O que esperar do governo Trump para o clima e a energia limpa?

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O retorno de Donald Trump à Casa Branca nesta segunda-feira (20) coloca em xeque os avanços globais e domésticos no combate às mudanças climáticas. Conhecido por seu ceticismo em relação ao aquecimento global, Trump descreveu as mudanças climáticas como "uma das maiores tapeações de todos os tempos" durante sua campanha eleitoral.
No novo mandato, ele promete reforçar o uso de combustíveis fósseis e desmantelar políticas ambientais estabelecidas por Joe Biden, gerando preocupações entre cientistas e ambientalistas.
Os EUA são atualmente o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, perdendo apenas para a China. No acumulado histórico, porém, são o país que mais agrediu o clima. Com Trump no poder, especialistas temem que os esforços para reduzir emissões e mitigar o aquecimento global sejam comprometidos.
"A vitória de Trump representa um obstáculo real à luta global contra as mudanças climáticas", afirma Alice Hill, pesquisadora do think tank americano Council on Foreign Relations (CFR). "Sob a liderança do presidente Trump, é quase certo que os Estados Unidos vão retroceder nos esforços globais e domésticos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, aumentando a produção de combustíveis fósseis."
Foco nos combustíveis fósseis
Trump anunciou planos para turbinar a exploração de petróleo e gás natural, reduzir restrições ambientais e enfraquecer incentivos para energia renovável e veículos elétricos. Essa estratégia ecoa o polêmico "Projeto 2025", um manual de 900 páginas publicado pela ultraconservadora Heritage Foundation. Embora Trump tenha se distanciado publicamente do plano, vários de seus autores foram nomeados para cargos importantes do futuro governo.
"Não temos ilusões de que este não será um governo destrutivo", disse Rachel Cleetus, diretora de políticas para clima e energia da União de Cientistas Preocupados, com sede nos EUA. "Ele é anticientífico em sua essência."
"Trump e seus apoiadores veem o petróleo e o gás como fundamentais para a força global dos EUA", explica Clarence Edwards, do think tank E3G. Em sua primeira presidência, Trump já havia liberado a exploração de áreas protegidas, como o Refúgio Nacional do Ártico, e incentivado a construção de oleodutos controversos, como o Keystone XL.
Na última quarta-feira (15), Chris Wright, indicado por Donald Trump para chefiar o Departamento de Energia, defendeu em sua audiência de confirmação no Senado reconheceu a mudança climática como "um fato". Apesar disso, reforçou seu apoio às energias fósseis, alinhado ao histórico de sua empresa, Liberty Energy, voltada para o setor de gás e petróleo de xisto.
Diante da Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado, Wright argumentou que os Estados Unidos devem liderar globalmente a transição energética, enquanto Trump prometeu bloquear projetos de energia eólica, criticando seus custos e dependência de subsídios.
O presidente eleito também prometeu anular um dos últimos atos de Joe Biden na presidência: a proibição de explorações de petróleo e gás em áreas costeiras estratégicas, abrangendo o Atlântico, o leste do Golfo do México, as costas do Pacífico e parte do Mar de Bering, no Alasca.
A medida, anunciada semanas antes da posse de Trump, protege 253 milhões de hectares de águas e visa preservar ecossistemas diante da crise climática.
A proibição, baseada na Lei de Terras da Plataforma Continental Exterior de 1953, não tem data de expiração e pode ser juridicamente desafiadora de reverter. Trump classificou-a como "ridícula".
E as energias renováveis?
Projetos de energia renovável e veículos elétricos também estarão na mira de Trump. O republicano quer reverter regras federais para conceder bilhões em créditos fiscais ao consumidor para projetos de energia limpa e carros elétricos, e para reduzir as emissões de gases de veículos.
As medidas foram aprovadas por Biden em 2022 como parte da Lei de Redução da Inflação, e podem ser desidratadas a despeito das dezenas de milhares de novos empregos criados nos últimos anos por projetos de energia limpa e veículos elétricos.
Analistas do setor, no entanto, apostam que não será tão fácil para Trump seguir com estes planos. Alguns dos fundos já estão investidos em projetos em todo o país - operações de extração de lítio na Califórnia, fábricas de painéis solares no Texas e fábricas de baterias e carros elétricos na Geórgia. E apesar das críticas dos republicanos à legislação, os empregos contam com algum apoio bipartidário.
Acordo de Paris e compromissos internacionais
Durante seu primeiro mandato, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris, comprometendo o esforço global para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Apesar de o país ter retornado ao pacto sob Biden, há grande expectativa de que Trump o abandone novamente. Segundo Barry Rabe, professor de políticas ambientais da Universidade de Michigan, essa decisão enfraqueceria a credibilidade dos EUA em outros compromissos climáticos internacionais.
Embora a série de mudanças sob Trump tenha alarmado os especialistas ambientais, Cleetus disse que isso não acontecerá da noite para o dia. "Há muitas coisas que não podem ser desfeitas apenas com o toque de uma caneta", afirmou ela, citando o complexo processo regulatório e administrativo, além dos desafios legais. "Podemos esperar que as vias legais sejam muito acessadas durante o governo Trump."
"O clima agora se tornou uma questão de primeira linha na diplomacia global", disse a especialista, apontando os laços cada vez mais complexos com questões comerciais, de segurança e econômicas. "Muitos países em desenvolvimento, países de baixa renda, estão enfrentando impactos absolutamente catastróficos das mudanças climáticas. Portanto, os EUA terão dificuldade em separar seus interesses geopolíticos do clima."
Impactos na política doméstica
Trump indicou Lee Zeldin, conhecido por sua oposição a regulamentações ambientais, para chefiar a EPA (Agência de Proteção Ambiental). Essa nomeação reflete a intenção de flexibilizar normas sobre emissões de carbono, poluição do ar e proteção de recursos hídricos.
Como chefe da EPA, Zeldin deve desmantelar regras rigorosas introduzidas pela administração Biden para controle da poluição do ar e da água, extração de combustíveis fósseis, biodiversidade e substâncias tóxicas - uma repetição do que Trump ordenou que a EPA fizesse quando substituiu Barack Obama em 2017.
Apesar disso, diante do Senado, Zeldin reconheceu, na última quinta-feira (16), que a mudança climática provocada pelo homem "é real".
"Eles falam sobre ar limpo e água limpa, mas estão [planejando] reverter todos esses [...] padrões de poluição que são especificamente projetados para proteger a saúde das pessoas e o meio ambiente", disse Cleetus. "Eles estão falando em cortar orçamentos e atacar a equipe em todas essas agências."
Para o diretor executivo do Sierra Club, Ben Jealous, a nomeação de Zeldin "revela as intenções de Donald Trump de, mais uma vez, vender nossa saúde, nossas comunidades, nossos empregos e nosso futuro aos poluidores corporativos".
"Precisamos de uma mão firme e experiente na EPA para mobilizar recursos federais para combater as mudanças climáticas e utilizar todo o poder da lei para proteger as comunidades da poluição tóxica", disse a presidente da Earthjustice, Abigail Dillen, em um comunicado em 12 de novembro. "Lee Zeldin não é essa pessoa."
O desafio de manter o diálogo climático
Apesar das medidas previstas, nem todos acreditam que o novo governo será capaz de interromper completamente os avanços climáticos. Cleetus enfatiza a importância de ações locais e estaduais como barreiras aos retrocessos federais. Estados como Califórnia e Nova York têm demonstrado liderança em políticas ambientais robustas, que podem inspirar outros.
Para Alice Hill, do think tank Council on Foreign Relations, o caminho para um futuro sustentável exige colaboração bipartidária. "Não teremos uma política climática de longo prazo sem consenso entre democratas e republicanos", defende.
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