não se banalize a profissão e para que percebam que atuar não é para qualquer um. Com o "boom" das redes sociais, por exemplo, influenciadores digitais surgem dia após dia, mas ele explica que o público que os acompanha na internet não é o mesmo público que assiste à televisão.

Nada contra os influencers, eles vendem um produto muito bem, mas não entendem da interpretação, e o público que segue 'fulano de tal' não entende que quem assiste televisão não é o mesmo público da internet. Principalmente os idosos, que amam e amavam as novelas das emissoras de televisão, não entendem isso, que não é o mesmo segmento que já foi.

Ele relembra que em 2023, quando a influenciadora Jade Picon foi escalada para fazer a novela "A Travessia" no horário nobre da Globo, ele foi chamado para conversar com o diretor Ricardo Waddington. Sugeriu então uma contrapartida: oportunidades para outros atores e atrizes com estudo mas sem visibilidade. A proposta foi aceita, porém, até hoje as oportunidades não foram dadas.

E eu pedi para ele que desse oportunidades para essa galera que está precisando trabalhar, que é da periferia. Ele olhou para a Adelia Croce (empresária) e perguntou se era fácil de escalar e ela respondeu que era. Ele não é obrigado, mas o Ricardo falou olhando nos meus olhos e, até agora, eu estou esperando cumprir, e a Adelia também.

Hugo também cita o caso da ex-BBB Beatriz Reis (a Bia do Brás), que participou da novela "Família É Tudo", de Daniel Ortiz, no lugar de Gil do Vigor, economista e ex-BBB, que não foi autorizado a participar da trama. Bia, apesar de ter ficado conhecida nacionalmente pelo reality e de não ter nenhum trabalho reconhecido, já tinha o registro de atriz por ter estudado teatro, além disso, ela cumpriu a Lei 6533/78 que permite que produções artísticas escalem pessoas que não fizeram nenhum trabalho: é pedida uma autorização específica, onde são analisadas as características do personagem e se, realmente, a pessoa escalada é a única pessoa que possui essas características.

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Mas o que a gente tem de talentos que realmente batalham, fizeram faculdade e que estão lutando por uma sobrevivência é descomunal. A gente está aqui para defender esse pessoal, desculpa, não são essas 'pessoas do glamour', mas estamos aqui por pessoas que estão precisando trabalhar, que têm a humildade de batalhar, de pedir teste.

Hugo também fala que colocaram a culpa em Glória Perez por "Travessia" não ter sido tão boa, mas, na verdade, faltou estudo da mocinha da trama, que era Jade Picon, por exemplo, já que Glória tem o histórico de fazer novelas incríveis e de sucesso. Ele também cita que há diretores que acham que popularidade nas redes sociais irá determinar o sucesso de uma novela.

"Como é que uma novela deste monstro, dessa mulher maravilhosa, não fez sucesso? Por que esse personagem da Jade Picon foi crucificado? Porque não sabia, não estudou, porque tem muitos seguidores e assim sucessivamente."

Ele explica que o Sated não existe para perseguir ninguém e que o sindicato foi o pioneiro em mostrar que o mercado tem que contratar pessoas que estão preparadas para trabalhar. Inclusive, apontando para outro problema, o etarismo, já que muitos atores mais velhos estão sendo deixados de lado e esquecidos.

Pessoas que têm registro, que começaram há muito tempo, têm que ter essa oportunidade. Quantos idosos eles não chamam? Os idosos estão sendo deixados de lado. A gente tem que combater isso.

Hugo se emociona ao citar diversos atores idosos que tiraram sua própria vida por não terem mais oportunidades de trabalho, por procurarem e não serem chamados, e enfatiza que isso precisa mudar e que só vai mudar se todos os artistas, atores e técnicos da categoria se unirem, sem medo de se expor.

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Falta de humanização e clareza na contratação

Outro ponto criticado por Hugo é a desumanização na contratação de atores. Antigamente, lembra, os produtores realmente viam pessoalmente os testes dos atores, hoje, isso acontece por vídeos. "Na época de Roberto Talma, Paulo Ubiratan e Mario Lucio Vaz, que você ia lá, falava com um produtor e o produtor via seu teste. Agora, você faz um vídeo e manda, será que eles estão vendo mesmo?"

Apesar das críticas, Hugo afirma que a Globo é uma boa empresa, que paga em dia seus funcionários, talvez não o valor que eles mereçam, mas que é correta. Porém, diz, a emissora precisa mudar a cabeça de alguns diretores para que eles valorizem as pessoas.

Ele cita exemplos de influenciadores que recebem até mais de R$ 100 mil para participar de uma novela, enquanto atores, com mais experiência, conhecimento e estrada, ganham um salário mínimo. Fora a necessidade de reconhecimento de trabalho por pessoa física, com o recebimento de direitos como em qualquer outra profissão, e não pessoa jurídica que é uma prática que vem sendo usada há tempos e que os artistas não conseguem trabalhar se não possuírem uma empresa.

Hugo diz que já foi avisado que seria perseguido por pessoas das emissoras por lutar pelos direitos dos artistas, que muitas vezes vão contra os interesses financeiros das empresas, e que sabe que, por colocar a cara, acaba não sendo chamado para trabalhar, mesmo tendo diversos trabalhos antes de entrar para o Sated.

Sobre os streamings, ele afirma que existem diretores e produtores que respeitam a lei, mas que há produtores e presidentes de outros sindicatos e federações relacionados ao audiovisual que desrespeitam, e que estimulam as grandes empresas a não pedirem autorizações, não pagarem taxas.

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Questionado, ele disse que não pode falar de emissoras que não estão localizadas no Rio de Janeiro, mas que a Rede Record, que tem seus estúdios de novela por lá, prioriza a contratação de atores com registro, mas que vez ou outra pede autorização para artistas sem registro e que o principal problema com a emissora é a falta de pagamentos de reexibição de trabalhos para os profissionais e que, por isso, a equipe jurídica do sindicato teve que intervir.

Hugo deixou uma mensagem para os atores experientes que estão em busca de trabalho e para os iniciantes que estão batalhando por um espaço: "Não desistam, coloquem amor em tudo, tenham fé. Tudo na vida passa, até a vida, e a única obrigação que temos aqui, nessa vida, é sermos felizes. Se sua felicidade é ser ator, não desista, vá. Hoje não, amanhã não, depois de amanhã, mas uma hora vai 'sim', porque nunca é mais escuro que a meia-noite, a tendência é clarear. E estudem, porque é importante ter o estudo".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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