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Engenheiro largou emprego para se dedicar ao lixo e prevê faturar R$ 100 mi

Guilherme Brammer Júnior, vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2019, posa em meio ao "lixo" na fábrica da Boomera em Cambé (PR) - Renato Stockler/Folhapress
Guilherme Brammer Júnior, vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2019, posa em meio ao "lixo" na fábrica da Boomera em Cambé (PR) Imagem: Renato Stockler/Folhapress

Bárbara Forte

de Ecoa

05/11/2019 10h12

Já imaginou transformar uma fralda descartável usada em um cabide? A ideia pode parecer loucura, mas já é praticada na Boomera, empresa de economia circular que desenvolve projetos para transformar resíduos considerados difíceis de reciclar em novos produtos e matérias-primas.

Seu inventor, o engenheiro paulistano Guilherme Brammer Júnior, 42, foi o campeão da 15ª edição do Prêmio Empreendedor Social, anunciado pela Folha de S.Paulo na noite da última segunda-feira (4), no Teatro Porto Seguro, na capital paulista.

"Eu sempre fui curioso para saber como as coisas são feitas, como elas funcionam", afirma Brammer, que se formou em engenharia de materiais.

Ao longo de sua carreira, o profissional atuou em grandes indústrias. Mas, ali, havia processos que o incomodavam: "Sempre me deixava inconformado a quantidade de materiais, de resíduos que eram produzidos".

Guilherme Brammer Júnior foi o vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2019 - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Guilherme Brammer Júnior foi o vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2019
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
O que o tirou daquela realidade e o levou para o empreendedorismo, no entanto, teve uma motivação pessoal: "Meu sogro lutava contra um câncer quando me fez refletir sobre a finitude da vida e sobre como era importante fazer o que nos desse prazer. Eu resolvi parar de reclamar e agir".

Doze anos depois de perder o sogro, Brammer vê sua atual empresa, criada em 2011, se expandir unindo lucro e responsabilidade social: a Boomera tem 150 funcionários e prevê um faturamento de R$ 100 milhões em 2020.

Como aconteceu a mudança de rumo

Guilherme Brammer largou o emprego na indústria em 2007 e viajou aos Estados Unidos com o objetivo de buscar empresas de economia circular para trazer ao Brasil. Mas a realidade brasileira tinha outros desafios.

Quando entrei em uma cooperativa pela primeira vez, me deparei com pessoas que vivem com uma dificuldade absurda, uma insalubridade diária. Mas são elas que limpam o nosso país."

Foi então que Brammer entendeu que precisava unir a indústria, o meio acadêmico e os agentes ambientais para promover um sistema de reciclagem que contribuísse para resolver problemas do país, com foco em resíduos considerados difíceis, de forma a transformá-los em matéria-prima para novos produtos.

O engenheiro criou uma metodologia chamada CircularPack, que propõe uma jornada completa para a embalagem. Um exemplo disso é a história da fralda usada - hoje são recicladas três toneladas vindas de creches de São Paulo. O material passa por uma esterilização e depois vira cestos e cabides.

Outro exemplo "maluco" que saiu do papel por meio da técnica foi a transformação de embalagens de suco em pó em instrumentos musicais. Em 2014, uma ação conseguiu produzir 15 mil deles.

Os resíduos recolhidos da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, tornam-se cones para aulas de educação física.

Guilherme Brammer, empreendedor social e diretor executivo da Boomera, posa para foto na fábrica da empresa - Renato Stockler/Folhapress - Renato Stockler/Folhapress
Guilherme Brammer, empreendedor social e diretor executivo da Boomera, posa para foto na fábrica da empresa
Imagem: Renato Stockler/Folhapress
Com pesquisa e desenvolvimento, design de produtos e logística reversa (coletar e destinar para a reciclagem materiais descartados pelos consumidores), a empresa produz um ganha-ganha em toda a cadeia produtiva. A ideia do engenheiro que se tornou lixeiro, como ele mesmo diz, financiou universidades e pesquisas para a criação de resinas, promoveu a inclusão social de 8 mil catadores de 13 estados do Brasil, envolveu 200 cooperativas na parceria e reciclou 60 mil toneladas de plástico. A empresa oferece mais de 100 pontos de coleta de material somente nas lojas do Grupo Pão de Açúcar.

Com o negócio consolidado no Brasil — a fábrica de reciclagem fica na cidade de Cambé (PR) e o escritório, em São Paulo (SP) —, Brammer expandiu a operação para países como Argentina, Chile e Colômbia. "No futuro, temos como objetivo alcançar parceiros globais e expandir nossos projetos para outros países. Todos têm problemas com o lixo, e o planeta ainda adota o modelo linear como premissa. Isso precisa mudar e é possível", afirma, acrescentando que 1 milhão de pessoas, na cidade de São Paulo, vivem da reciclagem.

Parceria com catadores

Ao receber o Prêmio Empreendedor Social, o agradecimento de Brammer foi feito para um dos catadores que passaram por sua vida: Telines Basílio do Nascimento, 54.

Guilherme Brammer se emociona na cerimônia de premiação da Folha - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Guilherme Brammer se emociona na cerimônia de premiação da Folha
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
Carioca, como é conhecido o catador, é presidente da CooperCaps, uma das primeiras cooperativas de São Paulo a trabalhar junto à Boomera. Para ele, o impacto é também social. "Minha vida se divide entre o antes da cooperativa e o depois da cooperativa. Morei na rua, vivi o mundo das drogas e só saí depois que comecei a catar lixo", diz.

Em seus 32 anos morando na capital paulista, Carioca viu sua vida mudar após conhecer Guilherme Brammer: "Quando começamos, tirávamos R$ 50 a cada três meses. Hoje, cada cooperado recebe entre R$ 1.400 e R$ 1.700. A Boomera se preocupa com as pessoas que estão por trás do lixo".

O presidente da cooperativa conta que também foi incentivado pelo amigo Guilherme a estudar. "Foi por insistência dele que voltei à sala de aula. Hoje sou formado em gestão ambiental e já fiz uma pós-graduação."

Sobre o Prêmio Empreendedor Social

Criado em 2005 pela Folha de S.Paulo e Fundação Schwab, o Prêmio Empreendedor Social é destinado a gestores de iniciativas com mais de três anos de atuação em setores como saúde, educação, tecnologia assistiva e meio ambiente, entre outros. Já as iniciativas de negócios de impacto social e startups com foco socioambiental que estão em fase inicial (de um a três anos) podem se inscrever para o Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro, destinado a empreendedores com até 35 anos.

Em sua 15ª edição, o concurso já reconheceu 112 gestores - entre finalistas e vencedores. A premiação é o passaporte para entrar na Rede Schwab e participar de encontros do Fórum Econômico Mundial. Os ganhadores e finalistas têm acesso, também, a premiações que totalizam R$ 400 mil em mentorias, capacitações e cursos de qualificação em instituições renomadas, como Insper e Fundação Dom Cabral.

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