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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

4 ações que os governadores eleitos deveriam tomar para conter a violência

Barreira da Polícia Militar no Allianz Parque - Matheus Godoy/UOL
Barreira da Polícia Militar no Allianz Parque Imagem: Matheus Godoy/UOL

Carolina Ricardo e Natália Pollachi

Do Instituto Sou da Paz

29/08/2022 06h00

Nesse período eleitoral, a melhoria da segurança pública deve estar no centro do debate. Ela é uma das principais preocupações da sociedade brasileira e fundamental na disputa pelos governos estaduais, que têm mais autoridade sobre a segurança no dia a dia por comandarem as polícias civil e militar.

Num cenário de grandes desafios fiscais e demandas por melhoria, é mais importante do que nunca evitar ceder às fórmulas repetidas, vazias e populistas que defendem mais truculência e mais prisões sem discutir quem, por quê ou qual o impacto destas ações na queda de ocorrências criminais.

Diante do cobertor curto da administração pública e sua limitação de recursos, o Sou da Paz defende que todos os governos estaduais e atuais candidatos(as), incluam quatro itens em seus programas: modelo integrado e ativo de controle da circulação de armas de fogo, aumento da investigação de homicídios, bons programas de gestão para resultados e profissionalizar o uso da força controlando a letalidade policial. Essas ações não vão resolver todos os problemas, mas têm enorme potencial de nos levar a um salto de qualidade na segurança pública porque preenchem lacunas estratégicas.

1) Modelo integrado e ativo de controle da circulação de armas de fogo

Apesar da legislação de acesso a armas ser definida em âmbito federal - e estar sendo dilapidada desde 2019 -, quem lida com as armas usadas em crimes no cotidiano são as polícias estaduais. Com a quantidade de armas em mãos de pessoas comuns mais que dobrando desde 2019, e o percentual de mortes cometidas com armas de fogo subindo para 76%, é urgente que as polícias estaduais criem delegacias especializadas para reunir informações sobre o perfil e a origem, investigar os pontos de desvio de armas do mercado legal para o ilegal e fechar essas torneiras, com cooperação entre órgãos e estados diferentes. Hoje só existem duas delegacias desse tipo no país inteiro (ES e RJ). Priorizar a investigação da origem das armas de fogo evita os crimes mais violentos: previne mortes, roubos, ameaças, sequestros, o domínio territorial e tantos outros.

2) Aumento da investigação de homicídios,

A proporção de homicídios cometidos no Brasil que chega a um autor identificado e denunciado à justiça é de apenas 37%. Aumentar a capacidade de investigar homicídios significa entender melhor como eles acontecem e, apenas a partir daí, ser capaz de preveni-los de forma eficiente. Significa mostrar a presença do Estado diante do crime mais grave que existe. Significa dar às famílias das vítimas o direito à verdade, à memória e a possibilidade de processar o seu luto, onde as mais afetadas são famílias de homens jovens e negros. Significa retirar do convívio social autores contumazes e aumentar o custo para os que escolhem a violência letal como forma de resolução de conflitos.

3) Bons programas de gestão para resultados

Ter um programa de gestão para resultados na segurança pública é determinar metas e indicadores priorizando a redução criminal, promover reuniões de acompanhamento e de tomada de decisões, assim como realizar ações de reconhecimento aos profissionais com bom desempenho. Atualmente, quase a metade dos estados do país não tem esses planos, o que deixa a segurança pública sem prioridades e as polícias ficam ao sabor do vento das emergências cotidianas, para as quais também deve ser reservado um espaço, mas não todo.

4) Profissionalizar o uso da força controlando a letalidade policial.

Por fim, a falta de profissionalização do uso da força é um problema nacional. De todas as mortes violentas, 13% são decorrentes de intervenção policial, havendo regiões em que alcança 30%. O uso da força é uma prerrogativa das polícias, mas deve ser reservado aos casos estritamente necessários e aos limites legais. O uso das câmeras em uniformes ajuda muito, desde que observados cuidados com seu acionamento e uso das imagens, mas sozinhas elas não dão conta de um problema tão estrutural. É preciso reformar a formação para valorizar outras ferramentas e protocolos; incluir o uso adequado de armas menos letais; que todas as ocorrências com morte (incluindo morte de policiais) sejam estudadas para identificar se algo poderia ter sido diferente; que as Corregedorias e Ouvidorias tenham recursos e independência suficientes para atuar, dentre outras medidas. Como 84% das pessoas mortas em confronto com a polícia são negras, é fundamental incluir nas instituições policiais a discussão sobre o racismo estrutural.

Essas quatro prioridades são aplicáveis a todas as unidades da federação. Sua implementação (detalhada em soudapaz.org) se adapta a realidades locais e traz itens de maior ou menor investimento financeiro. Em comum, são uma aposta na segurança pública como função prioritária do Estado, como bem coletivo que protege vidas e que viabiliza o desenvolvimento social e econômico de todas e todos.

Carolina Ricardo é diretora executiva do Instituto Sou da Paz
Natália Pollachi é gerente de projetos do Instituto Sou da Paz