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Opinião

M.M Izidoro: 'Precisamos reflorestar a imaginação pública brasileira'

Muitas das boas histórias que você e eu admiramos nos últimos anos passearam antes pela imaginação do M.M Izidoro. A gente só não sabe disso. Ou não sabia até agora. O bom de ouvi-lo é que, por dias depois, tudo ao redor parece realizável. E é, mesmo. É por isso que ele conta as histórias que conta: para lembrar às pessoas que elas são aquelas por quem sempre esperaram.

Se você assistiu esperançado ao #AmarEloPrisma com Emicida. Se devorou os audiolivros oficiais da Saga Harry Potter em português. Se assistiu à comédia romântica preta "Depois Que Tudo Mudou", na Globoplay. E até se você gostou da nova música cantada pelo João Gomes pro tradicional Criança Esperança, da TV Globo. Tudo isso (e mais um monte de coisas que não caberiam aqui) passou pela vontade sem freios que o M.M tem de contar histórias que atravessam a vida das pessoas de verdade. Quem acorda cedo para ir trabalhar, quem tem medo da prova de matemática de amanhã, na terceira aula.

"O Brasil é o país que mais consome cultura própria no mundo. Ouvimos a nossa música, assistimos à nossa TV. Mas, ao mesmo tempo, não consumimos culturalmente os nossos encantados, as nossas festas populares. Então, a gente consome o Brasil, mas não consome o Brasil, entende?", explicou M.M, no que parece ser um resumo da sua mais nova obsessão como uma pessoa contadora de histórias: lembrar ao Brasil que os brasis existem. E que, sem eles, ele, não vai ter muito para onde ir ali no futuro.

Produtor, roteirista, autor e diretor, M.M andou se dedicando nos últimos meses a viver com estes brasis que insistem. Mergulhou nas festas tradicionais de todos os cantos do país para entendê-las mais e melhor. Não só intelectualmente, como fazem muitos, mas entender se reencontrando com o espírito das coisas que o país é e faz. Mas que se esquece rápido. Me explicou assim, quando eu perguntei por um exemplo do tradicional esquecimento nacional:

"Nós temos uma das maiores manifestações religiosas do planeta, o Círio de Nazaré, que tem 231 anos. E a gente fala pouco sobre isso. Quase não conta essa história para nós mesmos e para o mundo." E aqui, mais um ponto importante dessa nossa conversa: o Brasil que, reconhecendo os brasis, precisa mesmo e urgentemente se fofocar ao mundo como um dos poucos e últimos espaços em que a esperança é um hábito inabalável. Do contrário, quem explicaria o que este povo faz com materialmente tão pouco?

"Como é que a gente, como indústria, conseguirá alimentar a mente e o coração dos brasileiros e do mundo?", se perguntou algumas vezes durante o papo. E ele mesmo responde. Às vezes, assim: "As histórias que eu tenho ajudado a contar têm mostrado outras possibilidades de Brasil". E às vezes, assim: "Eu quero acabar de ouvir uma história sobre alguém que se parece comigo e pensar: por que eu não escutei isso quando eu tinha 15 anos?". Para isso acontecer, ele diz, é preciso mais investimento em quem, quase nunca, é contado.

Contar histórias que reflorestem a imaginação pública brasileira é o jeito que M.M encontrou para explicar o trabalho que vem fazendo, todos estes anos. Disse que, toda vez que mergulha em um projeto novo ou vê brotando alguma ideia em si mesmo, fica se perguntando que tipo história aquela história vai contar para a esperança das pessoas. Exemplificou isso numa das audiosséries que produziu recentemente.

Em "Depois Que Tudo Mudou", disponível no Globoplay, ele mexeu nas expectativas de papeis que a sociedade já tem sobre determinados corpos. Deslocou dores de lugar para desbanalizar o sofrimento, sempre esmagando as mesmas pessoas de sempre. Para não repetir o clichê que diz, geração depois de geração, que somente alguns terão a felicidade do amor mágico dos contos de fadas como um direito. Não, a fantasia é direito de todo mundo. Um final feliz também.

"Muitos de nós não somos nem apresentados à possibilidade de estar de boas, de estar relaxado. Parece que as nossas histórias precisam ser o tempo todo sobre luta. Com pessoas se defendendo das violências do mundo", diz M.M, que busca romper com essa ideia. Trazer outras camadas, outros conflitos humanos. "Prazer e diversão são revolucionários. Saber que podemos nos divertir, que podemos ser aceitos e podemos ser amados é evolucionário". Assim, ele acredita, a gente vai banalizando outras coisas. A felicidade como direito de todos os seres, por exemplo.

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Metade de quem conta, metade de quem ouve

M.M já contou este tipo de história em todos os tipos de plataformas. Alguns chamarão de linguagem. No cinema, na TV, no celular. Ele conta que cada uma tem as suas especificidades para encaixar ali os personagens, os seus medos.

No cinema cabe a mocinha bem pequena numa cidade enorme, que parece que vai engoli-la. Ela aparece como um pontinho na tela. Já no celular, não. O jeito de filmar tem que ser mais de perto, mostrar como aquela mesma cidade a engole só pelo jeito de ela olhar pela janela do ônibus. Senão o personagem desaparece na tela do celular, senão quem assiste não quer continuar a história porque nem sabe onde sua heroína está. Ele acha isso, que a indústria precisa prestar mais atenção onde é que as pessoas estão, e contar as histórias ali. Atravessar seus caminhos. Por exemplo, trabalhar mais com o áudio.

"O áudio é o meio mais visual que existe. Quando eu conto uma história para você, eu preciso do seu repertório pessoal para que ela passe a existir. Eu preciso da sua imaginação. É uma cocriação entre nós dois", explica.

"Se eu digo que existe um ET na história, cada pessoa vai imaginar um extraterrestre diferente. Quem assistiu Star Trek pensa de um jeito, quem assistiu o Chapolin e a história dos aerólitos já imagina de outro", exemplifica, traçando um paralelo com o desafio atual do mundo: "É uma síntese do desafio que temos hoje na sociedade: produzir um diálogo entre duas pessoas completamente diferentes, mas que se conectam em algum lugar".

Sobre as possibilidades infinitas de se contar uma história a partir do áudio, M.M vai além. Pensa que este recurso inclusive democratiza quem é que pode contar as histórias destes mesmos brasis ao Brasil. Além de ser algo bem mais acessível para quem está do outro lado, escutando aquilo tudo. Enquanto no cinema se precisa de alguns milhões para entregar a cor perfeita, a luz perfeita, as roupas perfeitas, no áudio essa riqueza toda se encontra em outro lugar.

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"No áudio, a gente sonha junto àquela história. Eu conto uma coisa que se poderá ser criada em dupla. O maior orçamento que eu posso ter no mundo é a imaginação das pessoas", diz, e ainda completa dizendo que, para ele, não existe outra possibilidade de caminho para nós, como projeto de sociedade. Não tem outro jeito, precisamos investir pesadamente no direito que todas as pessoas têm de contar as suas histórias.

"A grande disputa do nosso tempo é na cultura, pela imaginação. Precisamos ser rápidos e ágeis. Para que daqui a alguns anos tenhamos uma floresta de possibilidades narrativas sobre nós mesmos."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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